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Crítica | Milton Bituca Nascimento

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 14 de mar.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 17 de mar.

Documentário conta com instantes inspirados, mas não consegue estar à altura de um dos maiores artistas do país.

Divulgação


É meio difícil para mim falar de Milton Nascimento sem sentir um arrepio inevitável pela importância da sua pessoa e sua música em minha vida. Minha tatuagem com a letra de “Nada Será Como Antes” é só uma pequena amostra da minha admiração e veneração pelo artista, sentimentos compartilhados por milhões de pessoas Brasil e mundo afora. Diante de um legado que, sem exagero, pode ser tratado como imensurável, de que maneira é possível dar conta de representá-lo em tela sem sucumbir a tamanho fardo?


Milton Bituca Nascimento me parece a princípio consciente da enorme responsabilidade que carrega, de que as expectativas do público são de que esteja à altura do homem de quem fala. Ao indicar que focará na última turnê de Milton, já parece haver ali uma escolha da diretora Flávia Moraes por um determinado recorte, evitando a tentação de cobrir uma carreira de quase 60 anos e todo o impacto dela no país e no exterior. Mas não tarda para que o documentário ceda a essa tentação, adotando uma série de escolhas que, no saldo geral, resultam numa obra aquém do que uma figura como Milton realmente merece.


É inegavelmente um documentário chapa-branca, preocupado a todo instante em lançar a luz mais positiva possível sobre Bituca, e por isso não se faz de acanhado em exibir talvez a seleção de entrevistados mais invejável que vi nos últimos tempos: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Simone, Criolo, Mano Brown, Djavan, Djamila Ribeiro, Lô Borges, Beto Guedes, Sérgio Mendes, Maria Gadu, Djonga e muitos outros das nossas artes, além de artistas estrangeiros de peso com o qual Milton colaborou ao longo dos anos, como Pat Metheny, Stanley Clarke, Herbie Hancock, Quincy Jones, Wayne Shorter, Spike Lee e mais. Esses são apenas alguns dos nomes que consigo me lembrar agora, pois há tantos que é fácil se perder em meio ao mar de nomes chamado para falar sobre o artista, tudo isso enquanto contamos com a narração de ninguém menos que Fernanda Montenegro.


E talvez aí resida um dos principais problemas do documentário: temos uma super abundância de figuras carimbadas que atestam sobre a genialidade e a importância de Milton, mas quanto ao próprio,  vemos muito menos dele em tela do que seria justo para uma obra que carrega seu nome. Talvez essa decisão parta de preservá-lo em meio à sua fragilidade física, que seria impossível de ser ignorada e até recebe foco em alguns momentos do longa, mas há momentos em que é fácil achar que estamos vendo uma obra sobre alguém que já morreu, dado o tom saudosista ou até mesmo a ausência de Milton em cena. Alguns dos momentos mais pungentes vêm justamente quando a câmera se detém sobre ele, seja acolhendo-o em sua vulnerabilidade ou indicando sua sensibilidade e tantas outras características apontadas pelos entrevistados, como na sequência dos créditos.

Divulgação


Outro problema do longa reside na sua evidente falta de foco, conforme saltamos entre vários blocos temáticos e narrativos sem uma coesão aparente. Em entrevista, Flávia apontou que o filme foi sendo gravado numa dinâmica imprevisível, visto que essa imprevisibilidade marcou a própria turnê (inclusive por conta das questões de saúde de Milton), mas essa montagem mais “solta” e desarticulada acaba minando o impacto de alguns desses blocos, pela maneira como eles são encaixados no contexto geral da obra. É estranho, por exemplo, como a câmera se detém até demais sobre novos nomes da MPB como Zé Ibarra (que acompanhou Milton na turnê), como se querendo puxar uma sardinha para essa nova geração — algo parecido com o que foi feito na série documental da família Gil na Amazon. Isso não quer dizer que individualmente esses blocos não funcionem: por exemplo, aquele em que são trazidos artistas negros para falar da relevância de Milton pela ótica racial parece inicialmente solto, mas se converte num dos mais memoráveis quando temos Criolo e Mano Brown declamando “Morro Velho”.


Embora tenha havido algumas críticas à presença de nomes estrangeiros — como se só estivessem presentes para “validar” o legado de Milton —, vejo neste bloco uma expressão vívida de que o sucesso e a apreciação pelo artista vão muito além do nosso país. No entanto, é inegável que quando o filme (um pouco tardiamente) enfim se volta para o Brasil — e sobretudo para Minas Gerais, eterno lar do coração de Milton —, ele cresce muito mais. Ver sua trajetória em Belo Horizonte ou sua reunião com os amigos do Clube da Esquina no último show da turnê na cidade é ter nestes instantes uma dimensão do poderio de Bituca, tão local, nacional e global ao mesmo tempo.


Milton Bituca Nascimento é carregado de instantes emocionantes, de depoimentos que, por mais chapa-branca que aparentem, também possuem uma profunda honestidade, ao vermos figuras tão célebres quanto Milton em sua reverência pelo homem. No geral, porém, o saldo é de uma obra com nítidas irregularidades, indecisa sobre qual abordagem optar para tratar de alguém como Bituca, e que no fim das contas não dá conta de um artista e homem tão múltiplo, relevante e eterno. 


Nota: 3/5


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