top of page
Background.png

Crítica | Atena

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 1 de ago.
  • 4 min de leitura

Fetichismo reacionário disfarçado de denúncia.

ree

Divulgação


Filmes de vingança, em particular aqueles protagonizados por personagens femininas, são um interessante meio de se analisar as mudanças no olhar cinematográfico após o Me Too. Se antes essas obras não se acanhariam em trazer cenas gráficas (principalmente aquelas envolvendo estupro e violência de gênero) para justificar as jornadas de suas protagonistas, há uma nova perspectiva que rejeita esse teor explícito em favor de outras abordagens. Não que exista uma forma certa ou errada de se abordar essas temáticas, mas a pergunta que pode ser levantada a partir dessas obras: o que acontece quando um filme, na tentativa de expor um problema, o fetichiza através da câmera?


No papel, Atena, de Caco Souza, parece denunciar não só a amplitude da violência de gênero, do abuso e do feminicídio, como também o descaso das instituições em proteger as mulheres vítimas dessa violência. Para o filme, se o sistema falha para com essas mulheres, resta a vigilância, expressa aqui na figura da personagem que dá nome ao filme, interpretada por Mel Lisboa. Caçando e matando estupradores em Gramado, ela descobre, através de um jornalista (Thiago Fragoso), a localização do seu próprio abusador – seu pai –, o que a leva numa jornada de vingança pessoal, mesmo em meio aos seus próprios traumas.


Na prática, porém, o tom denuncista do filme resvala numa série de escolhas narrativas e estéticas que não só minam qualquer potencial da obra, como jogam completamente contra ele. Voltando à pergunta levantada no primeiro parágrafo, fica evidente ao longo dos seus 85 minutos de duração o quanto Atena aposta no espetáculo e no fetichismo para discutir seu tema. Mesmo que não ache que um filme que discuta a problemática da violência de gênero só vai ser bom se necessariamente for dirigido por uma mulher, aqui temos uma obra encharcada do infame male gaze: a representação das violências sofridas pelas mulheres, com uma câmera que quer porque quer mostrá-las sendo agredidas, xingadas e mortas das mais variadas maneiras possíveis; os personagens todos caricaturais, mas em especial os masculinos, tratados como seres monstruosos de uma nota só que existem apenas para bater, abusar e matar de suas parceiras; o roteiro que quer enfiar xingamentos misóginos a todo instante, numa tentativa de reforçar seu ponto, mas que acaba descambando para a própria misoginia que diz criticar.


Não ajuda que o filme é sustentado por um fiapo de narrativa, onde nenhuma das diversas temáticas que tenta convergir é minimamente desenvolvida. Se a exploração da violência é fetichista, o discurso de descaso das instituições é quase reacionário, e o filme até se aproxima de obras conservadoras como O Som da Liberdade ao citar redes de pedofilia, tráfico sexual e prostituição infantil. Mas nem isso é explorado, sendo apenas um dos muitos pontos jogados ao longo do filme, assim como é a figura misteriosa que aparece na abertura do filme e ajuda Atena em determinada situação, depois saindo de cena como se nunca estivesse lá. O jornalista de Fragoso (numa atuação canastrona que chega ser vergonhosa) é uma mera muleta narrativa que consome tempo de tela enquanto o filme parece indeciso sobre o que fazer com a jornada da protagonista, até enfim optar pela sua vingança pessoal no último ato.


ree

Divulgação


Para piorar, o longa parece inacabado em diversos pontos, em especial na mixagem de som irregular, que oscila em diversos momentos para engolir as vozes dos personagens pela trilha sonora. Esta, inclusive, herda diretamente os piores vícios das trilhas inspiradas pelo trabalho de Hans Zimmer em A Origem, e compromete sensivelmente o tom de várias cenas ao ponto de momentos que deveriam soar sérios ou tensos se tornarem apenas risíveis pelos acordes desenfreados de cordas e elementos do jazz. A fotografia escurecida desfavorece a compreensão de várias cenas – isso quando não faz de várias delas, como as do jantar do vilão com sua família, algo semelhante a propagandas do governo federal –, enquanto a montagem não consegue imprimir um ritmo coerente ao filme, com a inserção óbvia dos flashbacks de Atena que aludem ao seu abuso, nos cortes que prejudicam as poucas cenas de ação ou na incapacidade de encaixar os diferentes núcleos que, no fim das contas, apenas incham um filme que já parece longo demais para uma produção de menos de 90 minutos de duração.


Infelizmente, apesar das suas boas intenções, Atena sofre de uma direção precária que não consegue articular os diversos elementos estéticos e formais, resultando numa produção confusa e que já nasceu datada, remetendo aos filmes de vingança (mais especificamente os revenge porn) nos piores sentidos possíveis. Se há alguma lição a ser tirada daqui, é que o fetichismo nunca foi e continua não sendo o melhor caminho possível para se discutir temas importantes, especialmente quando tal fetichismo aponta mais para um reacionarismo e misoginia que deveriam estar “apenas” no problema da violência de gênero, e não também no saldo final do filme que tenta criticá-la.


Nota: 1/5 

bottom of page