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Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Vidas Passadas

Um romance pós-moderno que examina o quão assombroso pode ser um “e se...?”

Foto: Divulgação


Uma das minhas teorias favoritas do campo científico é o Efeito Borboleta, aquela segundo a qual o bater de asas de uma borboleta poderia provocar um tufão do outro lado do mundo. Claro que estou sendo bem reducionista, mas o que gosto nesta teoria é em como ela me faz pensar que qualquer alteração mínima em ações que realizamos pode gerar um sem-número de realidades diferentes das que vivemos. E se eu tivesse demorado mais alguns segundos para atravessar a rua? E se eu não tivesse dito aquelas palavras a alguém que gosto? E se eu não tivesse me mudado da minha cidade natal e vivido uma vida ao lado do meu amor de infância ao invés da pessoa com quem vivo agora em um outro país?


É esse último “e se..?” que parece assombrar Nora (Greta Lee), a protagonista de Vidas Passadas. Aos 12 anos, ela deixa Seul e o garoto de quem gosta, Hae Sung (Seung Min Yin) para se mudar com a família para Toronto e depois Nova York. Aos 24, ela reencontra Hae Sung (agora vivido por Teo Yoo) pelas redes sociais e os dois reestabelecem o contato e (talvez) o relacionamento, mas as distâncias físicas e as circunstâncias particulares de suas vidas impedem que possam avançar. Aos 36, ele viaja a Nova York para que possam se ver presencialmente pela primeira vez em décadas, ainda que agora ela seja casada com Arthur (John Magaro).


Em sua estreia, a diretora coreana-estadunidense Celine Song usa muito de sua própria vida para construir um longa repleto de detalhes e longos silêncios que dizem muito por si mesmos. Sua câmera ora aposta em planos-detalhes que nos imergem na aproximação de Nora e Hae Sung (como aquele no metrô de suas mãos quase se tocando) ora se afasta deles, como se receasse invadir um espaço tão íntimo, memórias e sentimentos tão poderosos. A delicadeza com a qual Song filma esses personagens (até mesmo quando estão fisicamente separados, como no bloco de 2011/2012) revela um estudo primoroso de suas ações e emoções, como quando progressivamente desloca um dos personagens do plano até isolá-lo por completo, representando o próprio deslocamento que ele sente frente a situação que está vivenciando. Essa delicadeza se reflete na sensível e discreta trilha sonora de Christopher Bear e Daniel Rossen, que virou uma das minhas favoritas do ano passado.

Foto: Divulgação


Essa posição é reforçada pela qualidade impressionante do trio principal. Lee constrói uma personagem que parece irredutível em suas ações, como se cresse que não há “e se..?” e o destino e a vida fossem algo linear – até que vemos aquela última sequência devastadora e entendemos o quanto a personagem carregou ao longo dos anos, mudando tantas vezes a rota de sua vida. Mas são os protagonistas masculinos quem talvez brilhem mais: Teo Yoo entrega uma das atuações mais marcantes de 2023 justamente na postura contida que muitas vezes assume, ou na expressividade (e na dor) de seus olhos. E John Magaro se revela uma grata surpresa, entregado um personagem com o qual facilmente nos identificamos, mesmo que compremos a história e os sentimentos de Nora e Hae Sung. Há uma raiva e melancolia contidas em seus gestos que, no entanto, jamais o colocam na posição de antagonista; afinal de contas, como agir diferente diante da situação que vive junto à mulher que ama e o outro homem que a ama?


Diante das sutilezas que o filme oferece em sua abordagem, é até um pecado que ele se deixe levar em alguns momentos por sua autoconsciência pós-moderna quanto à história que está contando. São instantes em que essa sutileza é deixada de lado para que ele nos ofereça uma espécie de piscadela espertinha, como a cena in medias res que o abre ou o início da longa conversa entre Arthur e Nora onde este reconhece que poderia ser lido como o marido branco vilão da história. A própria decisão de por o casal como um par de escritores e dramaturgos vai nessa linha autoconsciente que acaba minando um pouco do impacto que o filme entrega em seus momentos menores e mais delicados.


Apesar dessas (poucas) decisões equivocadas, Vidas Passadas é uma estreia impressionantemente segura que põe Celine Song no radar como uma nova voz autoral a ser acompanhada. É uma história com a qual é impossível não se conectar, acredite você na inevitabilidade do destino ou no In Yun que nos permite contemplar os rumos diferentes que nossas vidas podem tomar a partir das mínimas decisões.


Nota: 4/5

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