Crítica | Paterno
- Caio Augusto
- 5 de ago.
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Um retrato poderoso da elite que implode por dentro.

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O filme Paterno, com direção de Marcelo Lordello, chega às telonas no dia 7 de agosto. A obra é uma produção de Plano 9 e Trincheira Filmes, em coprodução com a empresa francesa Caravan Pass, e conta com distribuição da ArtHouse e Filmes do Estação. O longa foi exibido em diversos eventos do cinema nacional. Ele integrou a Mostra Competitiva Internacional do 11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, foi selecionado para a Competitiva do 25º Festival do Rio, fez parte da programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi reconhecido com o Prêmio da Crítica no 17º Fest Aruanda.
Sérgio (Marco Ricca) atua como arquiteto na empresa de seu pai, onde também trabalha ao lado do irmão. A companhia está envolvida na aquisição de imóveis em uma área de Recife, com o objetivo de viabilizar a construção de um grande projeto assim que todas as casas de um determinado quadrante forem compradas. Para facilitar as negociações, Sérgio se passa por corretor e utiliza um funcionário como suposto comprador interessado. A estratégia é evitar que os moradores descubram os verdadeiros planos para a região, o que poderia levar parte deles a pedir valores mais altos pelas propriedades e outra parte a se recusar a vender, alegando razões de preservação. Como se trata de uma área aparentemente de baixa renda e os planos indicam grandes transformações, tudo aponta para o início de um processo de gentrificação.
Antes de tudo, precisamos discutir o contexto de produção do filme: Paterno, dirigido por Marcelo Lordello, foi rodado em 2017 (governo Temer), em meio a um contexto de enfraquecimento das políticas públicas de fomento à cultura, anterior a pandemia. A finalização só foi possível em 2021 (governo Bolsonaro), e a obra começou a circular pelos festivais em 2022 (governo Bolsonaro). No entanto, sua estreia nos cinemas ocorre apenas em 7 de agosto de 2025 (governo Lula), ou seja, o filme atravessou três presidentes nesses 8 anos entre as filmagens e a chegada ao circuito comercial.
Com todo esse contexto, é inevitável imaginar se trata de uma obra datada politicamente, mas felizmente o filme consegue funcionar com seus temas para além de uma cápsula do tempo. Isso se deve à abordagem sofisticada com que o diretor e os roteiristas constroem sua narrativa: o filme mergulha em temas profundamente enraizados na realidade brasileira, e não se limita a refletir aquele momento. Seu foco está menos em retratar eventos pontuais e mais em explorar mecanismos estruturais que seguem ativos: a perpetuação de elites econômicas, os jogos de poder dentro das famílias empresariais, o uso estratégico da influência política, e o conflito geracional em meio à decadência moral. Essas dinâmicas fazem com que o filme dialogue com o hoje, ainda que tenha sido finalizado anos atrás.
Além disso, o filme ainda pode ser encaixado numa espécie de sub-gênero do cinema de Recife, junto de filmes como Aquarius, Fim de Festa, Um Lugar ao Sol, por tratarem de temas como território e coronelismo. Mas Paterno possui uma identidade própria, principalmente por apontar a câmera pra quem faz parte do próprio sistema da especulação imobiliária. Representado pelo personagem Sérgio, vivido por Marco Ricca, um personagem complexo e multifacetado que acaba se revelando um homem atormentado, narcisista e corroído por frustrações pessoais e familiares. Sérgio é obcecado pelo sucesso e pelo reconhecimento, mas vive à sombra de figuras masculinas com quem mantém relações tensas: o pai, Heitor, doente e distante; O irmão, mais direto e implacável na condução dos negócios; O filho, Tomás, um jovem que enxerga com clareza as contradições e o desgaste moral da família, enquanto Sérgio não o vê como herdeiro ou continuidade da família, mas sim como um espelho incômodo de sua própria instabilidade e fracasso e de um passado progressista que volta e meia surge para o protagonista.

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Marcelo Lordello adota uma abordagem estética que reforça o caráter solitário de seu protagonista ao manter a câmera constantemente colada ao rosto e ao corpo de Sérgio. Essa escolha de mise-en-scène cria uma sensação de clausura e sufocamento, isolando o personagem dentro do quadro e sugerindo, visualmente, o aprisionamento emocional em que ele se encontra. Tudo gira em torno de Sérgio, e mesmo assim ele parece sempre deslocado, incomodado, preso dentro de si, e isso é evidenciado muito bem nas cenas dentro do carro em que volta e meia o personagem precisa enfrentar o trânsito do Recife.
É um filme com um grande elenco masculino que trata justamente sobre um patriarcado em crise, por isso gostaria de destacar a presença das personagens femininas do filme, com destaque para personagem da Rejane Faria, que demonstram maior clareza em relação aos seus desejos e objetivos, além de saberem como alcançá-los de forma mais direta. Em contraste, os homens, marcados por corrupção ou covardia, dependem de caminhos tortuosos para tentar conquistar o que almejam. Há uma dinâmica interessante nas relações estabelecidas, onde os esforços de mudança acabam apenas reiterando os mesmos padrões de falha e repetição. Isso evidencia que, enquanto o modelo tradicional de masculinidade não for repensado, as tentativas de transformação permanecerão estagnadas.
Paterno é um filme que envelhece de forma madura junto com o cinema brasileiro e se mantém contemporâneo em termos políticos e sociais. Justamente por ter uma abordagem sóbria de como a elite destrói o tecido social, no que eu pessoalmente acredito que seja um dos principais males que assola o país. Embora o filme peque um pouco em seu sentido de repetição em suas abordagens, principalmente na forma como utiliza o carro como um personagem nesse símbolo de delírio e afastamento da sociedade, o que acaba tornando o filme contido em certos aspectos, mas que, ao mesmo tempo, revela a sensação de que o personagem está preso em um ciclo repetitivo, vivendo uma rotina estável, porém sem propósito ou sentido.
Nota: 3,5/5