Entrevista | Daniella Dantas e Isadora Carneiro falam como o curta-documental NILO transforma a dor em poesia
- Gabriella Ferreira
- 2 de jun.
- 15 min de leitura
Selecionado para festivais na França e no Canadá, curta dá visibilidade à perda gestacional e à potência da memória.

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Transformar a dor em poesia. É assim que Daniella Dantas e Flávio Donasci definem o processo que culminou na criação de NILO, curta-metragem documental que retrata a chegada-despedida de seu filho, ainda durante a gestação, em meio à pandemia. A obra, dirigida por Isadora Carneiro, vem emocionando plateias mundo afora e foi recentemente selecionada para dois dos mais importantes festivais internacionais de documentários: o Cinélatino - Encontres de Toulouse, na França, e o Hot Docs, no Canadá.
Nesta entrevista para o Oxente Pipoca, Daniella e Isadora compartilham, com generosidade e profundidade, os bastidores desse processo íntimo e transformador. Falam sobre o desafio de dar visibilidade a uma experiência muitas vezes silenciada — a perda gestacional —, sobre a escolha de expor imagens tão delicadas e sobre como o cinema pode ser um espaço de acolhimento, reflexão e escuta.
A conversa passa também pela potente recepção do filme nos festivais internacionais, pelo impacto sobre quem o assiste e pelas obras que inspiraram e dialogam com NILO, reafirmando a importância de se falar abertamente sobre o luto, a maternidade e o direito das mulheres sobre seus corpos e suas escolhas. Confira a íntegra da entrevista abaixo:
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Primeiro, eu queria entender como esse registro acabou se transformando em um curta. Como foi esse processo para vocês? Ele começou como uma documentação, né? E como é que isso acabou virando um curta especificamente? Queria saber mesmo como foi esse percurso.
Daniella Dantas: Quando eu tive o diagnóstico do Nilo, junto com o pai dele, o Flávio, a gente conversou com uma grande amiga nossa, que é pediatra, e ela falou da importância de a gente registrar o parto com fotos, né? E hoje em dia tem muito isso também, de fotógrafas de parto registrarem pra depois fazer essa memória pras famílias.
E essa amiga, na ocasião, me falou: 'Olha, é o único momento que vocês vão ter com o Nilo fora da barriga, então é muito importante que vocês tenham esse registro, até pra que essa história não pareça uma coisa que ficou só na cabeça de vocês, sabe? Como se fosse uma invenção, uma coisa imaterial.'
E aí algumas pessoas colocaram a gente em contato, a minha doula me colocou em contato com a Fê Sofia, que fotografou o parto e filmou também. E aí depois, a Fê perguntou pra gente o que que a gente queria fazer com esse material, né? Essa filmagem, essas fotografias… se a gente queria que ela montasse um vídeo, como ela faz pras famílias, de recordação.
E eu, tendo em vista tudo que eu passei durante a gestação, as coisas que eu percebi, os atravessamentos de histórias de famílias que vivem um parto despedida, como foi o nosso caso, eu entendi a necessidade de falar sobre isso. Não só na minha família, com os meus amigos, na minha rede, mas também que isso pudesse ser alguma coisa que outras pessoas vissem, que pudesse tocar outras pessoas, que pudesse ser um lugar de pertencimento. Porque eu mesma, quando tava grávida, comecei a procurar… eu sou artista, então comecei a procurar registros — filmes, peças, livros — que falassem sobre o tema, e eu encontrei um documentário curta na época. Agora já tem outras produções, como da Eliza Capai, mas na época eu achei um curta só.
E aí eu falei: 'Caramba, isso é muito mais comum do que a gente imagina, por que que isso não é abordado, né?' Então, o primeiro impulso foi esse: de abrir isso pro mundo e, claro, também através desse processo criativo e artístico, que é como eu me relaciono com a vida, poder olhar pra essa história também sob uma outra perspectiva.
