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Análise | "The Pitt" e o retorno às tradições da ficção televisiva

  • Foto do escritor: Aianne Amado
    Aianne Amado
  • 29 de mar.
  • 4 min de leitura

Quem diria que a revolução para o streaming estaria… na televisão?

Divulgação


Quinta-feira passada estava no meio de uma boa conversa com amigos quando, de repente, senti uma agitação me consumindo. Olhei para o relógio e percebi que era hora de ir. Por mais deliciosa que estivesse a conversa (e estava!), precisava encerrar ali, chegar em casa e assistir o novo episódio de The Pitt, que seria lançado nos próximos 20 minutos. Em casa, preparei meu docinho, me aconcheguei no sofá e apertei o play mais esperado da minha semana, que foi seguido por excelentes, estressantes, emocionantes e prazerosos 44 minutos. Ao final destes, aquele vazio desconfortável e o anseio para que os próximos 7 dias passem rápido até o próximo episódio. “Isso que é televisão!”, pensei.


Demorei algumas horas para me dar conta que sim, isso que é e sempre foi televisão! The Pitt, fenômeno “inesperado” (e em breve explicarei essas aspas) da Max, funciona de um jeito que poucas séries atuais tem funcionado. Em tempos de The White Lotus saturando com mais do mesmo, Ruptura voltando após dois anos de vácuo e a terceira temporada de Euphoria virando quase uma lenda urbana, é uma série médica que vem se destacando como melhor ficção televisiva do momento.


The Pitt não é uma série médica qualquer. Ela revoluciona o subgênero ao se distanciar dos moldes “novelão” e balancear perfeitamente o drama com a realidade, sendo elogiada mesmo por médicos plantonistas como a representação de medicina de emergência mais fidedigna da ficção. Vi alguém descrevendo algo como “é o filho de E.R. com a HBO” e acho que é uma descrição adequada (de fato, o protagonista Noah Wyle e os roteiristas Joe Sachs e R  Scott Gemmill também trabalharam em E.R.).


Porém, se no quesito estético ela destoa de suas companheiras temáticas, nos demais aspectos, ela não poderia ser mais semelhante à qualquer série televisiva pré-streamings. E, defendo, é precisamente essa a razão de seu sucesso.


A começar pelo óbvio: The Pitt é lançada em episódios semanais, liberados num horário fixo, o que gera aquele senso de compromisso entre emissora/plataforma e espectador, que não vai querer demorar para assistir e correr o risco de levar spoiler – já que todo mundo estara falando sobre isso no dia seguinte –, mas também pode ter a liberdade de escolher a hora de apertar o play, não perdendo o episódio caso se atrase alguns minutos da hora exata da estreia. É o recurso do streaming usado da melhor forma.


Esse “compromisso” vem sendo chamado lá fora de “appointment TV”, e não é bem uma novidade. Quem não se lembra do mundo parando para dar um play coletivo na última temporada de Game of Thrones? A diferença é que 1) GoT não era um original Max (à época, ainda HBO Max), sendo exibida também na emissora televisiva; e 2) Ao contrário dos seis episódios da temporada final de GoT, The Pitt se estrutura em 15 episódios, se aproximando do formato… da televisão pré-streaming. É evidente que ter o compromisso de parar seis domingos no mesmo horário não se equipara à dedicação de quase quatro meses acompanhando uma mesma narrativa. E mais: quanto mais tempo no ar, mais pessoas falando sobre a série e despertando a curiosidade de outras, que passam a dar a chance para a obra maratonando os episódios já disponíveis e eventualmente entrando na deliciosa espera semanal.


E isso só foi possível porque, também numa clara alusão às séries pré-streaming, priorizou-se o roteiro em detrimento de uma produção exorbitante. A série se passa quase inteiramente numa mesma locação de estúdio e conta com atores não renomados,  diminuindo enormemente os custos de produção, permitindo 15 episódios que certamente não custam uma fração dos nove da última temporada de The Last of Us.

Divulgação


Cabe ao roteiro a sacada brilhante de se apropriar de duas outras características já bem consolidadas da “velha” TV e aperfeiçoá-las: o formato procedimental e o episódio em tempo diegético. Séries procedimentais (procedurals, em inglês) são aquelas em que há uma ênfase técnica (médica, policial, jurídica) na investigação e solução de um problema específico. É o caso de vários e vários clássicos como Grey's Anatomy, House, E.R., CSI, Cold Case, Castle, Bones, Law and Order e Suits. Já o método de narração em tempo real foi popularizado pela série 24 horas, em que cada episódio de uma hora narrava a exata uma hora da vida do protagonista Jack Bauer (com menção honrosa para o episódio The One Where No One’s Ready de Friends). 


Com essa equação, me parece difícil achar que The Pitt tenha sido um sucesso tão “inesperado” assim. Talvez tamanho reconhecimento da crítica especializada e da audiência tenha sido, sim, uma surpresa, mas as coincidências e semelhanças são numerosas demais para não acharmos que se trata de uma aposta calculada. 


Para completar, em uma entrevista recente à Vulture, Casey Bloys, CEO da HBO e da Max, prometeu que a série não apenas terá uma segunda temporada, mas sim múltiplas, lançadas anualmente e parte oficial do calendário da plataforma. Mais televisão que isso, só se aparecer o logo da Max no canto da tela durante todo o episódio.


Com isso, The Pitt soluciona um problema emergente da HBO/Max, que, até então tendo séries de produção megalomaníaca como carros-chefe, enfrenta o problema de alocação de slot. Ora, se uma temporada demora anos para ser feita, é preciso outras várias produções para preencher a lacuna que ela deixa nesse período.


Por mais contraditório que possa parecer, ao voltar à tradição, The Pitt pode revolucionar a ficção televisiva contemporânea. E, convenhamos, nada mais adequado que a solução estar nas mãos de Dr. Robby.


1 Comment


João Gabriel Silva
João Gabriel Silva
Apr 07

poucas séries tem o poder de tirar sua habilidade de pausar ou desligar a TV como essa tem, comecei numa sexta feira e só terminei sábado a tarde. Uma incrível mistura de Greys anatomy, 24 horas e uma pitada de o urso pra gerar aquela ansiedade constante. Espero que ganhe mais atenção da Max pra que tenha a divulgação que merece

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