“Nossa constante é a peleja”: Gabriel Pires, coordenador do NordesteLAB, fala sobre evento que acontece nesta semana em Salvador (BA)
- Gabriella Ferreira
- 4 de ago.
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NordesteLAB é realizado de 5 a 8 de agosto e discute os desafios, perspectivas, tendências e o legado do audiovisual nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

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Em sua 11ª edição, o NordesteLAB se consolida como uma das principais plataformas de articulação e fomento do setor audiovisual no Brasil, com foco nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Realizado de 05 a 08 de agosto em Salvador, o evento promove mesas, debates, rodadas de negócios, masterclasses e clínicas jurídicas que conectam profissionais, estudantes e demais interessados. Em entrevista exclusiva, Gabriel Pires, coordenador do NordesteLAB, compartilha insights sobre o crescimento do audiovisual regional, os desafios enfrentados, as novidades da programação de 2025 e o papel transformador do evento para o mercado e a sociedade.
Acesse a programação completa aqui: https://nordestelab.com.br/ e confira a entrevista na íntegra abaixo:
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Primeiramente, queria te parabenizar pelo trabalho realizado no evento. E já aproveitando, queria saber um pouco mais sobre essa 11ª edição, que acontece agora no início de agosto. Como foi o processo de curadoria este ano? Quais foram os critérios e direcionamentos que vocês usaram para montar a programação?
Gabriel Pires: A gente sempre parte do seguinte: quando termina a edição do ano anterior, já começamos a construir um texto balizador do que será o próximo ano. Uma temática, uma preocupação que vai nortear as discussões.
Este ano, a gente está muito voltado a pensar: qual é a impressão que o audiovisual deixa na sociedade? Todo mundo consome audiovisual, mas como é que os outros setores da economia, como é que outras esferas da sociedade enxergam o audiovisual? Por isso, estamos nesse processo de repensar o futuro, mas um futuro que tenha de fato um impacto real na sociedade.
Nesse contexto, estamos discutindo, por exemplo, a telenovela, que é algo emotivo para todo brasileiro. Toca todo mundo, faz parte da construção da nossa percepção sobre nós mesmos e da narrativa audiovisual do povo brasileiro como um todo. Mas também queremos entender, por exemplo, os impactos da inteligência artificial no nosso setor.
A gente já vinha, nas últimas décadas, com uma certa facilidade de produção por parte das pessoas. E, nos últimos anos, esse entendimento sobre linguagem audiovisual foi crescendo, não necessariamente por um olhar técnico ou clássico, mas por uma experiência cotidiana. E agora, com a inteligência artificial, tem esse movimento do "vou eu mesmo contar minha história, que vai ser melhor do que essa que tô vendo". Então, há um exercício de entender o impacto da IA no nosso cotidiano, mas também de projetar cenários para o futuro.
Todo ano temos essa preocupação de construir a curadoria com esse olhar. Então, provavelmente, agora em agosto a gente encerra a edição com aquele momento de análise, de respiro. E em setembro já começamos a construir a perspectiva para 2026.
Vamos discutir inteligência artificial, claro, mas também política, que está no cerne do nosso trabalho. Vamos falar sobre políticas públicas para o setor audiovisual, como o impacto da reforma tributária, e também sobre financiamento.
Teremos discussões sobre a telenovela, como já mencionei, mas também sobre a construção de narrativas populares que não necessariamente estão nos gêneros mais trabalhados tradicionalmente. Por exemplo, teremos uma mesa sobre a construção de personagens femininas.
Então, todo ano procuramos fazer essa abertura temática, mas sem esquecer do que é essencial para todos nós: discutir política, financiamento e o estado atual do setor. Isso é super importante.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu falei muito dessa questão da telenovela porque, todo dia, meu amigo me lembra que vai mediar essa mesa, que é o Gabriel Vaquer. Ele posta todo dia nos Stories sobre isso e, na hora que eu vi, pensei: nossa, eles escolheram a melhor pessoa para essa mediação. Ele entende muito de telenovela, conhece os bastidores, trabalha por dentro dos cases… Acho que vai ser uma mesa icônica. O Gabriel é um profissional maravilhoso. Queria fazer esse adendo.
