Crítica | O Ensaio (2ª temporada)
- Caio Augusto
- há 5 dias
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Nathan Fielder dobra a aposta e brinca de ser Deus.

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Se na primeira temporada de O Ensaio Nathan Fielder tentou ajudar estranhos a se comportar em situações sociais embaraçosas, como o caso em que ele constrói uma réplica desnecessariamente detalhada de um bar do Brooklyn para ajudar um homem a encenar uma conversa difícil com um amiga, na segunda temporada ele dobra a aposta. Dessa vez ele tem uma fixação por algo um tanto incomum: acidentes de avião. A cena de abertura acaba sendo, sem surpresa, uma reconstituição, desta vez de um desastre da vida real, com atores recitando falas tiradas da caixa preta de um avião. À medida que o avião - na verdade, uma cabine simulada de frente para uma grande tela curva de led - se aproxima do pouso, o co-piloto expressa preocupação de que o avião esteja fora do curso e avisa ao piloto sobre a presença de uma colina baixa perto do aeroporto. Mas o piloto ignora o comando, e em segundos, os alarmes estão tocando e a tela é preenchida com uma nuvem de chamas. E lá, de pé como um anjo indiferente nos portões do inferno, está Nathan Fielder, com semblante sério observando enquanto os atores ficam imóveis em seus assentos, já nos preparando para o que está por vir.
Logo descobrimos que Fielder tem uma obsessão pela segurança da aviação e quer pôr em prática uma espécie de pesquisa independente sobre acidentes de avião, no qual ele conclui que muitos acidentes são causados não por falhas técnicas, mas por má comunicação e constrangimento social entre os pilotos na cabine. Ele teoriza que há uma hierarquização dentro da cabine que acaba intimidando a relação entre piloto e co-piloto, levando a erros catastróficos. Mas Fielder está disposto a mudar isso, e ele tem a brilhante ideia de usar o orçamento de uma série da HBO como desculpa, se propondo a revolucionar o treinamento de pilotos. E nisso ele parte umas para uma sequência de "ensaios" cada vez mais megalomaníacos, a fim de desenvolver uma boa comunicação dentro da cabine. Logo nos deparamos com a construção da réplica de um aeroporto, cockpits, e a criação de uma reality show com pessoas reais que se destina apenas para ajudar os copilotos a aprender a dar críticas.
Mas para além de conseguir provar seu ponto e mudar toda a história da segurança da aviação, Nathan está disposto a olhar para si e expor suas vulnerabilidades para audiência. Do mesmo modo que Deus cria o mundo com ordem, propósito e conhecimento de todas as possibilidades, Nathan cria microcosmos com o mesmo objetivo. Ele deseja prever e controlar tudo, mas descobre que, mesmo com todo esse poder, o comportamento humano escapa ao controle total. Nathan, em sua tentativa de ser um criador perfeito, enfrenta os mesmos dilemas que envolvem a criação do mundo: o caos inevitável da liberdade, a limitação do controle e o reflexo do criador em sua obra. Assim, a série oferece uma reflexão provocativa sobre o que significa criar, controlar e, acima de tudo, conviver com o imprevisto, seja como humano, seja como “deus”.

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É como se Fielder estivesse fazendo na televisão o que nomes como Herzog ou Kiarostami fizeram no cinema. Se em Close-up (1990) Kiarostami reencena um caso real, o julgamento de Hossein Sabzian, um homem que se fez passar pelo diretor Mohsen Makhmalbaf, em O Ensaio temos o indescritível episódio 2x03, em que Nathan se perde dentro da simulação ao tentar encenar a vida de Sully, e começa a reinterpretar também sua própria experiência. Assim como Sabzian se perde (ou se encontra) ao viver como Makhmalbaf, Nathan se perde (ou se revela) ao viver como Sully.
A sensação que fica é de que Nathan Fielder está pilotando um avião com toda a sua audiência a caminho de suas confusões e ambições, expondo seu lado mais vulnerável enquanto pessoa, repleto de sentimentos confusos que não são tão simples de explicar. A ansiedade social já foi visitada várias vezes por um programa de TV, mas nunca antes dessa maneira. Mas aqui, ele parece utilizar os recursos da comédia para mergulhar o espectador na mesma atmosfera de incerteza e ansiedade que ele e seus personagens enfrentam constantemente. A imprevisibilidade da vida, a dificuldade de compreender os outros e a dor da rejeição são os dilemas centrais que O Ensaio aparenta querer resolver, mas o faz de um modo peculiar, intensificando essas sensações em vez de aliviá-las, como se o público fosse mais um cenário montado para abrigar as angústias de Fielder. Mesmo quando a narrativa sugere algum alívio ou resolução, a sensação predominante ainda é de desconforto. O que é estranhamente justificável dentro do cenário que a série se coloca, ou como o próprio Fielder coloca em sua fala final: "Ninguém é permitido no cockpit se houver algo errado com eles. Então, se você está aqui, você deve estar bem."
Nota: 5/5