“Quem sabe um filme assistido aqui não transforme a vida de alguém?": Andrei Ferreira comenta expectativas para a 4ª edição do Festival Internacional de Cinema de Itabaiana
- Ana Beatriz Andrade
- 14 de jul.
- 6 min de leitura
Idealizador e coordenador geral do evento fala sobre a programação deste ano e o futuro do audiovisual sergipano.

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Entre os dias 30 de julho e 2 de agosto, a cidade de Itabaiana se transforma em palco para a 4ª edição do Festival Internacional de Cinema de Itabaiana. Com mais de 80 produções selecionadas, entre curtas e médias-metragens, o evento vem se consolidando como um espaço importante na difusão do audiovisual no interior sergipano.
O festival tem como propósito descentralizar o acesso à cultura, promover o intercâmbio entre realizadores de diferentes regiões e impulsionar a produção cinematográfica sergipana, especialmente fora da capital.
Em conversa com o Oxente Pipoca, o idealizador e produtor Andrei Ferreira fala sobre os caminhos já trilhados pelo festival, os critérios de curadoria e suas expectativas para o futuro do evento.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): O Festival de Cinema de Itabaiana está se encaminhando para sua quarta edição. Como você vê a evolução do festival nesses anos? Ele se transformou como você imaginava?
Andrei Ferreira: Bom, vejo o festival em uma evolução muito positiva, especialmente em relação ao reconhecimento do público, mas não só isso. Um festival de cinema é um evento diferente de outros, como festivais de música, por exemplo, que atraem pelas atrações que estão no palco. Um festival de cinema tem uma característica própria: formar público. Geralmente, os cineastas que participam não são agentes culturais locais, são de fora. Estava até lendo um livro da Spcine sobre a Mostra de São Paulo. A diretora da Spcine está desde a quarta edição, e ela relata que a Mostra só se consolidou como o que é hoje depois da 16ª edição. E estamos falando do maior evento de cinema do país.
Sofremos muito entre 2019 e a pandemia, e só conseguimos voltar com força mesmo no ano passado. Fizemos duas edições seguidas – 2024 e 2025 – e isso muda tudo. O público já tem outra expectativa, cineastas de fora já demonstram interesse em vir… Ter um festival que conquista certa notoriedade e continua acontecendo ano após ano é o mais importante. Formar público leva tempo, mas já vemos uma grande diferença da primeira edição para esta. A expectativa das pessoas é outra, e isso nos deixa muito felizes.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Como funciona o processo de curadoria? Há algo que o público talvez não saiba sobre os bastidores da seleção?
Andrei Ferreira: Acho que o nosso festival, junto com a Janela Internacional de Recife, é um dos únicos festivais internacionais do Nordeste. Isso já diz muito. Mesmo recebendo apenas curtas e médias-metragens, o festival tem uma proposta bem diferente dos outros da região. Trazer filmes de fora muda bastante o processo de curadoria, porque precisamos pensar em temáticas que envolvam não apenas nosso estado ou país, mas o mundo. Buscamos filmes com linguagens universais, que sejam interessantes e relevantes para a sociedade. Além disso, tentamos fazer com que os filmes dialoguem entre si.
A programação do Festival de Itabaiana reflete esse pensamento curatorial. Não fazemos sessões separadas apenas para filmes internacionais, brasileiros ou sergipanos. Acreditamos que as culturas devem, em algum momento, se interseccionar, permitindo comparações. É muito importante que os filmes estejam misturados nas sessões. Cultura é isso: troca de experiências. Faz sentido que diferentes filmes estejam juntos, pois podemos nos identificar com o outro, mesmo que ele não compartilhe nossa nacionalidade, cultura, crenças ou hobbies. Nossa curadoria tem muito esse olhar.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Como você enxerga o papel de festivais de cinema fora do eixo Rio-SP no cenário audiovisual nordestino e brasileiro?
Andrei Ferreira: Pergunta interessante. Quando pensei nesse festival, eu era aluno de Cinema, estava no terceiro período. Já no primeiro e segundo semestres da faculdade, tinha feito alguns filmes e comecei a inscrevê-los em festivais. O próprio curso de Cinema não tinha uma cultura de festivais. Era um curso que formava os alunos tecnicamente e teoricamente para o meio acadêmico e comercial, mas as pessoas não viam o que era produzido na UFS. Então, se nem isso era visto, será que acompanhavam o cinema sergipano? E até mesmo o cinema brasileiro, quando não é um filme feito com 5 milhões de reais, o que pra gente é extraordinário, mas que para outros países é pouco?
