Entrevista | Jorge Furtado e Yasmin Thayná falam sobre "Virgínia e Adelaide"
- Gabriella Ferreira
- 5 de mai.
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Atualizado: há 5 dias
Em conversa com o Oxente Pipoca, dupla de diretores destacou a importância de contar a história da trama para o público.

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O dia 8 de maio de 2025 marca a estreia nos cinemas de Virgínia e Adelaide, longa que conta a história do encontro entre duas mulheres extraordinárias que transformaram a psicanálise no Brasil. Em um retrato sensível e impactante, o filme narra a trajetória de Adelaide Koch (Sophie Charlotte), uma psicanalista alemã que fugiu da perseguição nazista, e Virgínia Bicudo (Gabriea Correa), a primeira psicanalista brasileira não-médica e uma das primeiras professoras universitárias negras do país.
Dirigido por Jorge Furtado e Yasmin Thayná, o filme explora a relação entre essas duas mulheres que, juntas, desafiaram barreiras e preconceitos, deixando um legado indelével na psicanálise brasileira. Virgínia e Adelaide não apenas reconta suas vidas e carreiras, mas também celebra a amizade que perdurou por mais de 30 anos e os impactos de suas trajetórias no Brasil.
Em entrevista ao Oxente Pipoca, Jorge Furtado e Yasmin Thayná compartilham os bastidores da criação desse projeto cinematográfico, o processo de pesquisa e a parceria que ajudou a moldar a narrativa. Confira a íntegra da conversa abaixo:
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Queria saber primeiro como surgiu a ideia de fazer um filme contando a história dessas duas mulheres, uma história real. Como foi a concepção dessa história para você?
Jorge Furtado: Eu fico pensando às vezes como é que essa ideia de filme não surgiu antes. Como é que nunca ninguém tinha feito um filme sobre a Virgínia? A ideia de juntar ela com a Adelaide foi meio minha, quando eu fui entender como foi que a Virgínia se formou. Porque a Virgínia era uma personagem tão extraordinária, uma mulher tão incrível em tantos sentidos, que parece até óbvio que alguém tinha que fazer um filme sobre ela. Na verdade, acho que deviam fazer mais de um filme sobre ela, ainda tem muita coisa a ser contada. Ela foi muito pioneira em muitos aspectos.
E o que me interessou também foi essa ideia de um encontro entre duas mulheres tão diferentes, com histórias de vida tão distintas, e que mesmo assim conseguiram produzir algo juntas. Primeiro elas foram médica e paciente, depois viraram colegas, amigas para a vida toda, e realizaram muitas coisas juntas. Acho que isso é uma lição importante até para o Brasil de hoje.
A gente vive muito em bolhas, cada um na sua, e essa história mostra que, mesmo vindo de mundos muito diferentes, duas pessoas podem se encontrar e criar algo. Quando a Virgínia diz para a Adelaide: "Vamos ver, por que não eu?", e a Adelaide responde: "Tá, vamos, por que não, né?", nasce algo desse encontro. Isso é muito bonito, acho até como uma fábula.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Queria saber como foi esse encontro entre vocês dois — a junção de experiências, com você já sendo um diretor com vários filmes no currículo, e a Yasmin, que está começando agora, mas já com um olhar super afiado para questões raciais. Como rolou essa parceria?
Yasmin Thayná: Eu sabia quem era a Virgínia Leone Bicudo por conta da tese da professora Janaína Damasceno, Segredos de Virgínia. Mas eu descobri de fato essa personagem, essa história, né, essa pessoa, por meio da pesquisa do Jorge — por essa dramaturgia que ele construiu e que ainda está em processo, porque ele continua pesquisando, continua buscando mais sobre a história das duas.