Isadora Carneiro: É engraçada essa história dos registros de parto, porque eu recebi uma ligação da doula da Dani, que é a Mari Muradas. Em tempos de pandemia, eu tava no Sul, na casa dos meus pais, e a Mari me perguntou: 'Isa, você tem disponibilidade pra filmar um parto? É assim, assim, assado… um parto despedida.'
E aí eu disse: 'Poxa, impossível, tô aqui no Sul, não vou conseguir.' E, de alguma forma, essa história voltou pra mim depois, né? Porque eu também sou colega da Dani, da Fê Sofia, que é a fotógrafa que filmou o parto da Dani. E aí a Fê nos conectou, assim.
E aí eu lembro que no nosso primeiro encontro eu já cheguei falando assim: 'Eu não sou uma filmmaker, uma diretora tradicional. Eu gosto de fazer imagens mais… mais ousadas, mais experimentais’. Eu acho que esse filme tinha que ir pra esse caminho, né? Pra um lugar que brincasse com os elementos da natureza, né? Porque a gente tem muita coisa em comum, eu e Dani, em relação a isso, a gostar das águas, da natureza, enfim. Então acho que houve esse match nesse encontro. E a gente só conseguiu concluir esse filme por conta dessa decisão, de ser um filme experimental, né?
Então, logo depois que foi registrado o parto e que a Dani resolveu juntar essas pessoas, né… e eu começar a dirigir mesmo, a coordenar, a escolher os profissionais que iriam participar, a gente decidiu escrever em editais. E aí o primeiro edital não passou. E, mesmo assim, a gente falou: 'Bora, bora filmar.'
Então, durante essa semana, só eu e ela estávamos disponíveis pra fazer umas imagens, sem muito compromisso, né? Seria o nosso primeiro teste, assim, né? Pra ver como é que ia funcionar.
E aí foi em Visconde de Mauá que a gente resolveu filmar, um lugar que a Dani tem uma intimidade, um lugar que um lugar que acolheu muito ela pra pensar nas soluções das questões que ela tava passando. É um lugar envolvido de água, de cachoeira, de natureza, de araucária. E eu falei: 'Nossa, vamos pra lá mesmo.'
E a gente passou uma semana lá juntas. Eu, ela e a minha câmera. E foi interessantíssimo, porque saindo de lá eu já tava muito certa de que a gente ia conseguir levantar um filme, porque a gente co-criou juntas lá o tempo todo, diferentes cenas, diversas cenas… apesar de uma cena ser única, né? Que é a cena da palhaça. A cena da palhaça foi única. Foi uma chance só que eu tive de estar em contato com a Sous-titre. Depois ela não volta mais.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu ia até perguntar um pouco sobre isso, né? Porque vocês têm esses registros mais pessoais — áudios de WhatsApp e tudo mais — e também essas outras imagens que vão complementando, essas imagens mais, como você falou, experimentais, né? Que dão esse tom.
Até quando eu vi pela primeira vez, eu pensei: será que vai ser algo mais entrevistado, uma coisa assim mais… sabe, aquele modo tradicional que a gente imagina? E aí o filme acaba indo pra um outro lado.
Isadora Carneiro: É curioso a forma como a gente permitiu que o Nilo, de alguma forma, atuasse nas escolhas do filme, nas escolhas da narrativa.
A gente fez muitas entrevistas, pensando que a gente fosse usar, mas na hora que eu assisti eu falei: 'Não, não é isso, é outra coisa. Vamos tentar, vamos esperar, vamos entender melhor o que é essa coisa.' E aí, sem querer, a Dani sempre falou muito da Gisele Ros, que foi uma das pessoas que ajudaram ela nessa travessia. É professora de yoga de gestantes, ela também é parteira, mas não foi a parteira da Dani. E eu conheço muito a Gisele Ros, então eu falei: 'Gi, vamos tomar um chá.'
E nessa ida à casa da Gisele, ela mostrou a troca de mensagens dela com a Dani. E aí eu fui com a Camila, que é a roteirista, e a gente se olhou e falou: 'Nossa, é isso, sabe? É sobre essa troca.' A Gisele, ela simbolicamente tá representando todas as profissionais, não é só a Gi. Então, às vezes, também causa um pouco essa mistura, né? Quem que tá falando? Será que é a mesma pessoa que tá falando?
