Crítica | O Urso (4ª temporada)
- Vinicius Oliveira
- 30 de jun.
- 4 min de leitura
Em temporada sobre reconstruções e curas de laços, série permanece fiel a si mesma e ao amor que nutre por seus personagens.

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Teria sido muito cômodo para O Urso permanecer ancorada no caos indutor de ansiedade pelo qual sua primeira temporada se tornou tão conhecida. Mas a série se propôs a ser algo mais a partir da segunda temporada, relegando este caos a momentos específicos enquanto buscava explorar mais e mais as nuances de seus personagens e do seu cotidiano. Nem sempre esse esforço foi tão bem-sucedido (a terceira temporada, mesmo estando bem acima da média que as pessoas lhe dão crédito, ainda tem seus tropeços), mas neste quarto ano O Urso paga seus dividendos ao trazer uma temporada que aposta em reconstruir laços danificados, em oferecer a possibilidade de paz a indivíduos que sequer souberam experimentá-la em suas vidas.
Partindo do suspense que fechou a temporada passada, sobre a crítica culinária que poderia definir o futuro do The Bear, esta quarta temporada busca apresentar mudanças a praticamente todos os personagens, que reavaliam não apenas seus lugares no restaurante, mas em suas vidas como um todo. Seja Carmy (Jeremy Allen White) ponderando sobre sua conduta enquanto chef e os traumas com o qual não quer lidar; Syd (Ayo Edebiri) ainda presa entre a oferta de ir para um novo restaurante ou permanecer lidando com o The Bear, bem como desafios familiares; Richie (Ebon Moss-Bachrach) lidando com o casamento de sua ex-esposa e seu lugar no The Bear; Marcus (Lionel Boyce) e Tina (Lisa Colón-Zayas) buscando se superar em suas habilidades; e muitos outros. Praticamente todos os personagens principais e coadjuvantes estão em um ponto de inflexão que pode definir o restante de suas vidas.
Uma das principais críticas que vejo à O Urso é o pouco avanço da sua trama principal, crítica esta acentuada na última temporada. Mas sempre enxerguei a série como um estudo de personagens (e, mais especificamente, personagens que lutam contra ciclos de abusos e traumas que duram uma vida toda) de modo que, se a narrativa parecia não avançar, era porque esses personagens não conseguiam avançar e superar seus demônios. Esta talvez seja a maior diferença entre a quarta temporada e a terceira, especialmente quando se pega a jornada do próprio Carmy: onde no ano passado víamos o personagem praticamente estagnado em sua vida profissional e pessoal, afundando e levando outros consigo, aqui vemos o início de uma jornada de cura que passa antes de tudo pela comunicação. A maneira como Jeremy Allen White dá pausas, engasga, explode e depois se retrai à medida que expõe sentimentos brutais contra os quais lutou por muito tempo é uma verdadeira aula de atuação, e facilmente relacionável para quem aprendeu a internalizar suas emoções mesmo que ao custo da própria saúde mental.
Da mesma forma, Ayo Edebiri mostra mais uma vez que é uma das maiores da sua geração, com um timing cômico e dramático impecável. O episódio roteirizado por ela e Lionel Boyce (“Worms”) é um dos grandes destaques da temporada, sendo a merecida vitrine que a personagem merece, junto com o seu monólogo devastador que ela entrega no sexto episódio (“Sophie”). Há algo na relação de Syd e Carmy que transcende laços filiais ou mesmo românticos, e quando chegamos ao último episódio podemos ver o quanto essa dinâmica entre os dois evoluiu de um mentor e protegida para dois iguais que se complementam de maneiras que apenas um shipp jamais daria conta.
Poderia falar muito mais de cada personagem, mas a verdade é que, em meio à discussão interminável (e, sinceramente, um bocado estúpida), sobre se O Urso é um drama ou uma comédia, a série permanece fiel a si mesma ao focar e confiar no seu elenco e nos personagens aqui retratados. Seja num episódio como o sétimo – que, sem dar maiores spoilers, é uma espécie de anti-“Fishes”, aquele do jantar da segunda temporada –, em momentos singelos como o anúncio de um chef novato destaque, uma mensagem de áudio para dar força a alguém numa situação difícil, uma neve falsa para agradar a uma cliente que acabou de vencer um câncer, ou na verbalização de sentimentos há muito reprimidos, a série entende que são os laços entre as pessoas, as famílias que formamos (para muito além da nossa família de sangue), que nos sustentam nessa vida mesmo nos piores dias.

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A má repercussão da terceira temporada pode enviesar a maneira como muitos verão essa, mas tem-se aqui uma série que aprendeu com seus erros tanto quanto seus personagens aprendem com os deles. Nem tudo é devidamente superado – há momentos em que ela se rende demais aos seus vícios técnicos e plásticos, um ou outro núcleo parece se repetir e alguns personagens parecem um pouco escanteados –, mas mesmo em suas imperfeições O Urso segue sendo uma primazia da televisão contemporânea. Drama, comédia, drama cômico, comédia dramática: sinceramente, por que se importar tanto com isso? É boa televisão, ancorada em um texto excelente, atuações marcantes, esplendor técnico e uma compreensão e reiteração de seus pontos fortes que fazem desta quarta (e talvez penúltima) temporada outro grande acerto.
Nota: 4.5/5
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