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Crítica | De Lugar Nenhum (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 30 de out.
  • 2 min de leitura

O processo criativo e as sensibilidades de um escritor encenados ao redor do mundo

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Foto: Reprodução


Em determinada cena de De Lugar Nenhum, o escritor português Valter Hugo Mãe caminha por uma estrada no meio do nada na Islândia, quando uma criança então corre em sua direção. A mãe vem logo atrás, gritando seu nome até alcançá-la antes que a menina alcance Valter, e a puxa de volta agressivamente, enquanto relâmpagos cortam o céu e ele permanece imóvel. O caráter meio fantasioso do momento se justifica quando enfim percebemos, algumas cenas adiante, que tanto a menina quanto a mãe são fruto da imaginação do escritor, o qual viaja pelo país para coletar ideias para seu romance A Desumanização.


Dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, De Lugar Nenhum faz parte do seu projeto documental O Sentido da Vida, o qual acompanha diversas figuras contemporâneas que, nas suas palavras na entrevista feita com ele (a qual você pode conferir aqui), representam áreas específicas e simbolizem a luta por um mundo melhor em tempos tão loucos. A escolha por Valter Hugo Mãe para representar a literatura se revela mais que fortuita, visto que a bibliografia do escritor é fortemente fundamentada na alteridade e no olhar para o Outro.

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Foto: Reprodução


Assim, o documentário evita abordagens tradicionais no sentido de buscar uma abordagem biográfica de Hugo Mãe, mas permite que o próprio entrevistado conduza essa narrativa e desnude seu processo de escrita perante o público. E que processo: é fascinante mergulhar na mente e nas palavras do escritor, ser envolvido por seu olhar sensível e curioso (e também muito bem-humorado). Como escritor, é difícil não ser tocado pela maneira como sua personalidade é tão atraída por conhecer o Outro, bem como as maneiras pelas quais sua mente vai organizando as ideias que comporão a versão final do livro, especialmente pela escolha acertada de Gonçalves Mendes de encenar momentos da própria obra literária, como na cena descrita acima.


São os instantes de maior frescor dentro da obra, que no geral segue uma encenação bem protocolar, sem muitos riscos. A câmera foca majoritariamente em Valter, seja sozinho ou em interações com os outros (as suas conversas com a mãe superprotetora são divertidíssimas). Quando a câmera se afasta do escritor e seu processo, ou da “adaptação” de A Desumanização, é visível como ele perde força, como na sequência de conversa com Laerte, que, ainda que mostre a riqueza da amizade dos dois, parece um certo desvio de rota que prejudica o ritmo da obra já tão curta.


De Lugar Nenhum é a expressão do exercício de um escritor em imaginar vidas e mundos. Somos essa classe “legitimada” a mergulhar e extrair dos outros para dar corpo às nossas histórias, mas ver as nuances com as quais Hugo Mãe realiza esse processo serve de inspiração, especialmente pela sensibilidade com a qual isso é feito e mostrado. Mesmo em seu aspecto mais convencional em termos de forma, o filme se revela bem-sucedido em nos revelar como funciona a mente de um escritor tão conceituado e marcado pela prática da alteridade.


Nota: 3/5


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