Então isso foi uma grande sorte que a gente teve, de encontrar esse conteúdo dessa forma, pra realmente não ficar uma coisa, né, talking heads, ali falando diretamente pra câmera, que não é o nosso, o meu estilo de contar histórias e tal.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu queria saber de você como foi revisitar tudo isso, revisitar esse processo agora com o curta pronto. Porque você já tinha aquele registro, e agora vê toda a situação registrada de uma outra forma, com outro olhar, outro ângulo. Queria saber como foi, pra você, essa experiência.
Daniella Dantas: Então, foi muito intenso revisitar essa história. Sempre é muito intenso, sempre é um mergulho, porque, de certa forma, é quase reviver em memória viva, né? Na carne mesmo, nos ossos, nas células… o que foi o parto, o que foi a despedida, o que foi a dor, mas também o tanto de amor que eu senti nessa travessia toda, com todo o apoio que eu tive, com os acolhimentos, com toda a beleza que essa história também tem.
A minha história com o Nilo, o entendimento de quando ele ia partir e o tempo precioso que a gente teve para viver junto.
Mas é muito bonito, porque cada vez que eu assisto ao filme… é muito louco a gente se ver. Agora, apesar de eu ser artista, ali, para mim, é uma outra relação… não é a Dani Patrícia, não é a Dani palhaça, é a Dani carne viva, vulnerável, contando uma história doída.
Mas, para mim, o que tem sido mais especial — e que vai muito de encontro ao que eu queria quando decidi fazer esse filme — é ver quantas pessoas no final me falam: 'Caramba, eu lembrei de tal situação que eu vivi', que nem necessariamente é a perda de um filho, mas de luto em si.
E foi tão bom poder ver isso, como isso me trouxe uma outra perspectiva. As pessoas falam muito também da poesia, que como a Isa falou, era uma coisa muito importante para a gente… falar desse filme, claro, não mascarando a dor, mas trazendo também um outro lado, porque a morte… a morte é bonita também, a morte faz parte da vida. A morte é tão sagrada quanto o nascimento. Quando a gente fala, por exemplo, atualmente de humanização do parto, como a gente humaniza também as despedidas.
Então, revisitar essa história, olhar para isso, traz outras dimensões para mim. Acho que, quando eu tava vivendo, era só de dentro para fora… agora, de fora para dentro, olhar para isso, olhar a mesma história — minha e do Flávio — ver o quanto tudo foi real, como aquela minha amiga Maria, a pediatra, falou lá atrás… para isso não ser só imaginação. De ver o quanto era real, o quanto o nosso amor foi real, a nossa história foi real, o quanto a gestação do Nilo era real.
Então é isso… traz muitas dimensões, é sempre um mergulho, com muitas sensações, com muita emoção, mas que parece que vai me fazendo achar mais tesouros também… no fundo dessas águas.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Recentemente, tivemos alguns casos de perdas gestacionais que ganharam muita repercussão na mídia, como o da Tati Machado e o da esposa do Robson Nunes, ambos em fases bem avançadas da gestação. Muita gente ficou surpresa, porque, geralmente, quando se fala em perda gestacional, se pensa mais no início da gravidez, e não em situações já tão próximas do parto. Achei muito curioso quando o Rafa, que faz a mediação dessa parte, me enviou o curta e a possibilidade da entrevista, porque, coincidentemente, esses casos estavam muito presentes para mim e eu imediatamente relacionei com a história que o filme traz.
Queria saber de vocês: como veem o curta enquanto uma oportunidade de provocar essa conversa sobre a perda gestacional, sobre a despedida e sobre a vivência do luto? Como foi para vocês abordar esse tema tão delicado?
