Crítica | Eddington (Mostra de SP 2025)
- Vinicius Oliveira

- há 7 dias
- 3 min de leitura
Ari Aster abdica da sua perversidade para falar do real em uma sátira que já nasceu cansada

Foto: Reprodução
Tenho cada vez mais a impressão de que, na ânsia de discutir certas temáticas ainda muito recentes e frescas nas nossas memórias, alguns realizadores metem os pés pelas mãos e prejudicam seus próprios olhares sobre os eventos. Qual o distanciamento temporal necessário para capturar as nuances de certos personagens e eventos? Quantos anos precisam se passar para que tenhamos saído do olho do furacão e possamos ver o quadro geral (ou tão geral quanto possível) sobre aquele fenômeno? Quais abordagens casam mais para dar conta dessa proposta? São perguntas que me surgiram conforme assistia Eddington, ambientado na cidadezinha homônima no Novo México em maio de 2020, durante a pandemia da covid-19.
Até aqui, Ari Aster tem construído uma carreira divisiva, para dizer o mínimo. À aclamação de Hereditário (da qual eu não partilho) se seguiu reações um tanto mais polarizadas com Midsommar, as quais só se intensificaram com Beau Tem Medo. Desde seu lançamento em Cannes, Eddington partilhou do mesmo tipo de polarização, o que chega a ser irônico considerando que o filme mergulha – ou tenta mergulhar – na própria polarização político-ideológica que vem atingindo os EUA e o mundo nos últimos anos e só se agravou com a pandemia.
Para tratar dessa questão, Aster se afasta do terror psicológico de seus longas anteriores para explorar os códigos do faroeste sob um viés contemporâneo. Atualizam-se figuras como a do xerife, dos nativos, do proprietário corrupto de terras e mais dentro desse contexto pandêmico, que se entrelaça ainda por cima com o assassinato de George Floyd, a culpabilização do movimento ANTIFA e diversos outros tópicos. E se parece muita coisa, é porque é.
Aster tenta dar conta de todo um macrocosmo em suas duas horas e meia de filme, mas surpreendentemente toma o caminho mais seguro, apostando num viés mais satírico e cômico conforme traz seus típicos personagens perturbados, que aqui são regidos pela verdade em que querem acreditar. Seja o xerife Joe (Joaquin Phoenix) usando o relacionamento anterior de sua esposa Louise (Emma Stone) e o prefeito Ted (Pedro Pascal) para alavancar sua plataforma política; sua sogra Dawn (Deirdre O’Connell) completamente engolido por teorias conspiracionistas; a própria Lou conforme é seduzida pelos discursos do misterioso Vernon (Austin Butler); o jovem Brian (Cameron Mann) cujas ideologias seguem apenas o vento, ou seus interesses numa jovem militante. Todos acreditam em algo, porque precisam acreditar neste mundo louco.

Foto: Reprodução
O grande problema de Eddington é que, ao escolher o caminho mais cômodo – e, portanto, distante das habituais características tresloucadas da sua filmografia –, ele não consegue nos dizer que já não vejamos todos os dias nos noticiários, nas mídias sociais, na boca daquele parente bolsonarista e conservador. Há algum ensaio de que a obra tome caminhos mais obscuros com a introdução de Vernon, mas no fim das contas Butler é tão subutilizado (assim como Stone) que essa sugestão logo desaparece. O longa opta pela sátira, mas no fim das contas apenas mostra algo que já nos é cotidiano nessa realidade que há muito tempo superou os absurdos da ficção. Assim, por mais bem encenado que seja, ele já nasce datado, extraindo de nós nada mais que a indiferença na maior parte do tempo.
Isso é (em partes) contornado na hora final, onde uma cadeia de eventos iniciada por Joe enfim leva o longa a lugares mais absurdos e estranhos, tal qual esperaríamos de um diretor com a filmografia de Aster. É como se ele decidisse que é hora de superar a realidade, de abraçar por completo o absurdo, e nesse sentido até os códigos do faroeste (em particular o cerco, o tiroteio na cidade vazia) são usados com maior controle e segurança. Há espaço até para uma piada quase profética com a figura de Charlie Kirk, mas até que chegamos a essa reta final mais inspirada tem-se quase uma hora e meia bastante tépida e insossa.
É uma pena que, no filme em que mais poderia abraçar todo o seu lado perverso, misantropo e desenfreado, Ari Aster escolha fazer justamente sua obra mais contida e “normal”. Esses elementos até se fazem presentes, mesmo antes do filme adentrar seu clímax violento, mas não é o suficiente para fazerem de Eddington a produção contundente e marcante sobre a COVID-19 e as loucuras dos nossos tempos que ela almeja ser. A realidade se tornou mais estranha que a ficção, e evidentemente isso mostra que há um problema com essa realidade, mas também não significa que a ficção não disponha da imaginação e dos meios para abraçar e discutir essa estranheza.
Nota: 2.5/5





