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Crítica | Bugonia (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 19 de out.
  • 3 min de leitura

As lutas do cinema contemporâneo para filmar as estranhezas da realidade

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Foto: Reprodução


Paranoia e teorias da conspiração são um material fértil para Hollywood há um bom tempo, rendendo obras seminais como A Conversação, A Trama ou Três Dias do Condor, apenas para citar algumas. A ideia de forças ocultas movendo as engrenagens do mundo, de figuras nos bastidores com suas maquinações, sempre foi bastante atrativa à ficção e às nossas necessidades de explicar o que aparentemente há de errado com o mundo. Mas, uma vez que a extrema-direita cooptou essas teorias e seus discursos, de repente fazer filmes sobre elas e de alguma forma validar este espectro ideológico se tornou um problema. Como então falar do assunto sem parecer um lunático ou só repetir o que já vemos todo santo dia na internet?


Entra em cena Yorgos Lanthimos e seu Bugonia, remake do longa sul-coreano Save The Green Planet! Na obra, dois conspiracionistas, os primos Teddy (Jesse Plemons) e Don (Aidan Delbis), sequestram a executiva Michelle Fuller, presidente de uma grande corporação farmacêutica. O objetivo? Provar que ela é uma alienígena da galáxia de Andrômeda envolvida num plano para dizimar a humanidade.


É o tipo de premissa que, vinte anos atrás (na época do longa original) soaria tão absurda quanto cativante. Agora, porém, para qualquer um que acidentalmente caiu nos esgotos da internet e já viu coisas como reptilianos – só para ficar na superfície das teorias da conspiração – parece apenas mais um dia normal no Twitter, 4chan ou Youtube. Obviamente Lanthimos e o roteirista Will Tracy têm consciência disso e buscam justamente ancorar essa premissa no nosso contexto contemporâneo.


Com isso, Bugonia é – pelo menos na maior parte do tempo – o filme mais “convencional” da carreira de Lanthimos, conhecido justamente pelo absurdo das suas obras. Ainda estão bem presentes o humor sombrio e a veia cínica do diretor, mas ao fazer um filme significativamente mais sóbrio do que seus antecessores, ele sabiamente evita alguns dos vícios que vinham acometendo sua filmografia (como as excessivas lentes distorcidas “olho de peixe” empregadas pelo diretor de fotografia Robbie Ryan).

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Foto: Reprodução


Ao mesmo tempo, porém, essa sobriedade acaba se voltando contra o próprio filme, especialmente em decorrência do texto de Tracy, que não se furta a apontar certas obviedades nos discursos e falas dos personagens, como se víssemos a mera reprodução de uma discussão ou de um fórum nas redes sociais. É um problema parecido com o de Eddington, de Ari Aster: quando a realidade se tornou mais estranha e implausível do que a ficção, como se a supera?


Ao menos aqui em Bugonia, a resposta vem no jogo de gato e rato construído entre Teddy e Michelle, vividos com maestria por seus intérpretes. Plemons já há muito domina a arte de construir personagens esquisitos, assustadores e imprevisíveis, e é ele quem consegue conferir alguma humanidade e nuance ao seu personagem, elevando-o de um mero arquétipo de redpill. E Stone tem a dura tarefa de construir um personagem que tenta assumir o controle a todo instante, investindo tanto em uma performance mais contida e fria quanto em uma fisicalidade onde elementos como a cabeça raspada e os movimentos do corpo nos deixam em dúvida: afinal, Teddy está certo sobre ela ser uma alienígena ou não? Quando o filme assume sua virada na meia hora final, entregando-se enfim ao absurdo, não só ele atinge seu ápice, como permite à dupla de atores se soltar de vez em seus papéis, abraçando a estranheza pincelada a passos lentos durante sua hora e meia anterior.


Assim, Bugonia não deixa de ser outra obra que abraça a sátira cínica para responder ou representar as inquietações do nosso mundo tão incerto. Acaba incorrendo em erros típicos que essas produções – cada vez mais comuns desde o início da década – cometem, em especial por investir na sobriedade e no plausível. É quando o filme se torna mais estranho que a realidade que ele enfim se torna memorável, mas mesmo em suas porções irregulares, os talentos singulares de Stone e Plemons sustentam a obra o suficiente para que deixe alguma marca.


Nota: 3/5 

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