Daniella Dantas: Ai, Gabi… não é porque a gente não fala que não existe, né? Quando eu tive o meu diagnóstico, quer dizer, o diagnóstico do Nilo, da gestação, e que eu coloquei isso público, eu falei, comecei a produzir textos, nas redes sociais e tudo mais… algumas amigas vieram até mim e falaram: 'Caramba, eu também perdi'. Algumas pessoas falaram: 'Nossa, eu perdi, eu nunca falei, ô…'.
É isso… enfim, é uma coisa muito silenciada. E não é silenciada porque nós, mães , e eu vou falar 'nós', mas, claro, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é… então tem gente que escolhe não falar, porque é assim que cuida. Mas quem não fala, muitas vezes, não é porque não quer falar… é porque não tem escuta. Porque as pessoas não querem falar disso, porque dá medo, porque é tabu… porque gestação é vida, é transformação, é potência, é alegria.
Antes de viver isso, eu mesma não podia, um pouco, acreditar que as crianças morriam. Quando eu trabalhei como palhaça, em serviço pediátrico, a primeira morte que eu me deparei, eu fiquei revoltada. Eu falei: 'Como assim? As crianças não se curam e voltam pra casa?'. Então, foi um choque.
E aí a vida foi me mostrando, por muitos repertórios mesmo, pessoais, que sim… as crianças partem. E que não é natural, né? Tem essa coisa… a gente pensa que é natural. Quer dizer… ah, não… a gente não aceita também porque não é natural, não é como se espera, né? A gente nasce, cresce — como dizem na escola, quando a gente entra na biologia —, se reproduz e morre. Mas isso não é a verdade.
Inclusive, tem seres que vão morrer e depois nascer, como foi o Nilo. Tem gente que me pergunta: 'Nossa, mas então ele não nasceu?'. E eu falo: 'Gente, ele não desapareceu da minha barriga. É claro que ele nasceu'. Então, tem coisas muito absurdas… E quanto menos a gente fala sobre o tema, menos a gente pode criar repertório de cuidado, de acolhimento.
E eu tô muito feliz de que as pessoas estejam falando sobre isso, estejam tendo coragem, escuta, espaço na mídia… e eu desejo que, cada vez mais, a gente possa olhar pra morte com mais naturalidade, apesar da dor imensa que é se despedir de um filho. Até porque… viver esse luto em silêncio, solitariamente, é muito mais doído do que viver esse luto tendo a possibilidade de expressar essa dor e de encontrar escuta e acolhimento ao redor.
Isadora Carneiro: Em termos cinematográficos, né, dessa questão que você tá trazendo, Gabi… eu não sei se isso pode ser um pouco de spoiler — não sei se tá liberado o spoiler aqui — mas… a Dani pediu, desde o início… a Dani nunca tinha visto as imagens do parto dela.
E eu também preferi não mostrar o processo do filme pra ela… ela assistiu quando o filme já estava pronto. Eu queria que ela tivesse, de alguma forma, esse registro do parto já bem montado, com as escolhas dos planos e tal.
E, desde o início, ela falou que queria que colocasse o Nilo, né… a imagem dele, o rosto dele, né? E isso foi muito impactante pra mim. E não só pra mim, mas pra todas as pessoas que passaram pelo processo de edição, de montagem.
Inicialmente, eu convidei um amigo pra editar, e ele pediu pra ver as imagens antes, né? Só que ele tinha acabado de se tornar pai… e aí ele falou: 'Isa, não vou conseguir… não vou conseguir lidar com essas imagens'. E aí foi quando ele mesmo me indicou a Juliana Munhoz, que é a montadora do filme. E o primeiro corte que a Juliana me enviou… tava sem o Nilo também. Aí eu falei: 'E aí, né? O que que rolou?'. E ela falou: 'Nossa… tá muito difícil, tá muito difícil'.
Então, no meio desse processo, eu acabei ajudando ela a montar esse momento, né… do Nilo. Porque é justamente ali que, inclusive, algumas pessoas… lá em Toulouse e no Hot Docs também, quando a gente foi participar dos festivais… algumas pessoas acharam que o Nilo era um boneco, que o Nilo era… enfim, que era ficção, né?