Gabriel Pires: Nessa mesa, a nossa preocupação também foi não trazer tantos criativos, porque o costume é sempre esse: chamar o roteirista, o autor... Mas, dessa vez, não. A gente está trazendo o Patrick, que é sócio da Coração da Selva, uma produtora independente que fez a novela que foi um hit para a HBO.
E é um case muito interessante, Beleza Fatal, né? Mostra como a novela pode se aproximar do streaming. Também vai estar a Verônica, da Globo, que traz esse olhar de uma emissora tradicional e como ela está lidando com essas transformações.
E um dos grandes nomes dessa mesa é um representante da Telemundo, que carrega toda essa escola melodramática mexicana. Então, é um encontro de visões bem diferentes. E o Gabriel, com certeza, vai mediar tudo isso muito bem.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu queria saber um pouco mais sobre como vocês lidam com esse equilíbrio, porque o audiovisual é uma indústria, mas também é um campo de disputa cultural e mercadológica. Você até mencionou isso um pouco na resposta anterior, mas queria entender melhor como é feita essa mediação entre olhar para o mercado e, ao mesmo tempo, manter o foco na criatividade, na diversidade e em questões que vão além do econômico.
Gabriel Pires: Já tem alguns anos que a gente vem tentando dividir a programação para dar conta dessa pluralidade dentro do audiovisual como um todo. Esse já é o terceiro ano em que convencionamos, internamente, que nossas manhãs seriam dedicadas às mesas mais voltadas para a criatividade.
A nossa primeira mesa, por exemplo, vai ser com o pessoal do Mundo Bita e com o Rafa Dias, pensando o YouTube como uma plataforma para realizadores do audiovisual mais tradicional se apropriarem. Desde o processo de divulgação até a monetização de produtos que já estão nas prateleiras há muito tempo, mas ainda têm potencial fora das janelas convencionais.
Na quarta-feira, dia 7, a gente tem uma mesa sobre telenovela. E na sexta, teremos uma conversa entre Maíra e Carolina, e também uma discussão sobre documentários, já que somos grandes produtores nesse formato.
As tardes, por outro lado, são mais voltadas para indústria, mercado e questões estruturais. A gente tenta construir uma programação que abrange tanto esse público mais criativo quanto os profissionais que precisam entender os mecanismos de viabilização de uma obra. É importante saber como funciona o mercado para conseguir dialogar de forma mais próxima com os produtores, que vivem esse cotidiano. Muitas vezes é o produtor que vai dizer: "Sua ideia é maravilhosa, mas, neste momento, o mercado não vai aderir a esse caminho. Vamos repensar juntos outras possibilidades".
Então, buscamos sempre fazer essa interconexão entre o campo criativo e o lado mais pragmático da produção, para que haja entendimento mútuo. Quando um produtor diz para um roteirista ou diretor que é preciso reduzir o número de personagens, geralmente é por uma questão de orçamento. E aí entra o papel de eventos como esse: você viu na mesa as dificuldades de financiamento. Isso é real. Por outro lado, o produtor também precisa entender os anseios da criação. Talvez não seja possível cortar tantos personagens, mas dá para diminuir o número de cenas, reorganizar a estrutura... A ideia é criar esse diálogo.
O audiovisual ainda é muito setorizado, cada um costuma defender apenas o seu pedaço. Mas a gente precisa lembrar que todos estamos nessa cadeia para contar histórias. E para contar histórias é necessário convencer todos os elos da cadeia de que aquela história vai chegar ao público e tocá-lo de verdade.
É claro que é louvável ter projetos que avancem artisticamente, que experimentem linguagens e formas narrativas. Mas às vezes vem alguém com esse discurso de que o projeto é "universal", e eu já fico com o pé atrás. Porque o que quer dizer isso? Que seu projeto conversa com 8 bilhões de pessoas? Às vezes é preciso entender o tamanho da sua história, o nicho que você quer atingir, e construir expectativas mais realistas, tanto para o produtor quanto para o roteirista.
É por isso que buscamos sempre discutir financiamento, política pública, funcionamento do mercado, mas cada vez mais percebemos que isso não pode estar descolado da discussão criativa. Porque, no fim das contas, é o criativo quem tem a ideia inicial que movimenta toda a cadeia. E também não adianta a gente desenvolver só projetos baseados nas demandas dos players ou apenas na lógica do público final. Precisa haver um equilíbrio.

