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Entrevista | Milena Times e Mayara Santos falam sobre "Ainda Não É Amanhã", filme que retrata a maternidade e suas infinitas possibilidades

  • Foto do escritor: Gabriella Ferreira
    Gabriella Ferreira
  • 11 de jun.
  • 9 min de leitura

Diretora e atriz protagonista conversaram sobre a construção do filme, gravar no Nordeste e sobre tratar a questão do aborto no Brasil em tela.

Divulgação


O longa-metragem Ainda Não É Amanhã, dirigido pela pernambucana Milena Times e protagonizado por Mayara Santos, estreou recentemente nos cinemas trazendo uma narrativa sensível e necessária sobre o direito ao aborto no Brasil. Com uma trajetória de desenvolvimento de seis anos, o filme acompanha a história de Janaína, uma jovem de 18 anos de Recife que enfrenta uma gravidez inesperada em um país onde o aborto é permitido apenas em casos muito restritos.


A produção retrata com fidelidade a busca de Janaína por um aborto seguro, sigiloso e acessível, mostrando não apenas os desafios pessoais e sociais que ela enfrenta, mas também a desigualdade de acesso a esse direito no Brasil. Entre as dificuldades e os silêncios impostos pelo estigma e pela criminalização, o filme também destaca a força das redes femininas de apoio, fundamentais para a jornada da protagonista.


Nesta entrevista com o Oxente Pipoca, Milena Times, diretora e idealizadora do projeto, e Mayara Santos, atriz que dá vida à Janaína, conversam sobre a construção do filme, a importância da temática e a experiência de trazer à tela uma história tão urgente e representativa.


Gravado em Recife (PE) e com uma produção quase interinamente nordestina, Ainda Não É Amanhã dialoga com uma realidade quase universal dentro do contexto brasileiro. “Acho que esse também era um dos desejos do filme: ter uma representação que fosse muito próxima da nossa realidade, mas que também dialogasse para fora. Que pessoas de vários outros lugares pudessem se identificar com muita força, porque, no fundo, a gente compartilha de muitas coisas também”, como contou Milena. 


Confira a íntegra da conversa abaixo:


Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Primeiramente, queria parabenizar vocês pelo trabalho e dizer que gostei bastante do filme como um todo. Isso me fez lembrar de outro filme com uma temática parecida que assisti no ano passado, o Levante, que inclusive foi um dos meus favoritos daquele ano. É muito legal ver esse assunto se tornando mais recorrente no cinema, com diferentes obras abordando o tema sob diversas perspectivas. Milena, queria te perguntar: como surgiu essa história para você? De onde veio a ideia inicial e como ela evoluiu até se tornar um longa-metragem? Durante os créditos, vi que o projeto ganhou um prêmio em um laboratório de roteiro. Você pode contar um pouco mais sobre essa etapa do processo?


Milena Times: O filme surge um pouco do desejo de falar desse universo, dessa família formada por três gerações de mulheres, que é uma configuração muito frequente que a gente tem no Brasil. Em alguma medida, ainda é muito comum essa realidade da gravidez precoce, né? São mulheres que se tornam mães muito cedo e que acabam contando com as próprias mães como suporte para cuidar dos seus filhos. Então eu queria, de alguma forma, explorar esse universo e esse ambiente dessas mulheres, e como esses papéis encontram também interseções, como o papel de mãe e avó se confunde também com o de filha, de neta, e até de mãe e filha que, às vezes, estão mais próximas de uma relação de irmãs do que necessariamente de mãe e filha.


Isso tudo me interessava muito, e aí eu percebi que, na verdade, talvez o grande tema do filme fosse a maternidade, mas pensada em diversas possibilidades, em torno da maternidade ou de versões dessa maternidade. A gente tem, de alguma forma, um ciclo que se repete na história das três, porque todas engravidam muito cedo. Mas eu quis, talvez, jogar um pouco com essa ideia da quebra desse ciclo, trazendo para essa geração mais nova uma possibilidade de escolha, que talvez nem tivesse passado pela cabeça das gerações anteriores. Que a gente pudesse enxergar a maternidade não como um destino inexorável, mas como uma escolha, um desejo, algo que toda pessoa que embarca nessa missão deveria ter respeitado.


Acho que o nosso ponto de partida foi mais ou menos esse. Depois, a gente se debruçou sobre uma intensa pesquisa e uma dedicação muito grande ao desenvolvimento do roteiro do filme, foram seis anos até a filmagem. Então, eu acabei mergulhando de forma muito profunda nessa temática da maternidade e do aborto. E isso foi atravessando todo o desenvolvimento do projeto, que foi ganhando outras camadas, outras complexidades, até finalmente chegar nessa versão que a gente filmou  e que agora está sendo lançada.


Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Mayara, você ganhou um prêmio no Festival do Rio pela sua atuação como a Janaína, e eu queria saber: como essa personagem chegou até você? E como foi para você viver uma personagem tão complexa, cheia de nuances, mas que ao mesmo tempo exige uma atuação muito contida? Ao longo do filme, há vários momentos em que a Janaína praticamente não fala, e mesmo assim a gente entende exatamente o que ela está sentindo só pelo olhar, pelos gestos, pelas sutilezas da interpretação. Você pode contar um pouco sobre esse processo e como foi construir essa personagem dessa forma?


Mayara Santos: Então, essa personagem chegou para mim de forma super inesperada. Vou contar um pouquinho da história. A Bruninha Leite, que é uma produtora de elenco lá de Recife, me mandou uma mensagem no Instagram perguntando: “Você teria sua agenda livre de tal a tal período? Estamos fazendo um teste de elenco para um longa.” Só que a mensagem foi parar naquela caixinha de solicitações do Instagram, sabe? Quando eu vi, achei super que era fake. Porque, naquela época, tinham muitos golpes rolando, então eu pensei: “Isso é um fake, com certeza.”


Deixei lá. Depois, fiquei com aquilo na cabeça e pensei: “Rapaz, vou stalkear essa mulher.” A foto dela era um desenho, nem era uma pessoa mesmo, e ela tinha pouquíssimas fotos no perfil. Aí fui fuçar e pensei: “Acho que é uma pessoa de verdade mesmo.” Falei com um amigo meu de Pernambuco, o Jason, que é ator, e perguntei: “Amigo, você me indicou para algum filme?” E ele só mandou uma luazinha de resposta, aí eu pensei: “Foi ele que me indicou, com certeza.”


Aí respondi a mensagem, mesmo sem conhecer ninguém. Marcamos um teste em João Pessoa, foi a primeira etapa. Eu não lembro o bairro, mas lembro que fui de Uber, estava chovendo muito, um caos. Quando cheguei lá, encontrei a Milena, que era a diretora, e eu nem conhecia. Era só ela, uma câmera e uma cadeira. Eu: “Oi.” Lembro até hoje que ela me olhou da cabeça aos pés (risos). E o teste foi com a Jamila, uma atriz lá de João Pessoa que eu super admiro. Quando vi que ela estava lá, pensei: “Se a Jamila tá aqui, então é confiável.”


Fizemos esse primeiro teste, e eu me senti super em casa. Testes sempre são bons pra mim, porque eu me jogo mesmo, fico muito tranquila. Depois, fui convidada pra ir a Recife pela primeira vez — nunca tinha ido, nem viajado sozinha. Foi minha primeira viagem sozinha. Tinha acabado de completar 19 anos. Fui fazer a segunda etapa do teste, e foi lá que conheci a Clau Barros, que faz minha mãe no filme, e a Babi, que faz a Kelly, a melhor amiga da personagem. Nós três demos match total, foi um encontro mesmo.


A partir daí começou minha jornada com a Janaína, que até então nem se chamava Janaína. Tivemos um processo de preparação muito cuidadoso e íntimo, com a Amanda Gabriel, nossa preparadora. Fizemos essa preparação na casa dela. Eu tranquei a faculdade, fui pra Recife e passei três meses lá. Isso me ajudou muito, porque eu vivia pro filme. Pude me dedicar completamente à construção da personagem.


A Milena participou de todo o processo de preparação. Foram cinco semanas intensas. Foi uma construção feita com muito cuidado, muita pesquisa. A Milena trouxe dados, números, que foram essenciais pra dar materialidade à personagem. Porque, por mais que a Janaína seja uma narrativa íntima, de uma menina, naquele bairro, naquela família, naquela classe social específica, ela retrata a história de muitas mulheres.


Acho que eu trago muito da subjetividade na minha forma de atuar, então foi algo muito maturado. Era o meu primeiro longa-metragem, até então, eu só tinha feito curtas, e poucas experiências. A Amanda e a Milena tiveram esse cuidado de fazer com que o filme ficasse internalizado em mim, de forma que eu fui pro set muito cheia de coisas, com esses estados muito bem trabalhados internamente. E claro, na hora do set, muita coisa também acontece, o próprio caos maravilhoso do set colabora com a construção, e é isso que fica registrado.


Acho que o cuidado da produção e da Milena não foi só na construção da personagem, mas na forma como o filme inteiro foi feito. Tudo era muito bem pensado, muito bem conversado. Eu estive presente nas decisões de figurino, por exemplo. A gente visitou antes a locação, o apartamento da Janaína, o bairro, inclusive, escolhemos juntos qual seria o melhor lugar. Estar nesses processos, nessas decisões, foi o que fez com que a gente ficasse cada vez mais dentro da história dessa menina. Acho que tudo isso colaborou de forma muito positiva pra minha construção da personagem.



Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Uma coisa que me chamou a atenção logo que vi o filme foi o fato de ele se passar no Nordeste, mais especificamente na periferia de Recife. A gente sabe o quanto é desafiador filmar um longa-metragem nessa região, então queria saber de vocês: qual é a importância de contar essa história a partir desse território? Como foi para você, Milena, dirigir um filme no Nordeste, e para você, Mayara, atuar nesse contexto tão específico?


Milena Times: Acho que a gente ainda enfrenta muitos desafios para captar recursos e filmar cinema independente. E isso não só no Nordeste. Talvez, no contexto pernambucano, a gente até tenha um pouco mais de oportunidades de editais em comparação com outros estados. Então, às vezes, nem dá para reclamar tanto, mas continua sendo um desafio muito grande.


Eu sou de Recife, nascida e criada, e acho que a cidade, aquele espaço, aquela forma de ser, me atravessa muito. E é interessante perceber que a cidade, no filme, está sempre como um pano de fundo. Ela não chega a ser um personagem que está ali em primeiro plano. Mas, em alguma medida, o filme é extremamente incisivo. Ele realmente respira uma energia local.


Mas eu gosto muito de pensar que, na nossa construção, a gente estabeleceu um diálogo muito grande com qualquer outra periferia, de qualquer outra cidade, não só do Brasil. O filme traz aquilo que a gente tem de particular, mas também aquilo que a gente tem de universal. Porque esse perfil de família, esse contexto, essa personagem, se espelham em muitas outras localidades.


E tudo isso sem abrir mão das características que são muito nossas. Acho que esse também era um dos desejos do filme: ter uma representação que fosse muito próxima da nossa realidade, mas que também dialogasse para fora. Que pessoas de vários outros lugares pudessem se identificar com muita força, porque, no fundo, a gente compartilha de muitas coisas também.

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Mayara Santos: É interessante pensar nisso, porque o filme é feito, em sua maioria, por pessoas pernambucanas, né? E eu sou paraibana. Então, no primeiro momento em que tive contato com o projeto, por mais que seja tudo muito próximo, a energia do recifense, do pernambucano, é uma coisa muito específica. E eu fiquei com a sensação de: essa menina é dali, se passa ali, ela é de lá.


Então, para mim, teve esse desejo muito forte de me aproximar dessa energia. E foi muito massa, porque, além das salas de ensaio, onde a gente estava construindo as relações, eu procurei também viver a cidade. Pedi para o pessoal me levar para os rolês de Recife, viver a cidade mesmo, a noite de Recife, os bregas, o pagode.


Acho que tudo isso foi parte do meu processo de me propor a essas vivências para me aproximar dessa efervescência, desse calor que o filme precisava, e que precisava estar em mim também. Então fui me apropriando disso de forma benéfica, em prol da personagem, mas claro, sem anular o que eu também trago comigo.


Particularmente, eu amo filmar aqui. É bom demais filmar na nossa terra. A gente passa por muitas dificuldades, sim, especialmente quando se fala de cinema nacional — e mais ainda quando se trata de cinema nordestino. Essa dificuldade é real, tem outras camadas envolvidas. E, embora eu não queira romantizar, acho que essas dificuldades fazem com que a gente precise tomar decisões criativas, pensar em estratégias muito próprias.


Claro que em cada lugar as pessoas pensam estratégias específicas para aquele contexto, mas aqui a gente faz isso não só pela falta de recursos, mas também por um jeito nosso de enxergar as coisas. Para mim, foi uma experiência riquíssima, porque além de trabalhar, eu pude conhecer uma cultura nova. E por mais que eu pensasse “ah, Recife é logo ali, não tem tanta diferença”, tem sim. Tem muita coisa diferente.


Eu conheci pessoas novas, fiz amigos recifenses que levo comigo até hoje. Eu amo isso. Acho que tudo isso me alimentou muito e ainda me alimenta. Então, para mim, foi uma experiência a mais, muito rica.


Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Aqui no Oxente Pipoca, a gente sempre faz uma pergunta obrigatória pra todo mundo que passa por aqui: qual é aquele filme brasileiro que marcou vocês de forma especial — seja como artistas ou como espectadores — e que vocês gostariam de indicar pra quem está ouvindo a gente agora?


Milena Times: Eu vou aproveitar que a gente tá em BH dando essa entrevista, e acho que eu escolheria filmes da Filmes de Plástico. Talvez Temporada, do André Novais, e Marte Um, do Gabriel Martins. São filmes que eu amo e que eu acho que são muito mineiros e, ao mesmo tempo, muito brasileiros. Eles dialogam muito com a nossa realidade e têm uma construção de cinema que eu considero riquíssima.


Mayara Santos: Esses dias eu tô assistindo muito filmes que parecem quase documentários. Então, recentemente, eu revi Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. E Lispectorante, que ainda está em cartaz, tem a nossa Marcélia Cartaxo, que inclusive também está sendo distribuído pela Embaúba. Marcélia Cartaxo é um acontecimento em cena. Então, são dois filmes que eu indicaria. 


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