Jafar Panahi emoldura, mais uma vez, um atemporal zeitgeist com força e graciosidade
Foto: Divulgação
O diretor Jafar Panahi, proibido de deixar o Irã, escolhe filmar seu novo longa de um vilarejo que fica na fronteira do país com a pátria vizinha onde estão acontecendo as gravações de fato do filme. Após perder o sinal de internet e consequentemente perder a comunicação virtual com a equipe de filmagem, o diretor resolve pegar sua câmera fotográfico e fazer alguns registros dos espaços à sua volta e dos moradores locais, porém isso vai implicar em consequências que Panahi não estava contando que acontecesse.
Não há, atualmente, um diretor inserido num contexto político e social tão intrigante e engajado em transpor isso na sua arte como o diretor Jafar Panahi. Acusado de fazer propagando contra o governo islâmico do Irã em seus trabalhos, Panahi foi condenado a 6 anos de prisão em 2010 e de lá pra cá foi proibido de fazer filmes, foi vetado o direito de sair do país e em julho do ano passado (2022) foi preso - após uma greve de fome e campanhas para arrecadação de dinheiro para sua fiança o diretor foi liberado em fevereiro desse ano (2023).
Mesmo nessa situação, o diretor nunca deixou de filmar – das maneiras mais inventivas e discretas possível – e “exportar” suas produções que sempre fizeram bastante sucesso e barulho mundo à fora. Da mesma forma que em Táxi Teerã (2015) e 3 Faces (2018) o premiado cineasta se insere mais uma vez no roteiro de modo a construir uma metalinguagem sutil e afiada que permeiam as decisões e motivações do longa. E é de uma genialidade ver como essa mesma abordagem consegue imprimir 3 filmes completamente diferentes um do outro que se tocam pelo contexto, mas que seguem caminhos opostos narrativamente falando.
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A dualidade do Irã atual com o Irã “tradicional”, o cotidiano da população, os ritos, a estrutura política e social, tudo isso constitui o cinema-pragmatismo de Panahi e em Sem Ursos mais uma vez o falso-documentário-real ganha o artifício criativo de mostrar o diretor nos conflitos de uma filmagem “ilegal” que acontece em outro país. Sempre com a câmera precisa, longos takes fluidos e sem se importar com pequenos erros na linguagem, Panahi faz uma tradução do “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” com menos êxtase que o nosso Cinema Novo, mas nem por isso com mesmo impacto ou senso de urgência.
Ao escolher sair da capital (Teerã) e filmar numa cidade da fronteira do país, o diretor (no filme e no filme do filme) monta um belo cardápio para tratar de limites sociais, limites pessoais e limites geopolíticos, além do mito da caverna aplicado ao lado rural do Irã atual.
A crônica apresenta uma sociedade cheia de medos e cheia de sofismas com uma autenticidade que apenas um diretor-autor consegue. Não sou fã de pensamentos conformistas do estilo “males que vem para o bem”, mas a é admirável ver a engenhosidade com que Jafar usou seus percalços para gerar arte em sua forma mais pura. O diretor que recentemente deixou o Irã depois de 14 anos e está na França – onde mês que vem acontece um dos maiores festivais de cinema do mundo, tudo parece estar se alinhando para um novo capítulo na vida dele que poderá render frutos de novos tipos.
Nota: 5/5
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