Crítica | Paraíso (Olhar de Cinema 2025)
- Vinicius Oliveira
- 17 de jun.
- 2 min de leitura
Redundâncias de um cinema-manifesto que mira na denúncia e cai no choque pelo choque.

Na cosmovisão cristã, o paraíso é encarado como o objetivo final, a dimensão a ser alcançada através da nossa vida física e espiritual na terra, pela nossa comunhão com Deus e com o próximo. É o lugar da promessa, como está escrito em Apocalipse 2.7: “Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus”. Mas o que acontece quando a promessa do paraíso é utilizada para transformar a vida do Outro num inferno nesta terra?
Desde seus primeiros minutos, Paraíso intenta mostrar que seu título é tanto ironia como contradição. Como de praxe em vários filmes exibidos neste ano, ele se concentra em imagens de arquivo que denunciam as marcas do colonialismo e da colonialidade do poder na configuração atual do país, especialmente no âmbito familiar. Essas imagens são alternadas com três perfis diferentes que, para a câmera da diretora Ana Rieper, são três manifestações do que hoje confere base ao Brasil: uma família negra formada principalmente por mulheres; uma liderança indígena; e um casal de pastores evangélicos.
Apesar desses recortes de entrevistas, porém, o filme segue um fluxo livre, ancorando-se sobretudo nas imagens de arquivo, que por vezes carregam um caráter irônico, mas sempre contestador. Isso não seria em si um problema, mas para uma obra tão curta, é notório como Paraíso se esgota rápido, com suas imagens caindo numa redundância gritante e que pouco conversam entre si, como se atirassem para todos os lados, num trabalho de montagem que afeta sensivelmente a coesão interna da obra.
Não ajuda que várias dessas imagens se referem à brutalização e violência contra corpos negros e indígenas, bem como de casos de feminicídio. Não são situações inéditas: afinal de contas estamos falando de arquivos. Mas a que elas servem? O intuito é de denúncia, isso é nítido, mas acabam caindo num choque pelo choque, uma espetacularização da violência que acaba esvaindo a proposta do longa. Não sou de achar que só pessoas negras e indígenas devem dirigir obras que se refiram diretamente a si mesmos(as), mas é de se perguntar como uma pessoa não-branca lidaria com esses materiais, como suas sensibilidades e subjetividades poderiam influenciar a um outro direcionamento que Rieper escolhe não adotar e que compromete profundamente o filme.
A impressão final é que Paraíso não fala de nada que não saibamos, e que já não foi dito em outras obras. Até aí tudo bem, afinal de contas o que já não foi dito antes no cinema? O problema é que essas outras obras trataram dessas temáticas de maneira muito melhor articulada (e humana), enquanto aqui temos um documentário “bem-intencionado” e “necessário”, mas que não apenas peca por sua natureza desconjuntada, mas por banalizar a violência que tanto critica.
Nota: 2/5