top of page
Background.png

Crítica | No Other Choice (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • há 1 dia
  • 3 min de leitura

Park Chan-Wook brinca com a forma e os gêneros em sátira insana e hilária sobre o capitalismo tardio

ree

Foto: Reprodução


Nas críticas que escrevi para Eddington e Bugonia para a Mostra, comentei de um perceptível problema do cinema contemporâneo mainstream em não conseguir retratar os absurdos da nossa realidade num cenário como o do capitalismo tardio imiscuído com a ascensão da extrema-direita. Uma abordagem controlada, calculada e “pé-no-chão” não consegue dar conta do que é viver num mundo de profissões cada vez mais precarizadas, discursos coach com elementos quase religiosos, mídias sociais desregulamentadas e onde se é preciso fazer de tudo para sobreviver.


Felizmente, há Park Chan-Wook para se mostrar quais possibilidades o cinema pode abraçar para retratar tempos tão loucos. Vindo de uma das melhores fases da sua carreira, após A Criada e Decisão de Partir (filme este que considero top 3 da década), ele faz de No Other Choice uma sátira tresloucada ao capitalismo tardio que emprega seu habitual domínio de gêneros cinematográficos e do seu caráter cada vez mais exploratório da forma fílmica.


Temos na trama Yoo Man-soo (Lee Byung-hun), cujo trabalho como gerente de uma companhia de papéis permitiu construir um padrão de vida mais que confortável ao lado da esposa Lee Mi-ri (Son Eon-jin) e os filhos. Mas quando ele é subitamente demitido e se encontra sem perspectivas de um novo emprego que o ajude a sustentar esse padrão de vida, Man-soo logo cai numa espiral que o leva a elaborar um plano nada mais que insano: forjar um anúncio de vaga com requisitos que ele atende para identificar potenciais concorrentes e matá-los antes que tomem o emprego que agora almeja.

ree

Foto: Reprodução


O absurdo da premissa, por si só, já é atrativo o suficiente, mas Chan-Wook não hesita em dobrar a aposta conforme leva o filme a lugares cada vez mais inesperados. Desde seu começo, No Other Choice está encharcado de um humor sombrio que se alterna com elementos de thriller e sátira. O resultado é um filme que ora nos faz rir de nervoso ora nos leva às maiores gargalhadas – talvez em nenhuma outra sessão da Mostra tenha se ouvido tantas risadas coletivas, especialmente na sequência em que Man-soo tenta assassinar um dos rivais que acabou de descobrir que está sendo traído pela esposa.


Ainda que em determinadas ocasiões as críticas ao capitalismo tardio possam soar óbvias ou engessadas, Chan-Wook encontra na forma a maneira de elevar a crítica e investir na sátira sem receio ou se apegando meramente ao cinismo. O uso das telas de smartphones, tablets, computadores e etc. (nenhum diretor atualmente sabe incorporar tão bem a tecnologia aos seus filmes como Chan-Wook; os travellings, fusões e transições de tela sempre mais imprevisíveis que o antecessor; a montagem frenética e caótica, com cortes fundamentais para ampliar este humor sombrio; a trilha sonora bombástica e tensa, ideal para as muitas mudanças de humor que a obra vai trazendo; e muito mais. Mesmo quando o filme ameaça se perder, é visível a retomada de controle por parte do seu diretor.


O mais cômico – e ao mesmo tempo trágico – é que tudo que Man-soo faz é apenas para voltar a ser gerente. As ambições do personagem são tão limitadas que é de se perguntar como alguém pode ir tão longe por um cargo intermediário. Mas num mundo onde as pessoas estão dispostas a tudo por um mínimo de alcance e engajamento nas redes sociais, será a jornada do nosso protagonista tão absurda assim? É a pulga atrás da orelha que Park Chan-Wook nos deixa, conforme nos brinda com um dos seus filmes mais selvagens e ácidos. Pode não ser o melhor da sua carreira, mas certamente figurará como um de seus mais divertidos – e um destaque absoluto da Mostra.


Nota: 4.5/5 

bottom of page