Eu, sendo do interior, junto com um colega de sala também de Itabaiana, percebíamos que o interior não era visto como espaço de produção audiovisual. O que é estranho, porque em todos os outros estados do Nordeste existem festivais no interior, e Sergipe não tinha. Além disso, pensamos em descentralizar a produção audiovisual e levar o festival para um lugar com poucos eventos culturais. Por que não fazer isso no interior, se a capital já tem três festivais?
Outro objetivo é fazer com que os produtores pensem cultura como algo possível, algo com que se pode trabalhar e viver. O festival tem essa missão de descentralizar os espaços culturais e impulsionar a produção audiovisual sergipana no interior, onde quase não se produzia. Queremos oferecer ao interior um evento grande e importante, que as pessoas se sintam parte, se identifiquem e passem a ver o interior sergipano como palco de eventos culturais. Temos 75 municípios, não podemos ficar focados em um só.
Ainda existe essa visão de que o eixo Rio-SP é o único lugar onde as coisas acontecem, mas é fundamental que os festivais nordestinos, que estão ganhando visibilidade, mostrem que temos grandes eventos por aqui. E muitos deles feitos no próprio Nordeste. Temos o Cine Ceará, o Cine PE em Pernambuco, o Panorama na Bahia voltando com força, o Festival de Penedo em Alagoas, a Aruanda na Paraíba, a Mostra de Cinema de Gostoso no RN… e também Guarnicê, um dos mais antigos do Brasil. Então, é importante não só que o Brasil veja o Nordeste como espaço de produção, mas que o próprio nordestino veja isso. Que ele entenda que não precisa sair da região para fazer seu filme acontecer.
Uma coisa que sempre falo é que nós, cineastas sergipanos, não devemos ir a um festival só quando temos um filme exibido. Devemos ir para prestigiar outros realizadores. Quando fazemos essa difusão, conseguimos criar uma identidade para o cinema sergipano. E a partir disso, vender Sergipe como locação de filmes também. Canindé já tem certa notoriedade. Guerreiros do Sol foi gravada lá, mas há muitos lugares interessantes que ainda não foram explorados. A Serra de Itabaiana, por exemplo, seria incrível. Temos muitos locais bacanas para filmar. Então, esse processo começa com difusão e reconhecimento, tanto do público quanto dos próprios cineastas. Isso é fundamental.

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Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Andrei, queria perguntar quais são os futuros planos e expectativas para o Festival de Cinema de Itabaiana?
Andrei Ferreira: Para esta edição, esperamos que o público compareça e que os próprios cineastas participem. Estamos com muita expectativa. Montamos uma programação bem legal e esperamos que as pessoas se identifiquem, assistam, compartilhem. Batemos recorde de filmes exibidos: são 85 filmes de 20 países diferentes, entre curtas e médias-metragens. Estamos muito felizes com o resultado.
Expandimos a programação com sessões noturnas, traremos debates, um seminário sobre políticas culturais… Enfim, entregamos o máximo com os recursos que tínhamos. Eu estava até comentando com um colega; a produção do festival já está finalizada, agora é esperar acontecer.
Para as próximas edições, temos ideias muito bacanas, como laboratórios de roteiro e um fórum de discussão não apenas para quem faz cinema, mas para quem trabalha com cultura em geral. Há muitos planos legais vindo por aí. A maior expectativa é a participação do público, que as pessoas gostem, voltem e tragam mais gente nos próximos anos.
Às vezes, o festival gera frutos que a gente nem espera, como foi o caso do Tácio. É ele quem vai guiar nossos debates nesta edição. Ele estava na primeira sessão, era uma pessoa que gostava muito de cinema, mas depois criou um canal e um cineclube de cinema – o Cine Varanda. Agora, ele também trabalha com cinema de arte e motiva as pessoas a irem ao evento. Uma das temáticas deste ano é “O Cinema Transforma”, então essa é a missão. Quem sabe um filme assistido aqui não transforma a vida de alguém? Se isso acontecer, já teremos cumprido nosso objetivo.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): E, para finalizar a nossa entrevista, vou pedir que você indique três filmes para a galera que acompanha o Oxente Pipoca.
Andrei Ferreira: Eu assisti esse filme ano passado no Festival Panorama e ele está na minha cabeça até hoje. Estranho Caminho, do Guto Parente. É um filme que trabalha um cinema de autoria e autorretrato, muito lindo e acho que todo mundo deveria assistir. Também vou recomendar o curta White Eye, feito em 20 minutos de plano sequência e é um dos filmes mais bonitos que já vi. E por fim, vou indicar o longa The Rescue, sobre os meninos que ficaram presos na caverna da Tailândia, acho que está no mais alto nível do documentário, feito de uma forma diferente do usual.