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Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Succession (4ª temporada)

A despedida da maior série do nosso tempo.


Foto: Divulgação


“Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” - Léon Tolstoi, “Anna Karenina”

Como se fala de uma série que se transformou no zênite cultural do nosso tempo? Da minha parte, escolho começar esse texto com as palavras de Alison Herman, que em seu artigo para a Variety, intitulado “Goodbye Succession: A Pre-Finale Ode to the Great Show of Our Time, encapsulou perfeitamente o que é Succession: uma série que é uma tragédia porque quebrar o ciclo do abuso familiar sempre foi um sonho impossível; e uma comédia por causa da forma como escolhe ilustrar essa verdade.


Em nenhum lugar isso é tão verdade quanto nessa última temporada. Em uma série marcada pela coexistência paradoxal entre inalteração e mudança, seus últimos 10 episódios levam esses polos ao extremo. O criador da série, Jesse Armstrong, entrega o que de certa forma era esperado e coerente com a lógica interna da obra (e também do mundo real), mas nunca segue o caminho mais fácil.


A primeira prova de que Armstrong e Cia. não estavam para brincadeira veio na forma da morte prematura do patriarca Logan Roy (Brian Cox) já no terceiro episódio, Connor’s Wedding. Como comentei na minha análise deste episódio, é um atestado da ousadia da série de fazer um movimento que todos esperavam tão cedo nesta temporada final. A partir daí, o que se tem é uma sequência inigualável de episódios que, talvez não atinjam o nível de Connor’s Wedding (e isso é mais mérito do status já mítico que esse episódio obteve do que demérito do restante da temporada), mas efetivamente constroem uma reta final que, se eu pudesse resumir em uma única palavra, seria imprevisível.


“Quem sucederá Logan Roy?” foi a pergunta que sempre norteou Succession, e ela não foi respondida até os minutos finais do último episódio, With Open Eyes, com todo o peso que lhe é devido. Mas até chegarmos nela percorremos um caminho labiríntico, marcado por alianças, traições, interesses duplos e a ambiguidade que sempre permeou a série. Diz muito do brilhantismo de Armstrong e os demais roteiristas que a definição do sucessor (ou sucessora) se torna praticamente impossível de prever; e ao mesmo tempo, cada alternativa se mostra igualmente provável. Você pode até não gostar de quem sucede o titânico Logan, mas é preciso muita negação para se recusar a ver o sentido pela escolha do nome em questão.



Foto: Divulgação


Mas bem, parafraseando um personagem de outra série que amo e que se encerrou ontem, Barry: “negação é difícil”. Se há alguma coisa na qual os irmãos Roy são bons é em negar a realidade ao seu redor e suas próprias deficiências. Mesmo quando os EUA explodem ao seu redor (o que chega ao seu ápice no aterrador oitavo episódio, America Decides), eles se recusam a enxergar quem são e o que fazem ao mundo em decorrência dos seus privilégios. Junte-se a isso o luto mal processado pelo pai (e a enorme sombra projetada por este mesmo após sua morte) e vemos esses personagens nos seus momentos mais miseráveis, competindo uns com os outros – e ocasionalmente se lembrando de que amam uns aos outros, como atestam a comovente cena do abraço em Connor’s Wedding ou da “coroação” em With Open Eyes.


Como dar vida a personagens tão disfuncionais e quebrados? Como permitir que o público sinta empatia por eles mesmo quando são os mais perversos possíveis? Para além do toque de classe do roteiro afiadíssimo da série, você tem o elenco de maior qualidade da televisão contemporânea. Tivemos a “Velha Guarda”, o quarteto de veteranos da Waystar interpretados por J. Smith-Cameron, David Rasche, Peter Friedman e Fisher Stevens que estavam sempre por perto como figuras paternas ou como meras baratas que não morrem por nada. Tivemos Alexander Skarsgard como o mais perto de um “vilão” (ou melhor, antagonista) que a série já teve, uma espécie de Elon Musk nórdico intenso e imprevisível que elevou ainda mais a dinâmica da série. Tivemos Alan Ruck como o sempre esquecido irmão mais velho Connor, que teve aqui seus momentos de brilhar, como o devastador monólogo sobre a falta de amor no segundo episódio, Rehearsal. Tivemos Matthew MacFayden e Nicholas Braum como os “Disgusting Brothers” Tom e Greg, o duo que no fundo sempre soubemos que sobreviveria a qualquer custo. Tivemos o gigantesco Brian Cox, que deu a devida dimensão shakespeariana a Logan e se fez presente até quando não estava mais lá.


Mas a temporada – e a série – foi deles: O Incrível Trio dos Irmãos Ferrados. Como Roman Roy, Kieran Culkin sempre deu o desempenho da sua vida, como um sádico pervertido e traumatizado que ainda assim escolhemos amar; entretanto, aqui ele ainda consegue se superar, especialmente na trinca final de episódios que o desconstroem até o vermos em seu ponto mais baixo (seu choro diante do caixão do pai no penúltimo episódio, Church and State, é quiçá o momento mais devastador da série). Sarah Snook é provavelmente a atriz que sabe melhor entregar microexpressões faciais na atualidade, compondo uma Shiv Roy que se vê assombrada pelo medo de se tornar sua mãe enquanto transita entre uma luta antipatriarcal contra seus irmãos e o mais puro egoísmo narcisístico, conforme evidenciado nas suas fenomenais disputas verbais com Tom (e Snook e MacFayden mereciam ganhar um Emmy de Melhor Dupla só por cada momento juntos nessa temporada). E Jeremy Strong, em meio às piadas e críticas ao seu Método de Atuação, entregou o personagem mais complexo e trágico da televisão atual: o herdeiro que jamais esteve à altura dessa herança, e nos faz rir e sofrer pela sua incapacidade em se livrar de cada cicatriz que seu pai lhe deixou e que agora ele estende àqueles à sua volta. Se a tristeza e a alma quebrada tivessem um rosto, seria o de Kendall Roy.


Ao escolher equilibrar-se tenuamente entre uma tragédia shakespeariana e uma comédia mockumentary de erros, Succession sempre demonstrou desde seu início que não escolheria o caminho mais fácil para ser grandiosa. O segredo do seu sucesso estava em, ao direcionar seu olhar crítico e satírico aos 1%, jamais negar sua humanidade, mas também jamais negar sua monstruosidade. Justamente por isso, ela conseguiu sair da sombra do segundo escalão da HBO para se firmar como a obra mais importante não só da emissora, mas talvez da televisão contemporânea. E o vazio que ela agora deixa é um daqueles que jamais poderá ser preenchido, pois sua leitura (a)temporal a tornará sempre distinta e digna do panteão da história da TV.


Adeus, família Roy e agregados. Foi maravilhoso amar e odiar vocês.


Nota: 5/5


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