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Entrevista | Diretor e elenco falam sobre “A Praia do Fim do Mundo”: “Para mim é um filme totalmente atemporal”

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 7 de set.
  • 7 min de leitura

Petrus Cariry, Marcélia Cartaxo e Larissa Góes discutiram o processo de gravação do filme, iniciado ainda durante a pandemia, e suas referências e escolhas estéticas.

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Divulgação


Chegou aos cinemas nesta quinta-feira (4) o longa-metragem cearense A Praia do Fim do Mundo, dirigido por Petrus Cariry e estrelado por Marcélia Cartaxo, Fátima Muniz e Larissa Góes. Na trama, Alice (Muniz) e sua mãe Helena (Cartaxo) vivem numa casa na praia de Ciarema, que corre o risco de ser engolida pelo mar em constante avanço. Enquanto Alice, que é ambientalista, deseja ir embora, sua mãe resiste a abandonar a casa.


O Oxente Pipoca – que já prestigia o filme desde seu lançamento em festivais, em 2022 – teve a oportunidade de entrevistar Petrus, Marcélia e Larissa. Enquanto o diretor comentou das suas influências para a obra e do trabalho de som, tão fundamental à obra, as atrizes discutiram o processo de preparação para suas personagens e a importância do lançamento do filme agora nos cinemas. Você pode acompanhar a entrevista na íntegra abaixo:

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Petrus, eu senti que seu filme tem uma certa influência do cinema do Bergman, principalmente Persona e Sonata de Outono. Foi algo intencional? Me chamou muito a atenção também o uso do som e como ele colabora para esse sentimento de desolação do filme.


Petrus Cariry: Cara, Bergman é sempre uma referência muito forte para mim. Por mais que eu diga que não pensei diretamente no Persona, mas tá ali, de alguma forma nos enquadramentos, nos altos contrastes da fotografia, na coisa psicológica também. E Bergman e Tarkovski, para mim, são os dois maiores diretores do mundo. Tem muita influência da literatura russa, e do cinema russo. Enfim, é um caldeirão de todas essas misturas que eu e o Firmino Holanda, o roteirista, gostamos bastante.


E a coisa do desenho de som do filme, ele foi feito pelo por mim e pelo Érico Paiva, que é um mixador também, e foi feito para ser um outro personagem. Tem um desenho disso muito interessante para criar todo aquele clima de opressão que o que o filme propõe, como essa coisa do mar ser um outro personagem muito forte, estar sempre presente, quase ameaçando ali as personagens.


Toda hora tem essa coisa do mar, dos sons fantasmagóricos pela casa, porque esse filme também tem muito de fantasmagoria também dessas personagens, da própria casa, que não deixa de ser um fantasma também ali, que tá em pé e vai ser destruída a qualquer momento. A personagem da Helena se prende muito a isso, às memórias, ao passado, ao que foi e a um luto eterno, esperando esse marido voltar e que não volta nunca.

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Marcélia e Larissa, queria que vocês falassem um pouco da construção das suas personagens. Citei Sonata de Outono porque pensei bastante na relação da mãe e da filha, mas há vários elementos ali entre essas personagens, como um certo subtexto platônico entre Alice e Elisa. Também fiquei com essa sensação de que a figura da mãe de Marcélia é quase fantasmagórica, etérea, até puxando um pouco da fala do Petrus sobre fantasmagoria.


Marcélia Cartaxo: A gente começou fazendo esse filme na época da pandemia, estávamos começando e aí a pandemia insistiu, então recuamos e um mês depois retornamos de novo, mas já com essa atmosfera no Brasil. Esse clima, esses acontecimentos já levaram a gente um pouco para esse universo, quando chegamos ali naquela casa, a gente começou a ver o mar comendo a casa. E de repente já tava a gente chegando e se preparando para essa criação desses personagens mais intensos, profundos, com os sentimentos destruídos.


Isso aí foi tomando a gente de um jeito que não tinha como recuar, porque a gente estava preso naquele lugar ali, naquela casa, naquele cenário. E são muitas memórias, o que faz o filme ter esse silêncio, esse som do mar que insiste. A gente dava os diálogos, mas aquele som é como se tivesse também embalando esse final, embalando essa destruição a passos lentos.


E foi assim essa construção desse personagem intenso, e foi um presente de Petrus. Porque ele a princípio pensava de fazer um filme colorido, mas começou a ver que o filme era em preto-e-branco, era um filme meio denso mesmo e de águas profundas com relação a nós, a seres humanos, as perdas com relação às memórias. E foi uma construção assim bem interessante, né, Larissa?


Larissa Góes: Nossa, a Marcélia falando é muito bom, porque a memória vai retomando muitas coisas. A gente foi jogado durante esse período, a pandemia estava imposta e tinha de se tomar determinadas formalidades para garantir a nossa segurança, fazendo o teste dia sim e dia não. Essa estranheza do “e agora, o que vai ser do mundo? Como a gente vai fazer?”, retomar com a nossa operação das coisas, isso foi tomando conta e acabou compondo também a história, porque querendo ou não, o período que a gente estava vivendo ali acarretou memórias que a gente trouxe para o corpo e que levou naturalmente para cena.


