Resgatando a identidade política de Star Wars numa das melhores séries do ano.
Divulgação: Disney+
“A autoridade é frágil. A opressão é a máscara do medo.”
É decepcionante - e ao mesmo tempo previsível - que Andor não tenha ganhado o mesmo destaque que as outras do universo de Star Wars no Disney+. Seria fácil apontar a má qualidade das séries anteriores, The Book of Boba Fett e Obi-Wan Kenobi, como uma justificativa para o desinteresse do público nesta nova obra, mas diria que o problema vai além e abrange a despolitização que afeta parcela significativa dos fãs da saga, apesar das referências e analogias políticas nada sutis imprimidas desde que Uma Nova Esperança foi lançado em 1977.
Se naquela época George Lucas estava olhando para a Guerra do Vietnã e a Alemanha Nazista para se inspirar na construção do conflito entre a Aliança Rebelde vs. Império, na (injustamente) criticada trilogia prequel ele não escondeu os paralelos com o 11 de setembro e a Guerra ao Terror promovida pelos EUA. Ao assistirmos Andor, vemos que seu criador, Tony Gilroy, dá continuidade a esses processos traçando linhas muito nítidas entre a opressão sistêmica do Império que vemos na série e os avanços da extrema-direita em diversos países pelo mundo nos últimos anos. Quando um personagem diz no episódio 5 que “é mais fácil se esconder atrás de 40 incidentes do que de um único incidente” para descrever as ações imperiais, é inevitável não traçar um paralelo com o que vimos nos últimos 4 anos no governo Bolsonaro, onde éramos tão bombardeados com seus escândalos e perversidades que se tornou fácil depois de um tempo normalizar suas ações.
A falta de intimidade de Tony Gilroy com o universo de Star Wars se mostra uma bênção, pois permite que ele traga apenas o essencial da saga dentro de uma roupagem que nunca vimos antes, ou ao menos não nesse nível. Esqueça jedis, a Força, sabres de luz ou um monte de aventuras centradas apenas na família Skywalker: temos aqui seres humanos ordinários até mesmo quando realizam ações extraordinárias, lutando batalhas com as quais podemos nos relacionar. Se Rogue One (roteirizado e parcialmente dirigido por Gilroy) já adicionava peso às ações dos rebeldes em Uma Nova Esperança, Andor faz o mesmo por aquele filme, conseguindo aplacar quaisquer medos dos que achavam que uma “prequel de uma prequel” era 2x desnecessária.
Ao mergulhar na vida de seu protagonista-título (vivido soberbamente por Diego Luna) anos antes dos eventos de Rogue One, a série consegue trazer um arco de evolução sutil, mas que cresce episódio após episódio, conforme vemos Cassian sair do seu torpor individualista para enfim abraçar o que está destinado a ser: um dos líderes mais notáveis da Rebelião. Não é um arco linear, e a série é ainda melhor quando faz isso: ainda que ele não seja o mais simpático dos protagonistas, sua complexidade é inegável, e Luna abraça cada uma de suas facetas, de modo que sua jornada aqui apenas engrandece o que vimos dele no filme.
Mas Andor não se limita a seu protagonista, e ainda bem por isso. A forma como trabalha e articula seus núcleos (sem medo de inseri-los tardiamente, como é o caso do maravilhoso arco em Narkina-5) é uma demonstração de maturidade e segurança por parte de Gilroy e seu time de roteiristas e diretores. Seria impossível listar todos os nomes que se destacam dentre o elenco, mas além do já referido Luna, não posso deixar de enaltecer os trabalhos de Genevieve O’Reilly (Mon Mothma), Stellan Skarsgard (Luthen Rael), Denise Gough (Dedra Meero), Kyle Soller (Syril Karn), Andy Serkis (Kino Loy) e Fiona Shaw (Maarva Andor), apenas para citar alguns dentre tantos.
Embora haja alguns momentos que remetem ao caráter mais sci-fi e space opera dos filmes de Star Wars, o que temos aqui é uma série com pé no chão e que não tem medo de adotar seu próprio ritmo, sempre pagando seus dividendos nos momentos certos - e nos levando ao êxtase quando esses momentos chegam, como atestam os terceiro, sexto, décimo e último episódios. Ao abraçar essa estética mais realista, é nítido como acompanhamos a história através de cenários que soam reais e imersivos, com o CGI sendo usado apenas quando necessário. Novos e intrigantes mundos se abrem à nossa frente, de cantos desconhecidos da velha conhecida Coruscant até a pobreza industrial de Ferrix, passando pelo planeta a la Blade Runner que abre a série ou as instalações antissépticas do Império. Tudo soa palpável e vivo, mas também decadente e opressivo quando necessário, o que é potencializado pelos elementos técnicos da série. Dentre estes, destaco a brilhante trilha de Nicholas Brittell, que “dessacraliza” os tons épicos e românticos que John Williams compôs para os filmes para trazer algo que é moderno, pulsante, tenso e distinto - tal qual a própria série.
Mesmo com todas as minhas expectativas para Andor, não esperava que elas fossem superadas com tamanha facilidade diante de uma série que se distingue radicalmente de tudo que já vimos antes em Star Wars, mas ao mesmo tempo reforça e resgata alguns dos pilares fundamentais da saga, especialmente no que tange à política. Em sua primeira temporada, Andor não se sagra apenas como uma das melhores séries do ano, mas também como uma das melhores, quiçá a melhor obra audiovisual já vista em Star Wars até hoje.
Nota: 5/5
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