Crítica | Explode São Paulo, Gil (Olhar de Cinema 2025)
- Vinicius Oliveira
- 16 de jun.
- 2 min de leitura
Quando uma personagem é muito maior do que seu filme.

Na primeira vez em que vemos a protagonista de Explode São Paulo, Gil cantar, ela está num karaokê – um cenário mais que propício para o universo da obra. Seu microfone não está muito bom, mal ouvimos sua voz, mas então de repente... a vemos e ouvimos cantando a plenos pulmões Maluco Beleza de Raul Seixas, e o deslumbramento de todos ali é nítido. Um homem se aproxima e oferece uma bebida a ela, abraçando-a, e um coro se forma para entoar os versos junto com ela. Naquele instante entendemos: existe algo de mágico em Gil, aquela mulher pequena e franzina, e sobretudo em sua voz.
Documentários podem retratar os mais diversos tipos de personagens, mas tenho um carinho por aqueles que conseguem extrair o extraordinário de pessoas aparentemente tão ordinárias. Em Edifício Master, por exemplo, Eduardo Coutinho pega um prédio qualquer do Rio de Janeiro e consegue construir um microcosmo do Brasil a partir das figuras singulares que encontra lá. Gil é, sob muitos aspectos, bastante singular, como ela própria já faz questão de frisar ao se apresentar: imigrante goiana, faxineira, sapatão, poeta e cantora. A música faz parte do DNA desta mulher tão única, e vê-la performar para a câmera, seja em momentos mais “autênticos” ou naqueles mais encenados, é um deleite, assim como nos assustamos e sofremos ao vê-la ter um ataque de epilepsia em cena, e como isso afeta sua memória e a própria relação que ela vinha construindo com a música até ali.

Justamente por isso, é frustrante ver como a direção de Maria Clara Escobar passa um bom tempo ainda incerta sobre como exatamente quer abordar a protagonista. Há uma instabilidade nítida na primeira parte do filme, a começar pela abertura com o monólogo de Gilda Tonacce, que atende à essa proposta um tanto docuficcional e experimental do filme, mas soa bastante deslocada ao postergar a entrada de uma figura muito mais interessante como a da própria Gil. Mesmo quando esta entra em cena, essa incerteza paira sobre o longa, e é justamente a partir da cena do karaokê que ele se encontra junto à sua personagem. Ainda assim, esta instabilidade está presente em outros momentos (como nas breves sequências em Brasília), de modo que é difícil fugir a esta primeira impressão de que o filme não sabe o que fazer com um material (e um sujeito) tão rico.
No fim, o grande mérito de Explode São Paulo, Gil é em não reduzir sua protagonista a uma caricatura mesmo quando tudo à sua volta parece um tanto caricatural, tampouco ridicularizá-la. Há carinho e admiração por esta figura, mas o filme demora a indicar que este será o caminho, preferindo abrir espaço para uma experimentação e um processo de tentativa e erro que, no entanto, priva muito de nosso maior apreço pela obra. Acaba caindo mais sobre as costas da própria Gil a tarefa de nos conquistar, e apesar dos tropeços do longa, isso é feito. O próximo passo? Procurar seu álbum no Spotify.
Nota: 3/5