Então assim… está tão distante essa questão de exibir, de falar sobre esse assunto, que as pessoas acham que não… que não aconteceu, que… enfim, exatamente isso que a Dani falou. E eu acho que foi uma das minhas maiores dificuldades, assim… de mostrar o Nilo. Mas hoje faz muito sentido. A gente percebe que o filme conduz o olhar do espectador pra esse momento, né? Vai acolhendo, acolhendo, acolhendo… até a gente conseguir acolher a própria imagem dele.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Como foi a experiência nos dois festivais? Teve um no Canadá e um na França. Queria saber como foi pra vocês, como foi a recepção do pessoal e queria ouvir um pouquinho mais sobre isso.
Isadora Carneiro: Em Toulouse, foi eu e a Dani, né? A gente viveu essa experiência lá juntas. E foi muito interessante, assim… ver a sequência dos filmes, né? A proposta dos filmes selecionados pra competição… e o nosso tava no meio, né? Na exibição, o nosso foi o terceiro de seis.
E e dois filmes na sequência eram bem duros, bem difíceis. E o último filme foi um filme de comédia. Então, isso me chamou muita atenção… como o festival encaixou os filmes pra poder mostrar uma coisa super difícil ali no centro, e depois aliviar no final. Achei isso muito interessante.
Em Toronto aconteceu a mesma coisa. O Nilo ficou no meio também, de novo, e o último era um filme de comédia também, sobre… sobre vasectomia, um documentário sobre vasectomia.
Foi muito interessante o feedback das pessoas, muitas pessoas mais velhas assistindo ao filme, 60+, talvez até idosas. E eu lembro de um comentário que me chamou muita atenção, que foi no Hot Docs, uma mulher chegou e me agradeceu, assim, por ter escolhido a cena final do filme. Porque ela disse que tava sentindo tanto as dores da Dani durante o filme, que já não tinha mais espaço pra sentir. E quando ela viu a água, a Dani entrando na água, foi como se ela estivesse sentindo esse banho, essa limpeza de tudo aquilo que ela sentiu no final do filme, junto com o canto da Roberta Estrela D’Alva, que foi também um grande presente que a gente teve pro filme. Ela sentiu essa limpeza acontecendo.
Então, tem relatos de todos os tipos, assim… mas acho que na França, com a Dani estando lá, foi uma chuva, né, Dani? De agradecimentos, de muita emoção… porque as pessoas querem ver a Dani depois do filme. Lá no Hot Docs, como a Dani não foi, algumas pessoas vieram perguntar como ela tava, como ela tinha recebido esse filme.
Daniella Dantas: Teve um lugar, primeiro, que pra mim foi muito interessante… que, quando eu vi o filme pela primeira vez, eu falei assim: 'Caramba, será que, pra alguém que não sabe nada sobre mim, sobre o Flávio, sobre o Nilo… um filme de 15 minutos, que é um fragmento do fragmento do fragmento do fragmento dessa história, e experimental… vai comunicar? E o que que vai comunicar?'.
Porque, quando a gente fez a pré-estreia, tinha na plateia amigos, familiares, profissionais envolvidos… então é completamente diferente.
E aí foi muito bonito ver que sim… que, para além…é isso que eu queria com esse filme. Não é sobre a Dani, não é sobre o Flávio, e nem é sobre o Nilo simplesmente. É sobre algo muito maior… que é trazer à existência esses bebês que partem precocemente, trazer luz pra essa dor, trazer toda a potência que é a vida e que é a morte.
Então, pra mim, fez muito sentido e fez sentir. Eu me senti abraçada, eu senti as pessoas abraçadas também com essa história… e que bom que a gente fez assim! É meio que… quase um 'ufa, missão cumprida… e deu certo', né? No sentido não do resultado, mas no sentido do filme chegar, o filme abraça. E era o que eu mais queria, era abraçar as pessoas, porque eu fui muito abraçada no meu processo.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Pra finalizar, eu vou fazer uma pergunta que a gente sempre faz aqui, pra todo mundo que passa por aqui — não importa quem seja — que é a seguinte: a gente pede uma dica de filme, série, que pode ter a ver com o que a gente tá conversando, né? Pode ser da mesma temática ou não. Pode ser algo que vocês gostam, que inspira ou até mesmo alguma produção favorita de vocês, que seja aqui do Brasil.
