Análise | A 5ª temporada de "O Urso" precisa ser a última
- Filipe Chaves
- há 7 dias
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Com o anúncio da renovação oficial, resolvi analisar os erros e acertos da série durante seus quatro anos.

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Depois de duas temporadas iniciais espetaculares, O Urso decaiu bastante em seu 3º ano e voltou aos eixos neste 4º que estreou agora, mas mostrou que não tem fôlego para muito mais. Quando estreou quietinha lá em 2022, não demorou muito para ser descoberta pela audiência após a aclamação da crítica especializada e muita gente ficou viciada na história do chef que volta para tentar salvar uma lanchonete herdada do falecido irmão. Os episódios agitados de meia hora, equilibrados com a tensão de comandar uma cozinha profissional – ou semiprofissional, na época – com personagens carismáticos e complexos foi a receita para o sucesso. Tinha seus momentos de comédia, mas a veia dramática sempre foi muito mais forte, e essa intensidade era sentida para além do roteiro. A direção deixava a adrenalina no teto e o perfeito exemplo disso é o irretocável sétimo episódio “Review”. A temporada encerra com um belíssimo e emocionante monólogo de Carmy, o protagonista de Jeremy Allen White.
Neste ano de estreia, o foco é mais nele e em Syd (Ayo Edebiri), a relação dos dois – uma coisa meio Peggy/Don em Mad Men – e como ela é construída naquele ambiente, que já abria espaço para debater temas como luto e saúde mental, que são dois pontos basilares. A série ganhou o Emmy de Melhor Comédia e aflorou o debate: afinal, O Urso é uma comédia ou um drama de episódios de meia hora? Isto poderia render até outra análise, mas na minha visão, foi um dos motivos da queda de qualidade que falarei mais a frente.
A 2ª temporada teve mais episódios e investiu seu tempo em expandir a história principal, desenvolvendo mais os coadjuvantes, como Marcus (L-Boy) e o primo Richie (Ebon Moss-Bachrach). Quando Carmy quis transformar a lanchonete em um restaurante, foi a deixa perfeita para a evolução da trama andar de mãos dadas com os personagens. A equipe precisava ser aprimorada e mesmo que Tina (Liza Colón-Zayas) e Ebra (Edwin Lee Gibson) não tenham – até então, pelo menos – episódios individuais como os fantásticos “Honeydew” e “Forks”, seus arcos também avançaram. A complexa relação de Syd e Carmy também ganha mais nuance, enquanto a cabeça do rapaz não consegue encontrar a estabilidade de comandar um restaurante e ter um relacionamento amoroso com Claire (Molly Gordon), seu amor de infância.
É com “Fishes”, outro memorável episódio que adentramos de vez no caos da família Berzatto, físico e mental. Carmy, Michael (Jon Bernthal) e Nat (Abby Elliott) – que ganha mais visibilidade neste 2º ano – são colocados no olho do furacão de um jantar familiar liderado por sua mãe, Donna, interpretada por ninguém menos que Jamie Lee Curtis. O episódio e a temporada são recheados de participações especiais surpresas que serviam realmente a propósitos narrativos para além do choque. É uma temporada que conseguiu deixar o que funcionava no ano anterior ainda mais impressionante e elevou a série a outro patamar, como uma das melhores da atualidade.

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Com O Urso no auge, a 3ª temporada estava rodeada de expectativas e, naturalmente, Christopher Storer, o criador da série, quis expandir ainda mais a série, o que não deu certo. Gosto bastante do primeiro episódio, silencioso, mas perturbador, ainda com o peso da morte de Michael sobre Carmy. No entanto, com exceção de mais dois belos episódios isolados, os ótimos “Napkins” e “Ice Chips”, desta vez focados em Tina e Nat, respectivamente, a série parecia estagnada e todos os outros sete episódios pareciam os mesmos. Carmy e Richie passaram a temporada toda com exaustivas discussões que partiam do nada a lugar algum e colocou em jogo a evolução de ambos, assim como o restaurante, que só apresentava mais problemas. Syd teve um arco iniciado, mas que só foi realmente desenvolvido de fato na temporada seguinte.
O debate “é drama ou comédia” afetou a série como nunca e as tentativas de humor soaram forçadas, desesperadas e desnecessárias, perdendo qualquer sutileza e parecendo existir apenas para tentar manter-se na categoria de comédias do Emmy. O último episódio é um desastre, onde há uma reunião de chefs reais que pareciam não saber o que fazer diante das câmeras – e não têm que saber mesmo porque não são atores, então a culpa é de quem os colocou lá – e tudo parecia o mais engessado possível, com diálogos vergonhosos. E o estopim do enredo de Carmy com seu ex-chefe abusivo também não ajudou nada. Clichê do clichê. Todo mundo sabia que O Urso era capaz de mais.
Felizmente, a 4ª temporada, que estreou semana passada no Disney+, parecia ciente dos erros da anterior e estava disposta a consertá-los. Storer deixou a trama principal mais centrada – mesmo pouco avançando – e conseguiu evoluir os personagens em consonância, exaltando o laço que une aquelas pessoas, seja de maneira mais intimista como no excelente episódio focado em Syd, intitulado “Worms”, ou de maneira mais expansiva como em “Bears”, a sétima hora que foi uma excelente quebra de expectativa. É óbvio que estávamos esperando o mais absoluto caos quando se sabia que a família estaria reunida em um só local – desta vez um casamento –, mas o que recebemos foi uma hora muito comovente que soou quase como um abraço.
A temporada deixa a desejar com Tina, que mal teve um arco para chamar de seu, e com Claire, que a esta altura já deveria ter se mostrado menos perfeita e é isso que dificulta o envolvimento com a personagem individualmente. O casal não me incomoda e é bom ver Carmy finalmente resolvendo suas questões, seja com ela ou com sua mãe, principalmente. O último episódio é justamente sobre isso: colocar os pingos nos is, mas agora com os outros coprotagonistas, Syd e Richie. Se passa em um único cenário onde os três expõem tudo e é o mais caótico que chegamos perto. A decisão de Carmy de partir é uma ótima deixa para uma eventual última temporada, assim como a expansão da franquia pode ser um ponto chave para quem fica no restaurante – em uma trama onde Ebra teve a chance de brilhar, o que foi bastante satisfatório.
A produção acaba de ser renovada para o seu 5º ano, ainda sem anúncio que seja o derradeiro, mas o terreno está preparado, e por mais que eu ame os episódios isolados da série, não dá para se valer só deles para manter no ar se não houver um propósito para que eles existam. Concentrar-se em contar uma boa história que sabia para onde ir parecia claro nos anos iniciais, mesmo com o desvio no 3º, o 4º reacendeu a chama do que parece ser uma direção para o fim e o que não pode acontecer é transformar uma série tão promissora, que não tinha essa pretensão, de ser apenas mais uma sobre um ambiente de trabalho, que se contenta em repetir o que deu certo no passado. É melhor terminar cedo e figurar entre as grandes do que ser engolida e cair no esquecimento.