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Crítica | Palestina 36 (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 21 de out.
  • 3 min de leitura

Eficaz como denúncia das origens do genocídio em Gaza, não tão eficaz como filme palestino

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Foto: Reprodução


O cinema sempre foi palco e reflexo das lutas políticas em curso no mundo, e com o atual genocídio que se desenrola em Gaza não poderia ser diferente. A vitória de No Other Land como Melhor Documentário no último Oscar é sintomática no sentido de representar uma arte que se diz consciente daquilo que está acontecendo e não fecha os olhos, e também de um maior engajamento com o próprio cinema palestino, mais atuante do que nunca em denunciar as atrocidades cometidas por Israel.


Nesse sentido, Palestina 36 opta não por acompanhar a situação atual do conflito, mas de ir em suas raízes, cobrindo mais especificamente a greve e revolta palestina contra o mandato britânico na década de 1930, período em que as potências ocidentais começaram a alocar populações judaicas em fuga da Europa devido ao antissemitismo. Essa alocação, como se sabe, não veio sem conflitos, já que o custo de se ocupar os judeus no território palestino foi extirpar cada vez mais o território dos próprios palestinos, reacendendo os conflitos entre os dois povos que até hoje reverberam de maneiras cada vez mais violentas e brutais.


Inteligentemente, a diretora Annemarie Jacir não põe a culpa sobre os judeus, que mal aparecem durante a obra. Seu objetivo é claro: mostrar que boa parte (ou todo) do sangue derramado na Palestina hoje poderia ser evitado não fosse a opressão britânica/ocidental, que impôs sobre a população já ali residente uma série de medidas autoritárias enquanto colaborava com o movimento sionista, o que só acirrou cada vez mais os embates com os movimentos de resistência palestinos. Assim, é um cinema-denúncia que transmite uma mensagem dolorosa e ainda atual, reforçando mais uma vez os malefícios dos processos colonizatórios impostos pelas nações ocidentais ao redor do mundo.


Infelizmente, só uma mensagem potente não torna um filme bom. E o grande problema de Palestina 36 é que para transmitir essa mensagem, Jacir escolhe caminhos extremamente convencionais – e sobretudo ocidentais. Não há problema no filme ser uma coprodução entre a Palestina e diversos países, incluindo-se aí Reino Unido, França e Dinamarca, mas fica nítido que a presença ocidental na produção da obra dita muito o seu tom e abordagem, criando-se uma espécie de “produto de exportação”. Há a presença de atores britânicos veteranos, como Jeremy Irons e Liam Cunningham, mas ainda que apareçam em papéis menores (Cunningham só dá as caras numa única cena), é nítido que seus rostos estão ali para ajudar a vender a obra para o Ocidente, que precisa ser “educado” sobre o conflito aqui narrado.

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Foto: Reprodução


A natureza de “produto de exportação” do longa se reflete em seu tom exageradamente melodramático, que tenta forçar ao máximo possível cenas de impacto, mas que acaba caindo no lugar oposto, da dessensibilização. Os saltos temporais e a montagem se revelam outro problema: na ânsia de cobrir este período, o longa sacrifica muito do nosso envolvimento com os personagens palestinos, como Yusuf (Karim Daoud Anaya), que em questão de segundos já é transformado num membro da resistência contra os britânicos sem que haja um mínimo de desenvolvimento para tal. Aliás, a própria proposta do filme de trabalhar a coletividade árabe em detrimento do indivíduo (como dito pelo personagem de Irons para os próprios palestinos, veja só) acaba se voltando contra ele, visto que nenhum dos núcleos é suficientemente desenvolvido. Para piorar, o longa se ancora demasiadamente em “imagens de arquivos” que parecem ter sido geradas ou tratadas com IA, com um uso excessivo que beira o constrangedor.


Apesar disso, o filme consegue extrair forças de instantes isolados ou de atuações particulares, como Yasmine Al Massri, que no papel de Khuloud tem talvez o arco mais interessante, mostrando também o papel ativo das mulheres nessa resistência. Seu núcleo também desnuda as contradições dentro da própria população palestina, visto que seu marido pertence a uma elite que está mais do que disposta a se vender aos sionistas e britânicos, mostrando como há traidores de classe e de povo em todos os lugares.


No seu saldo final, porém, Palestina 36 se revela um típico filme feito muito mais para agradar e sensibilizar o público estrangeiro à Palestina, ancorando-se em estratégias já batidas do cinema ocidental (as cenas em câmera lenta, as cartelas em tela, os diálogos expositivos, o personagem britânico “do bem” que ganha nossa simpatia) para atrair o interesse desse público. Nesse sentido, parece um primo pobre de RRR, que mesmo com seu relativo apelo ao público ocidental, estava mais do que embebido nos códigos do cinema indiano para construir sua narrativa e estética. Aqui é tudo tão higienizado e derivativo que até se vê uma denúncia potente sendo passada, mas não se tem um filme que possa capturar a riqueza do cinema palestino.


Nota: 2.5/5


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