Crítica | Bailarina
- Vinicius Oliveira
- há 3 dias
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Mesmo perigando ser um John Wick genérico, spin-off oferece o potencial de uma identidade própria enquanto entrega um espetáculo de ação digno da franquia.

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Quando foi lançado em 2014, o primeiro John Wick se destacou sobretudo por dois aspectos: entregar sequências de ação pensadas e dirigidas com um refino que destacava o filme em meio ao marasmo do gênero; e também por retrabalhar a premissa básica de um assassino voltando a ação por vingança, que aqui se dava pela morte do seu cachorro e não de um ente querido. Assim, mesmo trabalhando com um fiapo narrativo (que foi amplificado, mas nunca muito aprofundado nas sequências), o longa nos lembrou que a ação também é uma forma de se contar sua história, e nisso a franquia se destacou brilhantemente ao longo dos quatro filmes.
Bailarina vem, portanto, como uma inevitabilidade: era evidente que o final da história de Wick (Keanu Reeves) no quarto filme não seria o fim da franquia, e ainda que a série Continental tenha sido uma decepção, foi difícil não esperar com curiosidade e ansiedade pelo que seria feito com esta nova personagem, brevemente introduzida em John Wick 3 (o filme se passa entre os eventos deste e do 4). De início, há um certo receio, porque as motivações da protagonista Eve Macarro (Ana de Armas) são muito mais mundanas e genéricas do que as de Wick: ela quer ir atrás da organização que matou seu pai, liderada pelo misterioso Chanceler (Gabriel Byrne), e por isso ingressa neste universo que já conhecemos bem, de assassinos e seus códigos, hotéis como espaços seguros, armas e muitas formas de se matar alguém, tudo embalado num mundo que existe quase à parte do nosso.
Dar a Eve essa motivação tão ordinária é quase um reflexo de que Bailarina se satisfaz em ser uma versão genérica de John Wick, se contentando em replicar seus elementos já conhecidos – a fotografia neon, as sequências de lutas em planos mais longos e sem tantos cortes, a trilha sonora pulsante e eletrônica, etc – mas sem que o diretor Len Wiseman muito da finesse que Chad Stahelski deu à franquia original. Não ajuda que no seu primeiro ato o longa se presta a oferecer uma origem também um tanto genérica à personagem, passando por montagens de treinamento e pinceladas da organização à qual ela se inscreve sem, no entanto, oferecer algum vislumbre muito convincente de como esse mundo funciona. Acaba sendo uma introdução protocolar, mas aqui já se evidencia o aspecto que se tornará o norte do filme: a inexperiência e vulnerabilidade de Eve (se comparada a um veterano como Wick) e como ela passa a usar isso ao seu favor.

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É por isso que, quando o filme abandona essa história de origem e foca na jornada de Eve, primeiramente pela filial do Continental em Praga e depois nos Alpes Suícos, ele eleva consideravelmente de qualidade. Não é coincidência que essa melhoria se dá entrelaçada com a inclusão progressiva de mais sequências de ação, que usam e abusam da criatividade e brutalidade tão definidoras da franquia. Quando o filme se move para a cidade da organização do Chanceler, é como ver Chumbo Grosso ser ambientado no universo de John Wick: todos ao seu redor podem ser seus adversários, e o filme se vale bem dessa estrutura mais gamificada, onde Eve precisa derrubar e matar seus inimigos das maneiras mais incomuns possíveis até chegar no chefão final.
Mesmo que ele acabe por depender da reinserção do personagem de Reeves em um ponto da trama – como se ainda precisássemos da presença dele para amarrar a obra ao universo em que está inserida –, o filme consegue encontrar mérito em aproveitar o porte físico de Eve (e de de Armas), quase nos fazendo subestimá-la até que a vejamos subjugar seus oponentes sem, no entanto, ser invencível. Vê-la lutar usando pratos, tênis de hóquei e um lança-chamas (que já virou minha arma favorita na franquia) é um verdadeiro deleite, e a maneira pela qual a ação desenvolve a personagem mais do que o texto genérico é a mostra de que, no fim das contas, o longa entende exatamente o que fez John Wick funcionar tão bem – basta comparar a postura madura, mesmo ferida, da personagem no final com a garota inexperiente que apanha incontáveis vezes no começo.
No fim, Bailarina pede um pouco de paciência da nossa parte para que o vejamos se desfazer das amarras que o prendem no começo, ganhando confiança à medida que se desenvolve para enfim entregar uma segunda metade muito superior à primeira, confiança essa refletida na crescente qualidade das suas setpieces de ação. Mesmo com esses tropeços e ainda uma certa dependência dos filmes do qual se originou, o longa e encerra demonstrando o potencial de uma maior autonomia em futuras sequências, e mostra que, à sua maneira, pode haver vida para o universo de John Wick sem seu protagonista, e que Eve Macarro/Ana de Armas tem o cacife para levar a franquia ao seu futuro.
Nota: 3.5/5