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Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu estava dando uma olhada no site de vocês e além das mesas vi que tem a Rodada de Negócios, o laboratório universitário e várias consultorias, como a consultoria jurídica e a consultoria com o grupo de mulheres, que eu achei superinteressantes.
Aí fui conferir a lista de selecionados da Rodada de Negócios e vi que tem marcas gigantes, distribuidoras e produtoras muito importantes do nosso cinema. Por isso queria que você falasse um pouco mais especificamente sobre a Rodada de Negócios. Como ela funciona, como é organizada, quem pode participar. Queria que você explicasse um pouco para o nosso público porque tenho certeza de que muita gente ainda não sabe exatamente como esse processo acontece.
Gabriel Pires: A rodada de negócios é uma atividade voltada para quem tem CNPJ. Não precisa ser necessariamente uma produtora com estrutura física ou tudo certinho, porque hoje em dia muita gente trabalha com CNPJ para prestar serviço e conseguir atuar no mercado. Então, o requisito básico é ter CNPJ.
Normalmente, a gente abre as inscrições de quatro a cinco meses antes do evento, que acontece lá no Nordeste. Este ano, abrimos em maio e encerramos em junho, no dia primeiro de junho, para ser mais exato. Então, foram cerca de três meses de inscrições.
O processo funciona assim: a gente convida os players, que são plataformas de streaming, canais de televisão, distribuidoras, agregadores de conteúdo, para que eles mandem uma ficha dizendo o que estão buscando. Essa lista fica disponível no nosso site para consulta.
A produtora ou profissional que representa a produtora se inscreve no que a gente chama de “passaporte profissional”, que dá direito a três atividades. A primeira é a rodada de negócios, onde você submete seu projeto por meio de um formulário simplificado no site. Geralmente, pede uma sinopse, as opções de formato, gênero, duração, orçamento, o que você está buscando, se é coprodução, se o projeto já está pronto, se há algum licenciamento, entre outras informações.
Também tem um campo para explicar o projeto para além da sinopse, como se já captou recursos, cronograma, talentos envolvidos e links para teasers ou materiais promocionais, se houver.
Depois, a gente faz o que chamamos de “filtro da loucura”, porque não adianta, por exemplo, mandar uma série documental para o Cartoon Network ou Warner Bros Kids. A gente filtra os projetos para encaminhar para os players corretos.
Os players analisam as propostas e escolhem quais querem se reunir presencialmente na rodada de negócios. Cada encontro dura cerca de 20 minutos para que você possa apresentar seu projeto.
O ideal é estar preparado não só para falar do projeto em si, mas também para aproveitar o tempo para ouvir o feedback do player. Muitas vezes, a rodada vira quase uma consultoria, pois esses profissionais já tiveram acesso ao seu projeto antes, conhecem o público final e sabem como o mercado está funcionando.
Eles pensam na programação para daqui a dois ou três anos, então ajudam a fazer um exercício de futurologia. Podem sugerir ajustes, como tirar ou mudar algum elemento do projeto ou adequar o orçamento.
Esse momento é importante para o produtor, roteirista e diretor assimilarem esses retornos e melhorarem seus projetos.
Temos muitos casos de sucesso, com projetos viabilizados, filmes distribuídos e séries financiadas a partir das rodadas de negócio.
Além da rodada, o passaporte profissional dá acesso a três clínicas. A clínica jurídica atende dúvidas sobre questões contratuais, leitura de editais e negociações com o apoio de profissionais do direito.
Tem também uma clínica jurídica voltada para negócios internacionais, que auxilia nos acordos de coprodução, contratos, trâmites de documentos e traduções, pois muitos contratos envolvem mais de uma língua.
E tem uma clínica de distribuição, feita em parceria com o Taturana, focada em pensar como viabilizar a distribuição não comercial dos filmes, ou seja, levar o conteúdo para além do circuito tradicional, como salas de cinema comerciais, TV e plataformas de streaming.
Além disso, temos masterclasses, que são momentos formativos em grupo, para profissionais da área.
Este ano teremos três masterclasses: uma com a equipe da Floresta, outra com a Zordon e uma terceira com a Cajuína.
