Releitura LGBTQIA+ de Romeu e Julieta apresenta ótimas ideias, mas peca por uma apática execução

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Não é nenhum exagero dizer que Romeu e Julieta é a história de amor mais famosa de todos os tempos — mesmo que seja também uma história permeada pela tragédia, a qual acompanha as várias narrativas que beberam da sua fonte, como Amor, Sublime Amor. Em seus primeiros minutos, Homens de Barro já nos revela que terminará em tragédia, abrindo in medias res com os corpos sem vida de dois dos seus protagonistas, antes de voltar no tempo para mostrar como tais mortes foram a culminação de anos de disputa entre duas famílias rivais nessa pequena cidade sem nome no Rio Grande do Sul — e como um romance proibido emergiu em meio a essa disputa.
Longa de estreia de Angelisa Stein (que co-dirige com o argentino Fernando Musa), Homens de Barro usa a base clássica de Romeu e Julieta — aqui enquadrada sob um prisma LGBTQIA+ — para discutir a natureza tóxica e destrutiva da masculinidade. O que começa com uma rivalidade entre Oscar Tamai (Cassiano Ranzolin) e Élvio Miranda (Rafael Guerra) é passado como uma doença infecciosa para seus filhos Pássaro e Marciano, cuja amizade pura e inocente da infância é dissolvida pelo ódio mútuo entre esses dois homens e suas consequências trágicas. Diria que esse prólogo é uma das melhores partes do filme, justamente porque ali naqueles 15-20 minutos iniciais são apresentados quase todos os fundamentos que vão nos ajudar a entender a dinâmica desses personagens em suas versões adultas, conforme são moldados pelos pais a serem um determinado tipo de homem naquele ambiente patriarcal e retrógrado.
Entretanto, é justamente quando avança para o presente que os principais problemas do filme aparecem. A aparente rivalidade das duas famílias, que haveria de ser expressa na relação de Pássaro e Marciano (Gui Mallmann e Alexandre Borin em suas versões adultas) é praticamente deixada de lado até retornarmos à cena que abre o filme. Na verdade, o personagem de Borin é praticamente deixado de lado até os 20 minutos finais do filme, conforme o filme prefere focar na relação romântica que emerge entre seu irmão caçula Ângelo (João Prates) e Pássaro. Contudo, considerando que praticamente nada vemos de Ângelo no prólogo do longa, esse desvio de foco narrativo de um irmão para o outro é tratado de uma forma abrupta, assim como a própria aproximação do casal principal. Mesmo a utilização da narração em off de Ângelo acaba sendo um equívoco, visto que sua redundância é nítida a cada vez que é usada (soando mais como uma espécie de atalho para dar conta da enxuta duração de 72 minutos do filme), além do fato de que o próprio personagem recebe pouco desenvolvimento, soando mais como uma ideia do que como uma pessoa de fato dentro da trama.

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O filme consegue pincelar momentos que exploram bem esses efeitos nocivos da masculinidade tóxica e frágil que permeia esses homens — como os comentários sexistas do amigo de Pássaro, Nando (Bruno Fernandes III), ou a falha tentativa de reaproximação de Marciano com Ângelo que apenas revela as fissuras deixadas pela criação machista do pai — mas são momentos isolados que perdem sua força no contexto geral da obra. Por outro lado, se o contato inicial de Pássaro e Ângelo não convence, o desenrolar da sua relação romântica e sexual é um dos maiores acertos do longa, com a câmera de Stein sabendo explorar e filmar seus corpos com uma tocante sensibilidade e sensualidade que, também através da fotografia de Bruno Polidoro, formam um nítido contraste ao ambiente tão embrutecido em que esses personagens vivem.
Apesar desses destaques, porém, o saldo final de Homens de Barro acaba sendo de uma obra que, mesmo com uma premissa rica e repleta de possibilidades, acaba caindo numa execução burocrática e um tanto apática, como evidente na encenação da cena climática. Não sei o quanto isso pode ser creditado à sua curta duração, mas fica evidente que diversos pontos da obra poderiam ter recebido um melhor desenvolvimento, restando ao final a sensação de ser um filme inseguro em abraçar mais desse contraste entre a prisão da masculinidade tóxica e a libertação oferecida através do romance entre seus personagens.
Nota: 2.5/5
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