top of page
Background.png

Crítica | Cloud – Nuvem de Vingança (Olhar de Cinema 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 12 de jun.
  • 3 min de leitura

Em thriller mundano que escancara as mazelas do capitalismo tardio, Kiyoshi Kurosawa ancora seus pés na realidade japonesa sem deixar de lado o cinema de gênero.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

Filme de abertura da 14ª edição do festival Olhar de Cinema, em Curitiba, Cloud – Nuvem de Vingança foi uma das três produções dirigidas por Kiyoshi Kurosawa no ano 2024 e a escolha do Japão para representar o país na última edição do Oscar, embora não tenha sido indicado. Uma escolha aparentemente curiosa, considerando que o filme é um exercício do cinema de gênero com o qual Kurosawa tem sido fortemente atrelado ao longo da sua prolífica carreira. Entretanto, trata-se de um cinema de gênero que, nas palavras dirigidas pelo diretor ao público antes da exibição, escancara uma realidade comum a muitos japoneses: a revenda de produtos ilegais na internet.


Afinal de contas, é disso que vive o protagonista, Ryosuke Yoshii (Masaki Suda). Mesmo com um emprego aparentemente estável numa fábrica – onde seu chefe, Takamoto (Yoshiyoshi Arakawa), o estimula a ascender na carreira – Ryosuke foi, como tantos de sua geração, completamente tragado pela mentalidade do “ser empreendedor de si mesmo”, advinda do neoliberalismo e do capitalismo tardio. Contando com o apoio da sua namorada Akiko (Kotone Furukawa), ele investe cada vez mais em seus esquemas, até que os frutos destes se voltam contra ele na forma de vinganças por parte de figuras misteriosas que, uma vez reveladas, se mostram diretamente conectadas a ele.


Há dois filmes um tanto diferentes em Cloud, mas isso não é de forma alguma um demérito, pois estão intimamente entrelaçados pela condução vigorosa da mise-en-scène por parte de Kurosawa. Na primeira metade, o diretor traz seus comentários ácidos sobre o neoliberalismo de maneira mais direta (mas nunca didática), encenando a rotina de “golpes” do protagonista com um aspecto extremamente ordinário e calcado na realidade. Entretanto, a construção gradual do terror imprimido por essas figuras misteriosas faz com que o longa assuma uma dimensão psicológica que é por vezes angustiante e digna dos melhores filmes de horror que o diretor fez no passado – a sequência no ônibus é um exemplo perfeito disso. A decisão de manter o(s) antagonista(s) fora de campo, adiando a revelação da identidade dele(s), sustenta ainda mais o clima de inquietação e ambiguidade da obra.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

Quando Kurosawa enfim revela quem está por trás dos ataques a Ryosuke, temi por um instante que a premissa do filme se esvaziasse rapidamente, mas o diretor é inteligente (e corajoso) o suficiente para dar um giro de 180º na trama sem, no entanto, tirar os pés deste mundo diegético. Ao fazer os antagonistas serem revelados pelo campo, Cloud expõe ainda mais o quanto estas figuras são ordinárias em suas concepções e motivações. De alguma forma, entretanto, isso impulsiona o filme a ser cada vez menos ordinário, com Kurosawa deixando o terror de lado para abraçar de vez o suspense e até mesmo a ação, como mostrado no ato final, ambientado numa fábrica abandonada (os cenários aqui têm sempre muito a dizer) e abandonando também o silêncio opressivo da primeira metade para uma cacofonia de tiros, gritos e sons metálicos. Há até toques de comédia, porque o filme se entrega a um certo absurdo que, de alguma forma, nunca parece muito longe da realidade. 


Sou um grande entusiasta de obras que são capazes de mudar significativamente de tom e gênero, mas é preciso muita segurança e controle sobre a mise-en-scène para que essa mudança tonal não faça o filme se perder, e felizmente este é o caso de Cloud. Até as revelações sobre o enigmático assistente de Ryosuke, Sano (Daiken Okudaira), casam organicamente com este universo, especialmente pela sua última cena com o protagonista, que carrega uma certa estilização na superfície bastante destoante do restante da obra, mas que pela troca de diálogos entre ambos também se justifica. No fim das contas, não temos monstros, espíritos ou demônios para assombrar Ryosuke (ou talvez tenhamos, porque o filme nunca nega uma certa ambiguidade): apenas o bom e velho capitalismo na sua forma mais sórdida e inumana, sugando tudo de todos para que a roda possa girar. Que Kurosawa nos mostre isso através da tensão, da violência e até do riso é um dos melhores atestados da inteligência do cinema de gênero que pude ver nos últimos tempos.


Nota: 4/5



bottom of page