Análise | Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados (Mostra de SP 2025)
- Vinicius Oliveira

- 30 de out.
- 3 min de leitura
Série documental tenta fazer o que pode a partir dos litígios impostos a ela

Foto: Reprodução
Ontem (29), o Oxente Pipoca teve a oportunidade de assistir em cabine a dois dos quatro episódios de Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados, série documental dirigida e roteirizada por Miguel de Almeida a partir do seu próprio livro homônimo. Contando com as participações de Ney Matogrosso, Gerson Conrad e outros músicos envolvidos com o Secos & Molhados, além de convidados externos que expressam sua admiração pela banda e sua relevância para o cenário musical brasileiro.
Desde o primeiro episódio, fica evidente uma falta significativa em decorrência da ausência de João Ricardo, terceiro membro da banda. Não apenas isso, como ele, que é detentor dos direitos da maioria das músicas, proibiu a produção de utilizá-las na série, o que acaba gerando uma lacuna enorme. Ainda que músicos Emílio Carrera (piano) e Willy Verdaguer (baixo), que tocaram nos álbuns originais, se esmerem em construir uma trilha sonora original que relembre canções icônicas como Sangue Latino, O Vira, Mulher Barriguda ou Flores Astrais – e que eventualmente contam com as participações de Conrad e Matogrosso –, fica a sensação de se estar ouvindo um pastiche, especialmente com a ênfase que a série dá à gravação dessas novas músicas, quase como se ela no fim das contas fosse um veículo para a divulgação desta nova “velha” formação do Secos & Molhados.
Se a ausência de João Ricardo e o litígio promovido por ele prejudicam muito a absorção da série a partir das músicas da banda, também permitem que ela aborde temas mais espinhosos que outras produções documentais muitas vezes têm receio em tocar. Não há nenhuma tentativa de esconder uma visão mais parcial (e menos generosa) sobre o papel de Ricardo e seu pai, João Apolinário, na dissolução da banda, com os diversos entrevistados não fazendo poucas palavras para descrever as complicadas personalidades de ambos e as tensões internas. A própria decisão de resumir o Secos & Molhados aos dois álbuns com Matogrosso e Conrad – mesmo que Ricardo tenha utilizado o nome em outras formações e outros álbuns – é em si um gesto que demarca muito bem a intenção da série e dos envolvidos.

Foto: Reprodução
Mesmo contando com gorduras e repetições (as imagens da peça O Rei da Vela, o uso de imagens reversas dos militares para falar do contexto sociopolítico da época), além de investir em alguns entrevistados que não tem muito a agregar, a série se beneficia justamente do espaço que Matogrosso, Conrad e outros músicos da banda têm para revisitar as memórias. Matogrosso, como sempre, não tem papas na língua, ao passo que Conrad nutre mais carinho por esse passado. Nota-se até uma certa tensão quando os dois estão juntos em cena, embora isso possa advir mais das diferenças de personalidades do que necessariamente por mágoas e questões não resolvidas. Certamente o rancor contra João Ricardo os une, assim como os une aos outros entrevistados.
Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados acaba não escapando de uma abordagem um bocado protocolar, sofrendo ao tentar preencher como pode as lacunas decorrente do litígio imposto a ela. É difícil dizer com metade dos episódios se ela pode dar conta de representar o suficiente do legado que Secos & Molhados deixou na música e na cultura brasileira, mas pelas falas apaixonadas e saudosas dos entrevistados, não há dúvidas de que, em meio às disputas e tensões, eles reconhecem a grandiosidade do que criaram, mesmo que não soubessem à época.