As relações que se fizeram ali, eu acho que a personagem da Marcélia, a Helena e a minha, a Elisa, elas formam um contraste muito grande. A Helena é essa coisa que finca, que quer ficar ali, que não arreda. A Elisa é essa possibilidade de ir, de partir, de navegar, que nada prende. E a Alice, que é a personagem da Fátima Muniz, é essa figura que tá ali entre essas duas visões de mundo.


Então, eu acho que a as três estão ali emaranhadas, elas acabam se se prendendo e estão dentro desse ambiente, vivendo esses escombros. Ali a gente estava inserida de fato em ações que estavam sendo tomadas pelo mar, que estavam passando por essa ressaca, que estavam sofrendo as consequências desse crime ambiental. Então, eu acho que tudo isso foi trazendo a personagem para o nosso corpo, e fortalecendo as nossas relações entre nós mesmas.


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Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): O filme chegou a circular em alguns festivais entre 2021 e 2022 – colegas meus do Oxente Pipoca tiveram a oportunidade de assisti-lo na época e são apaixonados por ele até hoje, ficaram muito felizes com o fato de enfim ele chegar aos cinemas agora. Para vocês, qual a importância de vê-lo passar numa tela de cinema, em meio a todos os debates sobre cota de tela e o espaço que o cinema brasileiro está tendo a nível global?


Petrus Cariry: Para mim é emocionante, porque é um filme que eu tenho um apreço tão grande assim, talvez seja um dos meus melhores filmes, junto com Mais Pesado é o Céu. Eu gosto muito desse filme, pelo que ele propõe, pela forma que ele foi feito, pela experiência de estar lá com essas pessoas, fazendo o cinema naquele momento específico, que foi lindo. A pandemia foi uma tragédia, mas quando ela chegou ao final, tinha a possibilidade da vacina e, enfim, a coisa começou a clarear um pouquinho, e estava ali filmando e se sentindo vivo.


E demorou muito, assim, eu acho que talvez até da parte da gente aqui da produtora, porque o Mais Pesado é o Céu foi lançado e as coisas foram se atropelando. Enfim, tinha uma coisa de contratual para lançar o filme. Só que eu falei com a distribuidora que a gente tinha que lançar esse filme logo. Mas a grande vantagem que eu vejo dele estar sendo lançado agora é porque para mim é um filme totalmente atemporal. Esse filme pode ser lançado daqui a 10 anos, que eu acho que tá tudo certo, tá entendendo? É uma característica própria assim do filme.


Mas é isso, eu estava doido para lançar esse filme, porque foi um trabalho muito bom. Estavam as três atrizes, está todo mundo tão bem nesse filme que, enfim, para mim é uma felicidade muito grande estar lançando. Estou em estado de êxtase, na verdade. E eu sei que tem muita gente que gosta do filme e me perguntava pelo Instagram: "Quando é que o filme vai ser lançado?”. Muita gente cobrando, pois é. Então você imagina minha alegria de estar lançando esse filme agora.

 

Marcélia Cartaxo: Mas eu acho assim que ele tá sendo lançado no melhor momento. Talvez essa espera não fosse programada, né? Eu até pensava: "Ai, será que Petrus não gostou do filme? Será que não gostou da gente?”. Mas eu acho que ele se colocou no melhor momento do cinema brasileiro, passou por alguns festivais e é um filme diferente. Eu tenho muito carinho por esse filme, porque eu fiquei uma senhora que eu não imaginava que eu ficaria assim, o corpo envelhecido.


Esse filme foi uma suma de muitas coisas boas, que estava para acontecer, e ele está acontecendo nesse momento. E para a gente é um orgulho muito grande ter tido essa experiência com o Petrus, um diretor muito tranquilo, que sabe o tempo da gente, que também sabe o momento de criar e de dizer para gente como é que ele quer contar sua história. E a gente conseguiu ter esse diálogo legal e profundo com ele e também com o roteiro e a história.

 

Larissa Góes: E eu acho que também o filme traz, mesmo que não tão de forma tão escancarada, um ponto de reflexão ambiental, tem uma denúncia que está sendo feita. Então, quando a gente assiste hoje ao filme e olha para o meio ambiente, o que será que mudou? Será que teve alguma mudança? Então, acho que é uma coisa que traz à tona essa reflexão sobre o tempo que a gente está vivendo hoje, o que se encaminhou de lá para cá.


É um filme que trata também de relações, tem mistério, tem o mar e tem essa denúncia ambiental que tá ali dentro da narrativa. Então, hoje assistir ao filme me traz tudo isso de memória do tempo que a gente filmou, de pós-pandemia, meio um momento de transição, essa estranheza total. Mas ao mesmo tempo é esse lugar que continua sendo tomado pelo mar, continua sendo abaixado. Eu acho que o cinema e esse filme tem também essa função social de reflexão e crítica.


Eu gosto muito desse tempo em que se grava e normalmente se espera pelo lançamento. Então, eu estou com uma expectativa muito positiva, porque eu sei que quem está ali envolvido é uma equipe de alta competência. Mas eu ainda não consegui assistir ao filme, porque ele foi exibido em alguns festivais, mas quando ele veio pro Ceará, eu estava no Rio. Ele foi para o Rio, eu estava em São Paulo. Estava sempre em um lugar de desencontro. E eu falei: "Nossa, em algum momento eu vou conseguir ver esse filme". E eu acho que esse é o melhor momento.

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