Crítica | Jovens Amantes (2022)
- Vinicius Oliveira
- há 7 dias
- 3 min de leitura
Valeria Bruna Tedeschi reconstrói suas memórias em semiautobiografia, mas não impede que o filme escape da sombra dos escândalos de seus bastidores.

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Nos primeiros minutos de Jovens Amantes, Stella (Nadia Tereszkiewicz) beija, discute, grita, exibe os seios para seu amante – apenas para que, com um corte de cena, vejamos um grupo de homens e mulheres assistindo à discussão, que na verdade não passa de uma encenação teatral. Ela, assim como diversos jovens nesse momento não-especificado dos anos 1980, concorre ao ingresso numa prestigiada escola de teatro em Paris, dirigida pelo renomado e autoritário Patrice Chéreau (Louis Garrel). É uma cena sintomática de uma obra que nos imerge em experiências supostamente reais, mas que nos coloca numa posição quase passiva perante os incômodos que nos gera, seja intra ou extra diegeticamente.
O filme parte das experiências autobiográficas da diretora Valeria Bruna Tedeschi para acompanhar este núcleo de jovens, que, além de Stella, inclui Étienne (Sofiane Bennacer), Àdele (Clara Bretheau), Victor (Vassili Schneider), Franck (Noham Edje), Anaïs (Léna Garrel) e vários outros. Nos seus melhores momentos, o filme captura o espírito livre, caótico e confuso destes jovens em meio ao tempo em que vivem (com a sombra da AIDS pairando sobre eles), à medida que eles são dirigidos por Chéreau na adaptação de Platonov, peça escrita por Anton Checkov quando ele tinha apenas 17 anos.
Mas como o título em português indica, essa é muito mais uma história de amor e tragédia, entre Stella e Étienne, e é nisso que o filme peca e demonstra suas maiores fragilidades – e também contradições, as quais extrapolam a dimensão fílmica. Em novembro de 2022, o jornal Le Parisien publicou uma matéria onde várias mulheres acusavam Bennacer de abusos sexuais e físicos, o que levou à sua exclusão das premiações às quais o filme concorreu, enquanto vários cinemas cancelaram a exibição do longa. Tedeschi, que à época namorava Bennacer, foi acusada de criar um clima de silêncio no set para que não se falasse sobre os casos, e mais tarde confirmou que, embora tivesse consciência dos boatos em torno do ator, manteve sua escalação mesmo assim.
Não sou simplista ao ponto de dizer que casos como esse demandam um boicote imediato ao filme (mesmo que a França tenha um histórico desfavorável de premiar agressores sexuais mesmo após as revelações dos casos de abuso e assédio), mas é muito difícil dissociar essa dimensão extrafílmica de Jovens Amantes da sua narrativa. Ao ver a performance de Bennacer – que faz de Étienne um personagem degradado, trágico, abusivo e que está sempre a gerar desconforto nas pessoas ao seu redor –, é quase como se Tedeschi quisesse usar as acusações contra seu namorado ao favor do filme, mas quando se tem ciência do que estava acontecendo nos bastidores e no mundo real, tudo o que se tem é uma sensação incômoda de pouca ou nenhuma empatia pelas vítimas, quase como se o filme fizesse piada da situação, como nítido em várias sequências em que os risos dos personagens se contrapõem à brutalidade dos momentos ali vividos, sejam reais ou encenados.

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Não ajuda que o contexto em que esses personagens vivem é de constantes abusos (como o de Chéreau contra outro personagem) “legitimados” em nome da arte, mas que numa realidade pós-Me Too, ganham uma roupagem evasiva e covarde por parte de Tedeschi. Se o intuito da diretora é apresentar um retrato cru deste tipo de ambiente, isso pouco fica evidente: a imagem granulada, os closes nos rostos dos atores, a seleção de músicas pop em momentos específicos, tudo aponta para uma certa estilização saudosista desse momento da sua vida, independentemente do quão é real ou ficcional, quase como se devêssemos naturalizar essas rotinas de abusos como ela fez.
É no carisma e na força do elenco que o filme se sobressai e ganha alguma vida. As interações, camaradagens e tensões entre os jovens, que ganham pelo menos um ou outro momento para brilhar (em especial, Bretheau foi para mim a grande revelação aqui), bem como a presença de veteranos como Garrel e Mischa Lescot, ajudam a trazer vivacidade para o filme mesmo quando este se assume burguês demais. Infelizmente, sua demasiada ênfase num romance cujo fim já sabemos de antemão e a sombra dos seus escândalos – da qual o filme nunca consegue, se é que quer, escapar – prejudicam e muito a possibilidade de nos conectarmos às memórias e experiências de Tedeschi.
Nota: 2.5/5