Daniella Dantas: Bom… quando eu decidi fazer o filme, eu troquei muita figurinha com a Elisa Capai, e durante um momento a gente até pensou: 'Ah, vamos participar do filme, vamos fazer juntas'. E foi muito gostosa essa troca com ela, foi muito rica, muito bonita. A gente, inclusive, desenvolveu um carinho, um cuidado, e depois cada uma assistiu o filme da outra, antes do corte final, e deu feedbacks.
Então, eu indico esse filme. E por quê? Porque é um filme super bonito, é um filme que também fala desse tema… e mais que isso: eu lembro de ter falado pra Elisa: 'Amiga, seu filme tem que existir… e o meu também'.Porque você tá defendendo, o que eu também defendo, que é a possibilidade das mulheres optarem por uma interrupção voluntária… mas eu tô falando de outra coisa.
Porque eu ouvi muito, durante toda a gestação: 'Você tem certeza que vai levar essa gestação até… do tipo… já tira logo esse feto que tá aí dentro, porque como assim? Você vai esperar 9 meses pra parir?'. E aí eu falei pra ela: 'Os dois filmes têm que existir, porque é sobre os nossos direitos, sobre os nossos corpos, enquanto mulheres… de decidir o que nos cuida. E, pra cada uma, vai ser algo muito diferente'.
Então, eu indico esse filme, que mostra um outro contexto… também sobre essa questão de diagnósticos duros, e da gente saber que, às vezes, o fim já é conhecido… porque todos nós sabemos que vamos morrer, mas… quando você recebe um diagnóstico sobre o seu bebê… tem uma data ali posta, né? Não é mais desconhecido.
Então… eu indico Incompatível com a Vida, da Elisa Capai, que é um filme lindíssimo, e que eu celebrei muito a saída desse filme, porque quando eu fui buscar obras, eu falei: 'Caramba, não existe nada!'. E aí… foi isso: a gente foi fomentando, foi buscando e mergulhando nessas águas caudalosas da dor, do luto… e surgiram essas produções: o nosso pequeno documentário e o longa da Elisa. Então eu indico esse.
Isadora Carneiro: O primeiro é um filme que eu mesma fiz com a Kátia Lund, que chama Mulheres da Terra, que é sobre parteiras, benzedeiras e líderes de comunidades tradicionais do Nordeste do Brasil. Tem Dona Zefa da Guia, em Sergipe; Mamãe Zezé, em Caruaru; e lá no Sul da Bahia, em Arraial d’Ajuda, tem a Jassanan.
Na verdade, esse filme foi o meu primeiro longa, né? Ele acabou não tendo uma distribuição efetiva, mas é um filme muito interessante, inclusive para assistir com crianças e adolescentes. Conta a história de uma jovem aprendiz de parteira que vai em busca dessas mulheres para saber como é ser parteira, numa época em que a cesariana está ganhando muito espaço, até mesmo nas mulheres das comunidades, que já estão deixando de parir na comunidade para parir nas cidades, nos grandes centros. É uma loucura. Então, eu indico esse filme, que está disponível no link da bio do projeto Mulheres da Terra no Vimeo, livre para assistir.
O outro filme é uma coprodução da Petra Costa com a Lea Globe, que se chama O Olmo e a Gaivota. Foi um filme que nos inspirou muito para fazer o Nilo. Ele conta a história de um casal de dançarinos de teatro que engravidam no ápice da carreira, e ela precisa ficar em casa porque quase perde o bebê. Mostra ela ali na loucura dela em casa, enquanto o marido sai para trabalhar e viver a vida normalmente. Eu tinha assistido esse filme há muitos, muitos anos atrás, e a gente reviu em Visconde de Mauá. É um filme que vale muito a pena assistir, realmente.