“Corações Naufragados”: filme sergipano revive tragédia do torpedeamento de navios brasileiros em 1942
- Gabriella Ferreira

- 10 de out.
- 4 min de leitura
Dirigido por Caco Souza, o longa reúne Daniel de Oliveira, Olivia Torres e William Nascimento em uma história de amor e resistência ambientada em Sergipe durante a Segunda Guerra Mundial

O litoral sergipano, cenário de um dos episódios mais dramáticos da Segunda Guerra Mundial no Brasil, ganha vida nas telas de cinema com Corações Naufragados, novo longa-metragem do diretor Caco Souza. Com estreia prevista para 2026, a produção traz no elenco nomes como Daniel de Oliveira, Olivia Torres, William Nascimento, a sergipana Gabi Britto, Wagner Santisteban e Domingos Antonio, além de mais de 40 artistas da terra.
A produção se inspira em fatos reais ocorridos há mais de oito décadas, quando a Segunda Guerra Mundial chegou à costa brasileira. Em agosto de 1942, o submarino alemão U-507 lançou uma série de ataques contra embarcações civis e militares entre Sergipe e Bahia, provocando a morte de mais de 550 pessoas e levando o Brasil a declarar guerra ao Eixo.
Um romance em meio ao caos da guerra
Em Corações Naufragados, Olivia Torres interpreta uma jovem jornalista que desafia as convenções da época ao revelar sua identidade após escrever sob pseudônimo masculino. Ela se envolve com o Capitão Francisco da Silva, vivido por William Nascimento — um oficial sergipano da Marinha e líder clandestino de um movimento antinazista.
Juntos, os dois enfrentam o peso da censura, da repressão política e da tragédia que ceifou centenas de vidas na costa nordestina. Já Daniel de Oliveira dá vida a Walter Baptista, um dos primeiros aviadores brasileiros envolvidos em operações de reconhecimento e resgate após os torpedeamentos.
Em entrevista ao Oxente Pipoca sobre o longa Atena, Caco Souza falou sobre o resgate um momento esquecido da memória coletiva: “Pouca gente sabe que a guerra bateu à nossa porta antes de o Brasil se juntar aos Aliados. Corações Naufragados é um drama histórico e um romance que começa no Rio de Janeiro e desemboca nesse episódio real que mudou o rumo do país. Filmado em locações históricas do estado de Sergipe, o longa não apenas lança luz sobre um capítulo esquecido da participação do Brasil no conflito mundial, mas também reafirma o estado como cenário e polo de produção cinematográfica de relevância nacional. A produção já conta com recursos captados pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA/BRDE) e busca alcançar tanto os circuitos de festivais nacionais e internacionais, plataformas de streaming, ampliando o diálogo entre arte, história e sociedade.
O roteiro do longa é de Cacilda de Jesus, graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe, atua como roteirista, produtora executiva, diretora de produção e atriz, e a produção é da WG Produções. No elenco, Olivia Torres, William Nascimento, Wagner Santisteban, Gabi Britto, Anne Samara, Leonardo Medeiros, Dalton Vigh, Mina Nercessian, Daniel de Oliveira ) e Domingos Antonio.
Quando a guerra chegou a Sergipe

Há mais de 80 anos, no fim da noite de 15 de agosto de 1942, o estado de Sergipe foi palco de um dos momentos mais trágicos da Segunda Guerra Mundial no Brasil. O navio de carga e passageiros Baependi, pertencente à Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, foi torpedeado pelo submarino alemão U-507 a cerca de 37 km da costa sergipana.
O ataque, que resultou na morte de 270 pessoas, causou comoção nacional e levou o governo brasileiro a romper sua neutralidade e declarar guerra à Alemanha e à Itália no final daquele mesmo mês. Nos dias seguintes, mais seis embarcações foram atacadas nas águas de Sergipe e Bahia, elevando o número total de mortos para 551.
A tragédia mudou radicalmente o cotidiano de Aracaju. Os pouco mais de 100 mil habitantes da capital passaram a viver sob blecautes, toques de recolher e ensaios antiaéreos. Soldados patrulhavam o litoral, enquanto destroços, corpos e pertences das vítimas chegavam às praias de Mangue Seco, Abaís, Caueira, Mosqueiro, Aruana e Atalaia.
O impacto e a memória da tragédia

A professora e historiadora Eunice Aparecida Borsetto, da Universidade Tiradentes (Unit), destacou em entrevista para o portal da Universidade em 2021, que os efeitos da guerra foram sentidos muito além do campo militar. Aeronaves do aeroclube local passaram a sobrevoar o litoral de Aracaju, Estância e Itaporanga em busca de sobreviventes e corpos. “Soldados vigiavam as praias, resgatavam feridos e enterravam os mortos. A população revoltada chegou a depredar propriedades de simpatizantes do nazi-fascismo, como os chamados ‘quintas colunas’ e até o convento dos frades alemães de Santo Antônio”, relata Eunice.
Em meio à dor e ao caos, nasceu um dos principais marcos históricos da Segunda Guerra no Brasil: o Cemitério dos Náufragos, localizado na praia de Aruana. Fundado pelo médico Carlos Moraes de Menezes, responsável por socorrer feridos e sepultar vítimas, o espaço foi tombado como patrimônio histórico pelo Decreto nº 2.571/1973. É o único memorial em território nacional que reúne vítimas diretas do conflito mundial. “Estudar essa história é fundamental para que não se perca a memória das famílias sergipanas e para refletirmos sobre os perigos do preconceito, do autoritarismo e do nazi-fascismo, que levaram milhões à morte”, reforça Eunice.