A masterclass da Cajuína vai tratar de distribuição, a da Zordon vai abordar como usar dados relacionados ao audiovisual para pensar e melhorar projetos, fazendo leitura de tendências, e a da Floresta vai compartilhar a expertise deles em produção, principalmente de reality shows, mas também de outros formatos.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Uma coisa que eu queria falar com você é sobre o início do NordesteLAB, que já tem 11 anos e 11 edições, uma por ano, certo? A primeira foi em 2015. Eu imagino que para vocês o cenário audiovisual naquela época era bem diferente. Gostaria de saber como você enxerga a evolução do cenário audiovisual nordestino desde 2015 até hoje.
A gente sabe que hoje há uma valorização muito grande do cinema descentralizado, fora do eixo tradicional. Então, queria saber qual é a sua visão sobre esse crescimento, ou não, do nosso cinema, seja de uma perspectiva pessoal ou profissional mesmo.
Gabriel Pires: Olha, quando a gente fez a primeira edição, um dos objetivos era tornar nossas obras conhecidas dessas pessoas que têm poder de decisão, porque elas precisavam de uma cota. Em 2015, por exemplo, já existia a lei 12.485, de dezembro de 2011, que começou a vigorar em 2012. E em 2015 essa lei atingiu seu teto máximo na questão das cotas de conteúdos brasileiros independentes nas TVs pagas — que é a lei de serviço de acesso condicionado.
Então, naquele ano, nosso intuito era justamente mostrar para os produtores e canais que eles tinham que passar conteúdo brasileiro. Essa mesma lei do fundo setorial do audiovisual determinava que 30% do gasto deveria ser com projetos das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Para uma produtora conseguir contrato com o fundo setorial para financiar uma obra, ela precisava ter um contrato com uma distribuidora ou canal de televisão. O nosso papel era justamente fazer essa conexão para que os projetos vingassem, para que as coisas acontecessem.
A gente vê isso acontecendo hoje, os projetos saindo, os contratos assinados, apesar das intempéries políticas que tivemos nesse período. Houve a descontinuidade do Ministério da Cultura, depois seu retorno, depois o fim dele de novo. A Ancine parou de fomentar e só agora, no terceiro ano de retomada, as coisas ainda não engrenaram completamente.
Mas existe uma continuidade no setor, que é organizado, questionador e que sabe articular políticas públicas, financiamentos e entende como funciona o Estado. Essa discussão vem de anos atrás.
Em 2015, a questão era garantir perenidade por meio de uma lei. Agora, em 2025, a gente discute a lei do VOD, a regulamentação do streaming, e a garantia dos recursos do fundo setorial audiovisual.
Tem um desafio muito grande para quem produz nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, porque a gente ainda não tem a garantia dos 30% para o que vai ser destinado no Conselho Nacional de Cinema para o VOD. Hoje, temos 30% garantidos dos 40% que vão para o fundo setorial do audiovisual.
Esse é um ponto crítico. A gente quer a regulação do VOD, claro, mas quer também a manutenção dos nossos 30%. E agora mesmo tivemos os canais Disney encerrando seus canais, ficando só com os canais de esportes. Provavelmente outros grupos internacionais que têm streaming vão seguir o mesmo caminho.
Isso vai diminuir a produção, por conta do fechamento desses canais, e a gente vai voltar a essa peleja, essa luta constante.
Então, a nossa rotina é essa batalha. A nossa nossa constante é a peleja. Quando a gente pensa que vai ter um fôlego maior, surgem dificuldades, barreiras que, para o Brasil como um todo, são complicadas, mas para o Centro-Oeste, Norte e Nordeste são quase intransponíveis.
Por exemplo, para o Norte é ainda mais difícil. Fizemos uma pesquisa que mostrou que desde o início da Agência Nacional do Cinema, os recursos que ela opera — sejam do fundo setorial ou leis de incentivo — 92% ficam no Rio de Janeiro e São Paulo. Só 8% vão para o restante do país.
Desse percentual, 5% vai para Minas Gerais, Espírito Santo e região Sul, e apenas 3% para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Então, toda vez que a gente começa a ter uma certa estabilidade, surge uma nova dificuldade e tudo muda novamente.
Quando a gente quis discutir como o audiovisual é visto pelos outros setores da economia, a gente tinha esses dados em mãos.
Hoje, o audiovisual é maior que indústrias tradicionais, como a eletroeletrônica e a indústria da borracha. Está entre as 10 maiores indústrias brasileiras que contribuem para o Produto Interno Bruto.