Então acho que, nessa parceria com o Jorge, eu pude aprender muito, principalmente em relação ao diálogo, a filmes que são muito falados — como é que você dirige e torna suportável, mesmo prazerosa, uma cena longa entre duas pessoas que estão só conversando, falando coisas densas. Isso é uma arte muito grande, né? Manter o interesse da audiência numa cena assim, longa, com duas pessoas sentadas falando, e ainda assim criar movimento a partir da fala. E eu pude aprender muito com ele sobre isso.
E, por último, acho que teve também essa troca no lugar do humor. O Jorge é uma pessoa muito experiente, um cineasta que tem o humor como uma marca nos trabalhos dele. E uma das minhas contribuições como diretora foi trazer esse olhar para o humor na intelectualidade — especialmente na intelectualidade de mulheres, e mais ainda de mulheres negras.
É algo que eu reconheço em muitas mulheres com quem eu convivo, como Sueli Carneiro, Conceição Evaristo... Mulheres que eu conheço pessoalmente e que têm um humor na fala, não necessariamente para ser engraçado, mas como uma estratégia de vida, como forma de articulação do pensamento. E a Virgínia era uma dessas pessoas. Então acho que isso, de alguma forma, também está ali presente nessa personagem.

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Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Como vocês equilibraram a construção de um fato histórico com a liberdade criativa, especialmente nos diálogos e na criação das personagens? Imagino que tenha sido um desafio lidar com esse peso de representar figuras reais, ainda mais quando se trata de personagens históricas tão marcantes.
Jorge Furtado: Pois é... é um desafio e tem uma certa ousadia que eu acho que é fundamental pra quem cria. Um certo desrespeito, sabe? Eu me lembro de uma exposição em homenagem ao Guernica, que tava fazendo não sei quantos anos do quadro. E vários cartunistas fizeram leitura, e o Jaguar fez a mais divertida de todas, que era um apartamento embaixo, assim, alguém batendo com a vassoura, como se o Guernica fosse um apartamento de cima, uma festa assim, né? Era muito engraçada, muito divertida a leitura dele.
E ele disse assim: “Ah, eu tratei Guernica com o maior desrespeito possível”. Às vezes, tu tem que desrespeitar um pouco quem tu idolatra, quem tu diz assim: “Pô, que mulher incrível, que mulher fantástica essa... a Virgínia”. O que que ela vai falar? Ela vai falar sobre quanto ela tem que pagar na sessão: se é 30, se é 10, se é 5, se vai ser no dia 4 ou no dia 3. Ela é um ser humano, ela tá cheia de necessidades, assim... “ó, pode ser no dia 7, mas eu recebo do estado dia 10”.
E a Gabriela vai para dentro das atrizes, faz aquilo com talento, dizendo assim: “Eu posso pagar dia 7. Dia 7 até seria melhor”. Tu vê que o dinheiro faz diferença pra ela.
Então, humanizar o personagem, mesmo que ele seja extraordinário... quem ensinou isso foi Shakespeare. Ele fazia isso, foi o primeiro a fazer. O príncipe cansado, o príncipe exausto, que tem uma meia furada.
Então a gente, ao humanizar os nossos heróis, nossos ídolos, a gente socializa eles, distribui eles. As pessoas se identificam: “Eu também sou assim. Eu também tô contando o dia pra pagar minha conta. Eu recebo dia tal, eu só posso pagar dois ou três dias depois”. Eu entendo o que ela tá passando.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Como vocês esperam que o filme reverbere no público que vai poder assisti-lo nos cinemas em breve?
Jorge Furtado: Eu espero três Oscars…[risos] Tô brincando! Mas, assim, eu espero o máximo possível. Espero que as pessoas gostem, que falem, que vejam, que comentem e que fiquem curiosas para descobrir mais sobre essas pessoas.
Pra mim, é muito legal quando o nosso filme não depende só da gente para ser exibido, sabe? Quando as pessoas viram exibidoras, se tornam multiplicadoras do filme. E bom... eu acho que isso pode acontecer não só pelo nosso trabalho, que foi mesmo um trabalho muito bom, coletivo, de grupo, mas também por essa história — que eu acho que realmente merece.
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