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Crítica | Dreams (Sex Love)

  • Foto do escritor: Aianne Amado
    Aianne Amado
  • 23 de jun.
  • 4 min de leitura

O filme mais parece um livro em forma de filme sobre um livro. Confuso em sua forma e em sua premiação como Urso de Ouro em Berlim.

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Dentre os temas universais, talvez nenhum seja tão abrangente quanto a experiência do primeiro amor. A morte é certa, mas ainda nos é desconhecida; a liberdade é, em teoria, um valor fundamental, mas poucos sentem sua ausência de forma plena; valorizamos laços familiares e de amizade, mas nem todos têm o privilégio de contar com esses vínculos verdadeiramente. O primeiro amor, no entanto, esse todos já vivemos — e é aí que reside sua força. É aquele misto de ansiedade, insegurança, obsessão, desejo, fantasia, aventura, esperança, e contemplação – tudo embalado com um nó na garganta bem atado. É sobre esse emaranhado que trata Dreams, filme norueguês vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2025, terceiro capítulo da trilogia de Dag Johan Haugerud, iniciada com Sex e Love (todos de 2024).


A narrativa se dá pelo ponto de vista de Johanne (Ella Øverbye), uma adolescente que se vê fascinada por sua nova professora de francês, Johanna (Selo Emnetu). Desde a musicalidade da fala até o modo como o suéter toca sua pele, tudo em Johanna exerce sobre Johanne um magnetismo particular (sim, a semelhança nos nomes é reconhecida na história). Como toda jovem apaixonada, Johanne começa a construir fantasias, imaginar futuros (que considera) possíveis e reinterpretar gestos e silêncios. No auge de sua agonia, visita a professora em casa, pronta para se declarar — mas, tomada pelo medo de que seus cenários imaginários não se concretizassem, apenas chora em seus braços. A partir dali, estabelece-se algo: para Johanna, uma afeição que ultrapassa os muros da escola; para Johanne, um romance em formação, cuja reciprocidade parece cada vez mais evidente. As duas trocam mensagens pelo celular e passam longas tardes tricotando, numa mistura de  afeto e ambiguidade.


Conhecemos essa história em retrospecto. Já no início do filme, sabemos que a relação terminou de algum modo. Johanne guarda consigo o registro do ocorrido em um arquivo de texto salvos em seu pen drive em forma de bichinho – um objeto simbólico, mas tangível, de um amor arrebatador, ainda que, agora, finito. Depois de contemplar sobre a importância do sigilo do texto, ela decide mostrá-lo à avó, uma escritora experiente, que se impressiona com a maturidade da narrativa, mas sugere que a menina compartilhe o conteúdo com a mãe. Esta, após um momento de hesitação quanto à diferença de idade entre as envolvidas, apoia que o material seja publicado em livro. A narrativa íntima, então, transforma-se em obra pública – com autorização de Johanna, que concorda com a exposição, mas nega veementemente qualquer responsabilidade sobre o que é contado.


A proposta de Haugerud é instigante: revisitar um tema clássico por uma lente contemporânea, explorando como a juventude atual elabora suas experiências afetivas, especialmente fazendo uso do digital. Merece destaque também o tratamento naturalizado do amor lésbico, apresentado sem qualquer holofote, reafirmando que amor é apenas amor. Contudo, a escolha estilística do diretor pelo uso excessivo da narração em voice over diminui vários de seus méritos. Em verdade, o recurso se mostra interessante no início, porém não demora até se tornar repetitivo e cansativo. A sensação é de estar diante de uma ilustração de palavras lidas em voz alta – quase como se estivéssemos ouvindo um audiolivro com imagens ao fundo. Há quem aprecie essa proposta. Não foi o meu caso.

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O problema maior está na maneira como essa opção sufoca o potencial cinematográfico da obra. O ritmo é ditado pela narração, e não pela mise-en-scène; a trilha sonora, constantemente interrompida, perde força dramática; a câmera, abusando de close-ups e planos detalhes, cria uma atmosfera claustrofóbica. O cinema, afinal, é arte de mostrar – e Dreams prefere contar. Tamanho foi meu incômodo que, ao subirem os créditos, fui procurar conhecer a biografia do diretor – e por que será que não me surpreendi quando soube que, antes de cinema, se dedicava como novelista.


A confusão narrativa é ampliada pela indefinição do ponto de vista. Em muitos momentos, não sabemos se Johanne está lendo trechos de seu livro, desabafando com a mãe, refletindo sozinha ou falando com um terapeuta. Falta um fio condutor claro. Como resultado, tentativas de aprofundamento em personagens secundárias, como a mãe e a avó, se esvaziam – afinal, não temos sequer certeza de onde parte a informação sobre elas. O próprio filme parece reconhecer essa fragilidade e, por isso, escapa pontualmente da narração central para incluir dois momentos desconcertantes da avó: um diálogo com a editora e um número musical abrupto, deslocado e desnecessário.


Ainda assim, Dreams tem seu charme, que, como bom coming of age, se sustenta em grande medida pela inevitável identificação que todo ser humano de certa idade sentirá. Também merece destaque o frescor de uma narrativa sem personagens masculinos fortes e a bela iluminação cinematográfica, especialmente no aconchego alaranjado da casa de Johanna. Mas nem só de charme vive uma obra. Ao contrário, grandes filmes podem surgir de histórias pouco charmosas, desde que bem contadas. E talvez esse seja o problema maior aqui: Dreams esquece que é cinema, se perde em sua própria forma e, ao fim, já não sabe exatamente o que conta, para quem, ou mesmo por quê.


Nota: 2,5/5


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