Mas, na prática, nas nossas regiões, ainda temos dificuldade para chegar aos grandes players e criar confiabilidade com eles, que são os donos do mercado.
Quando começamos a tentar impor nossa presença e mostrar que já fizemos várias séries e filmes, que temos um mercado, a gente acaba levando rasteira. O fundo setorial e a lei do audiovisual não chegam para nós.
A diferença entre 2015 e 2025 é que, em 2015, a gente olhava para um cenário com obrigatoriedade legal para as TVs abertas. Agora, em 2025, discutimos a lei do streaming, que pode não ter a mesma obrigatoriedade legal, o que pode trazer uma grande discrepância entre o que a gente estava acostumado a fazer e o que poderá acontecer com a regulação, ou falta dela, do streaming.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Já que a gente falou da evolução de 2015 até agora, eu queria saber quais são as perspectivas para o futuro. O que vocês imaginam para o NordesteLAB nos próximos anos e o que a gente pode esperar aí em breve, quem sabe? E como você acha que o NordesteLAB contribui para o papel de transformação do audiovisual brasileiro?
Gabriel Pires: Bem, primeiro, a gente espera continuar realizando o NordesteLAB, né? Essa luta cotidiana e anual para garantir que no ano que vem tenhamos a 12ª edição, que a gente volte no início de agosto aqui em Salvador recebendo todo mundo.
Essa é uma questão que envolve não só a produção audiovisual, mas também eventos, mercados, festas, laboratórios. A perspectiva para a gente é cada vez mais ser essa plataforma em que as pessoas consigam enxergar oportunidades para viabilizar seus projetos, fazer conexões com outros produtores e realizadores, discutir políticas públicas e os caminhos para um audiovisual mais plural e que seja a cara do Brasil como um todo.
Não é à toa que a gente começou fazendo um laboratório para projetos de profissionais e decidiu focar em projetos universitários, porque percebemos que, nas grades curriculares das universidades, o foco é muito mais na parte narrativa e técnica e menos na parte de produção, ou seja, como viabilizar um projeto, como tirar uma ideia do papel e transformá-la em realidade.
Eu, por exemplo, já dei aulas e fiz mestrado, e percebi que muitos estudantes de cinema não têm essa noção de distribuição, de detalhes que são tão importantes na hora de fazer um filme. Muitos focam demais na técnica e narrativa, e essa parte fica de fora.
Conversei com pessoas que fazem assessoria de filmes e elas disseram que essa realidade é complicada, que ainda temos muito a avançar nesse sentido.
Para o futuro, nossa ideia é justamente reforçar esse laboratório universitário para ajudar os novos entrantes no mercado a entenderem a necessidade de discutir política pública, financiamento, estruturação de negócios e plano de carreira, para além das questões narrativas, estéticas e técnicas.
A gente quer manter as rodadas de negócios, as oportunidades para viabilizar projetos e as discussões sobre políticas públicas. Isso, acredito, não vai deixar de existir.
O que pode mudar são as temáticas de acordo com o que estiver acontecendo. Por exemplo, no próximo ano, se surgir uma regulação do streaming, vamos discutir como essa lei vai funcionar no dia a dia do setor.
Também vamos abordar temas como a reforma tributária, porque muita gente pensa: "Por que falar disso? O que tem a ver com a produção audiovisual?" Mas as leis de incentivo locais, baseadas em renúncias de ISS, ICMS e outros impostos, podem acabar, e isso vai impactar o financiamento do setor.
É preciso que as pessoas estejam preparadas para essas discussões, entendam as medidas compensatórias que os governos locais estão pensando, e como esses pleitos estão sendo levados ao Ministério da Fazenda, não só pela Secretaria de Cultura.
Nem todos os produtores estão preocupados com isso, mas é fundamental que o setor criativo entenda que essas mudanças vão impactar o dia a dia, desde a emissão de notas fiscais até a possibilidade de obter incentivos locais que podem deixar de existir.
Então, essas discussões pontuais, que parecem distantes, na verdade vão afetar muito o audiovisual nos próximos anos.
A gente sempre define um tema anual e busca entender o que está sendo discutido em outros lugares, mas trazendo esse recorte para o impacto real na vida das pessoas.
Essa é a nossa preocupação: trazer discussões que impactem de fato o cotidiano de quem faz audiovisual.