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Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades

A tênue linha entre a autocrítica e a prepotência

Divulgação: Netflix


“É pretensioso. Desnecessariamente onírico. É onírico para esconder seu texto medíocre. Um somatório de cenas sem sentido. (...) Devia ser metafórico, mas não tem inspiração poética.”


O cinema de Alejandro González Iñarritu passa longe do consenso, sendo seus filmes um costumeiro caso de ame-o ou odeie-o. Sete anos após seus dois Óscares consecutivos por “Birdman” e “O Regresso”, o diretor mexicano retorna com seu filme mais divisivo, e não sem motivo. Do início ao fim, “Bardo” está revestido de uma feroz (e irregular) metalinguagem da qual Iñarritu se apropria não apenas para responder aos seus detratores, mas também para examinar sua identidade e sua dupla vida entre México e EUA.


Assim, se a princípio soa mais uma obra autobiográfica de um diretor renomado, logo se distancia do que fizeram outros nomes como Steven Spielberg, Sam Mendes e James Gray nesse ano. O universo semi autobiográfico de “Bardo” é tingido de um certo realismo mágico e diversas doses de surrealismo, seja com um feto que tenta voltar à barriga da mãe, ou nas encenações da guerra México-EUA e do genocídio de Hernan Cortés em meio à Cidade do México moderna para a qual Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho), protagonista e alter ego do diretor, retorna após anos morando em Los Angeles.


A despeito da narrativa relativamente vaga e solta, o filme abrange dois universos: um macro, onde Iñarritu utiliza a trajetória de Silverio enquanto jornalista e “expatriado” para examinar a história sangrenta de seu país natal, os efeitos da colonização, os processos de migração e identidade racial, as tensas relações entre Norte e Sul globais e a tensão do próprio Iñarritu com seus detratores; e um micro, onde os relacionamentos interpessoais do personagem são abordados e testados, bem como seus conflitos internos e contradições.


Toda vez que o filme aborda esse macrouniverso, é possível vê-lo vacilando - e infelizmente é esse lado da obra que predomina. Há muitas discussões sendo trazidas à mesa, mas elas quase nunca são devidamente trabalhadas, o que é visível em diálogos pretensiosos que ainda assim parecem trazer uma compreensão superficial do próprio Iñarritu sobre o seu país natal. Pior ainda é vê-lo trilhar a linha tênue entre a autocrítica e a prepotência, como se ele não soubesse se deve fazer piada com o que seus críticos lhe acusam de ser ou se absorve essas críticas para melhorar seu cinema.

Divulgação: Netflix


Exemplo disso é o diálogo canhestro que abre essa crítica, dito por um personagem ao criticar um documentário feito por Silverio. Em mãos mais sensíveis e sutis, esse tipo de autocrítica poderia ser melhor diluída na obra, mas Iñarritu é tudo, menos sutil: aqui ele parece mais preocupado em se antecipar às críticas do filme e, ironicamente, acaba descrevendo o que o longa em sua maior parte é.


Apesar da forma como seu ego e suas contradições acabam moldando grande parte da narrativa, os momentos referentes ao microuniverso do filme acabam revelando que, por baixo desse ego, ainda bate um coração. Quando vemos Silverio preso numa versão onírica do talk-show de um velho amigo e seus maiores medos e falhas sendo expostos a um público imaginário, ou a dor do luto pelo filho que morreu logo após nascer, ou as conversas com os pais, é possível ver uma certa ternura e honestidade, de modo que até as incoerências do personagem (e do seu criador) se mostram mais palatáveis, o que é potencializado pela atuação discreta, mas marcante, de Cacho, que tem a difícil tarefa de encarnar a versão fictícia de um homem que passa longe de ser querido.


Infelizmente, são momentos esparsos no decorrer do longa, soterrados por debaixo das muitas escolhas narrativas duvidosas e as estéticas que mostram o quanto Iñarritu tem um controle técnico indiscutivelmente fantástico, mesmo que nem todas elas funcionem (a exemplo da conversa de Silverio com o pai, que é quase estragada por um CGI horrendo). Na fotografia, Darius Khondji tem a difícil tarefa de suceder Emmanuel Lubezki (que ganhou dois de seus três Óscares consecutivos pelos filmes anteriores de Iñarritu), mas a cumpre com louvor, trazendo uma cinematografia por onde superabundam cores e sombras que conseguem nos nortear pelos diversos estados de espírito e mente do protagonista, além de trazer lentes angulares que distorcem e engrandecem os quadros, ampliando a sensação onírica e surrealista da obra.


No fim, “Bardo” é um filme que vive e morre em suas contradições, as quais são sua maior arma e sua maior fraqueza. Fosse um diretor com um pouco mais de humildade, Iñarritu poderia entregar aqui um filme que possuiria o mesmo verniz autobiográfico, mas com maior consciência de seus erros passados e com um escopo mais limitado e controlável. Infelizmente, sua constante autoconsciência de nada adianta aqui, sendo ainda mais prejudicada pela necessidade dele em dar passos maiores que pernas ao tentar misturar a história do seu próprio país com a sua, como se ele fosse a regra e não a exceção. Apesar de grandes momentos aqui e ali, isoladamente eles não podem salvar o quadro geral, e o resultado é uma experiência alienante que mais nos distancia de Iñarritu do que nos aproxima.


Nota: 2/5


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