Crítica | Chefe de Guerra - 1ª temporada
- Filipe Chaves
- 8 de ago.
- 4 min de leitura
O que falta no drama, é compensado na ação e no mergulho na cultura havaiana.

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A nova série do Apple TV+ acompanha a épica história da colonização e unificação do Havaí no século 18. O protagonista é Ka’iana, interpretado por Jason Momoa – que também co-escreve todos os episódios com Thomas Pa'a Sibbett e oito deles com Doug Jung –, um chefe guerreiro que reluta, a princípio, na missão monumental de unir sua terra natal, enquanto a luta pelo poder irrompe os quatro reinos. Baseada na história real, é notório como os fatos agregam à trama, mas a dramatização não sai muito do lugar comum. Então, é nos combates que a força da série reside, não só pela espetacularização das coisas, mas é quando os personagens mostram finalmente o que tanto falam: ganância e brutalidade.
De início, quando as peças são postas no tabuleiro já é perceptível o tom que enredo vai adotar, com as alianças, intrigas e traições tomando forma, o que deixa impossível não lembrar de Shogun, além, claro, da introdução do homem branco na história. Pode dar a impressão que vá abordar coisas demais e não dê conta de tudo, mas o problema maior neste aspecto, é que os arcos dramáticos e políticos são superficiais. Eles existem, são bem apresentados, mas pouco aprofundados. No entanto, a rica cultura havaiana ganha forma seja no misticismo, nos costumes, figurinos ou nas armas manuais. O design de produção é de encher os olhos e agrega muito à imersão da época dando identidade à série. 80% das gravações ocorreram na Nova Zelândia e 20% no Havaí, e a utilização dos cenários reais faz uma diferença enorme aqui. O verde predominante contrastando com as cores quentes das roupas é um estímulo visual e o uso da luz solar natural em diversas cenas é de uma beleza ímpar. A linguagem nativa, claro, é um ponto chave e eu gostaria que tivesse sido mais presente no decorrer da temporada. Sabemos que os estadunidenses têm problemas de leitura com legendas, então o inglês vai predominando cada vez mais, até quando não cabe. Como, por exemplo, em cenas íntimas entre dois personagens havaianos.

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E falando neles, Ka’iana é o típico herói que reluta com o que lhe foi pedido, até que se afasta e volta para sua missão com uma cabeça mais formada, digamos assim. Jason Momoa está ótimo no papel, e esta é a sua melhor atuação até então. Ele dosa os momentos mais vulneráveis com a visceralidade de forma muito crível. Ka’ahumanu é interpretada pela ótima Luciane Buchman e é através dela que se levanta o debate sobre o casamento arranjado e a liberdade feminina na época. As mulheres lutam em meio aos homens nas batalhas, mas ainda assim há limites impostos do que elas podem ou não fazer. Ela se casa com Kamehameha (Kaina Makua) – sim, fãs de Dragon Ball Z, eu também ri –, que preza por uma pacificidade utópica, já que Keoua (Cliff Curtis, fantástico) ou Kahekili (Temuera Morrison), reis inimigos, não estão nada interessados nesta paz. O roteiro é maniqueísta ao tratá-los como vilões apenas, mas eles assumem muito bem este papel. A família de Ka’iana também se destaca, como sua esposa Kupuohi (Te Ao O’Hinepehinga Rauna), seus irmãos Nãmake (Te Kohe Tuhaka) e Nãhi (Siua Ikale’o), e a irmã de Kupuohi, Heke (Mainei Kinimaka). Todos têm arcos que definem suas personalidades e o laço entre eles é bem estabelecido, mas não arranha muito a superfície da previsibilidade do que já vimos em outras produções parecidas, então é mais fácil se apegar a eles pelo carisma, do que pelo desenvolvimento, ainda que isso impeça uma conexão emocional maior. As performances de Momoa, Buchman e Curtis se sobressaem, mas no geral, o elenco, composto em sua grande maioria por atores de ascendência havaiana, é muito competente.
Se o drama não consegue ir além de lugares já conhecidos e o texto é um tanto didático e expositivo, a ação supre esta falta com maestria. A série não tem qualquer pudor em ser brutal ou extremamente violenta, o que é essencial para que a narrativa ganhe o peso necessário. Ainda que seja gráfica, há uma certa elegância no que escolhe mostrar ou não, com uma direção eficaz dando o impacto que a sequência pede. As lutas são muito bem coreografadas e mesmo com uma grande quantidade de figurantes, cada pessoa ali tem seu momento de brilhar sem que os combates parem ao redor. Assim como em Shogun ou Game of Thrones, há a promessa de uma grande batalha desde o começo e as expectativas são devidamente atendidas. Acontece no último episódio da temporada – dirigido por Momoa –, que é um dos melhores do ano. Um espetáculo grandioso e catártico que em nada fica devendo aos combates cinematográficos. Não posso falar muito porque spoilers estão sob embargo, mas é uma das maiores sequências televisivas que eu já vi onde as emoções estão à flor da pele e o que é épico atinge um novo parâmetro. É justamente ela que faz a série se sobressair e os ganchos deixados para a 2ª temporada são absolutamente promissores. Não sei se já há uma renovação oficial, mas a intenção fica clara na própria história. E eu não vejo a hora.
Nota: 3,5/5