Entrevista | Marcelo Gomes fala sobre “Criaturas da Mente”, seu novo documentário
- Vinicius Oliveira
- 5 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de mai.
Em entrevista ao Oxente Pipoca, o diretor falou da importância dos saberes ancestrais e da defesa pelo cinema e pela ciência no período pós-pandemia.

Divulgação
Estreia nesta quinta (8) o documentário Criaturas da Mente, dirigido por Marcelo Gomes. O filme, que teve sua première nacional no 57º Festival de Brasília, acompanha a jornada do neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro para melhor entender o universo dos sonhos e do inconsciente a partir da relação do conhecimento científico e dos saberes ancestrais de povos originários e de culturas afrodescendentes, transcendendo o tradicional eurocentrismo da academia.
O Oxente Pipoca teve a oportunidade de entrevistar Marcelo para falar mais a respeito das temáticas do filme e de como ele se situa no período pós-pandêmico, após tantos ataques feitos ao cinema e à ciência. Você pode conferir a entrevista na íntegra abaixo:
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): O filme traz, através do trabalho do Sidarta, uma perspectiva sobre a ciência que foge um pouco daquela lógica mais eurocêntrica e ocidental que a gente está acostumado. De que forma esses saberes podem ser mais agregados à ciência e como falar deles sem adotar um tom paternalista ou até mesmo preconceituoso, considerando a nossa própria mentalidade ocidental?
Marcelo Gomes: Vou falar um pouco da gênese do processo. Eu e a Letícia Simões [co-roteirista do filme] estávamos conversando sobre isso na época da pandemia, porque foi um momento que a gente estava muito pensando em nós mesmos, no nosso interior. Tinha muita gente que tinha pesadelos, que sonhava demais, que não conseguia dormir, que dormia demais. Tinha uma alteração no sono e no sonhar, e em mim também aconteceu isso.
Então no primeiro momento a gente procurar o Sidarta, já conhecíamos o trabalho dele. Então, o filme começou daí, dessa curiosidade de investigar o sonhar, e a gente viu que o Sidarta era uma pessoa aberta à cultura brasileira, é um cientista de alma brasileira. Ele joga capoeira, tem um altar dentro de casa, é um cientista curioso com esse pensamento ancestral da cultura brasileira, das raízes indígenas e africanas que nossa cultura tem, que é um legado imenso, tão grande que a gente não consciência do tamanho desse legado.
A gente falou: "Vamos falar do sonho, vamos falar do transe, vamos falar da psicanálise, mas vamos incorporar todos os saberes". Incorporar todos os saberes para eles construírem um diálogo. E cada um tem seu ponto de vista. Não dizer que o pensamento científico ocidental é melhor, ou que esse outro pensamento é melhor; não, colocar todos eles em diálogo. Porque eu acho que tem uma coisa que é fundamental: a gente está pensando em aldear e aquilombar esse país, repensar essa nação. Então quando a gente faz um trabalho como esse tem que colocar esse saber ancestral, que está dentro da nossa cultura, que é muito rico e é fundamental para a nossa formação.
E a partir daí a gente foi procurar Mãe Beth de Oxum, Ailton Krenak, Mãe Lu, etc. para eles falarem e refletirem sobre esse conhecimento. E é maravilhoso ver como essas pontes existiam, quando Mãe Beth fala: “tem gente dentro da gente”, é a mesma coisa que o Sidarta estava dizendo em outras palavras. Isso é fantástico, esses dois saberes de pontos de vistas diferentes. E o Sidarta tem espaço para escutar esses saberes e ter a sensibilidade e a curiosidade para investigá-los.

Divulgação
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Você destacou em outras falas suas sobre como tanto o cinema quanto a ciência foram duramente atacados no governo Bolsonaro. De que modo “Criaturas da Mente” ilustra o poder desses dois campos, e o que precisa ser feito para preservá-los e protegê-los de novos ataques?
Marcelo Gomes: É muito curioso porque esse filme começou no final da pandemia, ainda estávamos naquele governo fascista. Então tinha uma parte do nosso documentário que mostrava o primeiro turno da eleição, a perseguição que o Sidarta sofria, como membro da SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], a ciência sendo perseguida. E aí veio o segundo turno, e depois dele, do fim daquele governo e início de outro, a gente abandonou toda aquela parte do documentário que tratava disso.
A gente queria falar de esperança. Esse é o nosso desejo, e falando de cinema e ciência, é sobre como o sonho pode ser um caminho para a gente construir uma nova nação, pensar em esperança e utopia. Ciência é muito importante porque traz o conhecimento, e o cinema é como se fosse um espelho dentro de casa. Se você não tem esse espelho para se enxergar, você não sabe quem você é direito, você perde até a sua identidade enquanto ser humano.
Então eu acho que esse filme, antes de mais nada, quer dizer que a ciência e o cinema resistiram, estão aí mais vivos do que nunca e as pessoas que perseguiram o cinema e a ciência logo estarão na cadeia. E nada de anistia para elas!
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Por fim, nós do Oxente Pipoca sempre pedimos de nossos entrevistados indicações de obras nacionais que achem que o público deve assistir. Quais vocês indicariam?
Marcelo Gomes: Eu quero indicar para o público que acesse o streaming e vá assistir Ainda Estou Aqui. Acho que é um filme que tem que tem algo histórico que aconteceu ali, porque é o fim de um governo fascista que queria apagar esse nosso passado. Esse filme vem restaurar exatamente essa memória que aquele governo anterior queria apagar. Eu acho que é fundamental a gente ter memória, é fundamental a gente preservar essa nossa memória e é fundamental rever esses acontecimentos da história recente para entender melhor o Brasil que a gente vive. Acho que Ainda Estou Aqui deveria ser assistido por quem ainda não assistiu.