Um marco histórico da televisão
AVISO: CONTÉM SPOILER DO EPISÓDIO
Foto: Divulgação
“Everyone’s Waiting”, de A Sete Palmos (Six Feet Under). “Made in America”, de Família Soprano (The Sopranos). “The Suitcase”, de Mad Men. “Ozymandias”, de Breaking Bad. O que esses episódios têm em comum? Todos são, ao seu modo, alguns dos mais marcantes da história da TV, daqueles que vão ser presença carimbada nas listas dos melhores já feitos. Ontem, à noite, Succession garantiu seu lugar nesse panteão com “O Casamento de Connor”, um daqueles episódios tão memoráveis que o mero fato de assisti-lo em tempo real foi como ver história sendo feita ao vivo.
Para falar dele, é preciso lidar com o elefante na sala, o acontecimento que o tornou tão memorável. Sim, Logan Roy (Brian Cox) está morto. Mas não é apenas a morte dele que nos choca — afinal de contas a esperamos desde que o personagem sofreu um derrame no primeiro episódio (e o nome da série já é outro indicativo) —, e sim o fato dela acontecer sem nenhum aviso e tão cedo na temporada, onde outras séries a deixariam apenas para os últimos episódios. É uma prova da ousadia de Jesse Armstrong e muda completamente o jogo para a reta final da temporada.
A presença de Armstrong como roteirista desse episódio (junto à Mark Mylod na direção) já deveria ser um indicativo de que algo grande estava vindo; e se baseássemos o episódio com base em seus primeiros 15 minutos, ele já seria excelente, alternando entre as negociações de Logan com a GoJo e o referido casamento do título. E então o tapete o puxado, mas Armstrong e Mylod não se contentam em nos anunciar que Logan morreu: eles nos lançam em um estado de paranoia e incerteza junto aos personagens, seja os que estão no avião com o patriarca dos Roy quanto seus filhos que estão em terra firme, atordoados e perplexos pelo desenrolar dos eventos.
Aliás, se já havia alguma dúvida de que Succession varreria as categorias de atuação (e as demais), ela é completamente destruída após as entregas de Jeremy Strong, Sarah Snook e Kieran Culkin como o trio de irmãos protagonistas. Não que eles sejam os únicos a brilhar — é um atestado do altíssimo nível do episódio e da série o fato de que todo mundo, até mesmo um motorista coadjuvante, se destaca de alguma forma aqui —, mas o texto de Armstrong e a direção claustrofóbica de Mylod nos lançam junto aos três numa verdadeira montanha-russa de emoções que vai do choque a um calculismo quase perverso (poucas vezes uma frase sintetizou tão bem uma série inteira quanto “podemos segurar essa informação até o mercado fechar?”).
Se eu pudesse escolher apenas um nome para destacar do episódio inteiro, seria o de Culkin, que consegue transmitir todo o inferno pessoal que seu Roman vive, desde as amargas e confusas últimas palavras dita ao pai por telefone (e que jamais serão ouvidas), passando por sua completa negação à notícia e culminando na sua solitária decisão de ver o corpo de Logan. Snook vem logo atrás, sedimentando sua futura indicação (e merecida vitória, caso haja) à Melhor Atriz ou Atriz Coadjuvante com uma única cena: aquela em que Shiv, completamente quebrada e desesperada, é posta ao telefone para tentar dizer algo ao pai enquanto este é reanimado pela equipe do avião. E Strong, cujo Kendall vinha relativamente mais apagado em relação às temporadas anteriores, nos lembra mais uma vez porque é um dos melhores atores da atualidade, goste você ou não do seu Método de Atuação. O plano final do episódio, com Kendall contraposto ao crepúsculo com lágrimas silenciosas nos olhos enquanto vê o corpo do pai sendo levado, é um dos momentos mais devastadores que a TV já conheceu.
Logan Roy está morto, no melhor jeito Succession de ser: sem cerimônias, sem últimas palavras bonitinhas ou clichês, devastando a tudo e a todos antes que a necessidade de uma abordagem fria, impessoal e profissional seja adotada para conduzir as coisas. É tudo tão inesperado e seco que seria absolutamente frustrante se assim fosse feito em uma série de menor qualidade, mas aqui faz todo o sentido, já que a morte (sempre um tema tão recorrente na série) não costuma esperar. Em mãos menos hábeis, matar seu protagonista tão cedo numa última temporada poderia acarretar a morte da própria série, mas aqui é um atestado da segurança de Jesse Armstrong e cia. em conduzir essa história. “O Casamento de Connor” é um episódio que já nasceu memorável, e a única chance de ele não figurar como o melhor episódio do ano ou um dos melhores de todos os tempos é se for superado pelos próximos sete que estão por vir. E sinceramente? Se tem uma coisa que Succession demonstrou muito bem até aqui é que ela é perfeitamente capaz de fazer isso.
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