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Crítica | Sentimental Value (TIFF 2025)

  • Foto do escritor: Gabriel Sousa
    Gabriel Sousa
  • 4 de set.
  • 3 min de leitura

Trier faz da memória o grande palco


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Divulgação


O vencedor do Grand Prix de Cannes 2025 retrata a conturbada dinâmica entre o renomado diretor norueguês Gustav Borg e suas duas filhas. Após a morte da ex-esposa, Borg retorna à vida delas e oferece a Nora, uma de suas filhas, o papel principal em seu primeiro filme em quinze anos. Diante da recusa, ele decide escalar uma atriz norte-americana de grande popularidade, Rachel Kamp, gesto que aprofunda ainda mais o abismo na já frágil relação familiar.


Ao encerrar sua “era brat”, Charli XCX fez diversas alusões a quem poderia ocupar o mesmo espaço de impacto cultural que ela teve no verão de 2024. A frase que acabou na boca do público cinéfilo foi: “Joachim Trier Summer”. Em uma lista que incluía nomes como Cronenberg, Ari Aster, Aronofsky e Celine Song, a sensibilidade presente nos trabalhos anteriores do diretor norueguês fez a internet elegê-lo como o escolhido para representar o verão do hemisfério norte, mesmo sem que ninguém ainda tivesse assistido ao filme, cujo lançamento nos cinemas só aconteceria no outono.


Depois de ver o longa, posso afirmar que, apesar de não considerar Trier a melhor escolha para o “cargo”, especialmente em um ano de grandes surpresas como Eva Victor, Sentimental Value é um filme poderoso, capaz de marcar a vida de muitos adolescentes que provavelmente moldarão suas personalidades e escolhas a partir dele. 


Um dos grandes acertos do diretor, que já é uma marca de seu cinema, é a maneira como mistura ilusão e realidade. Elementos visuais e o próprio texto do filme exploram sua experiência como cineasta e roteirista, mostrando que o processo criativo de um artista vai além do entretenimento: é também uma forma de se expressar no mundo.


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Depois da memorável sequência de A Pior Pessoa do Mundo, na qual a personagem de Renate Reinsve percorre a cidade enquanto todos ao redor estão paralisados em busca de seu “par perfeito”, era inevitável esperar que o diretor trouxesse novas imagens impactantes. E ele não decepciona. Desta vez, o elemento central não é um personagem humano, mas sim a casa onde as protagonistas viveram a infância. Um espaço carregado de memórias, pertencente à família há gerações, e onde o patriarca deseja filmar seu novo filme. A casa funciona como personagem viva, protagonizando várias sequências de tirar o fôlego.


O elenco reúne rostos familiares no universo de Trier. Reinsve interpreta Nora, a protagonista, uma atriz que trabalha em peças de teatro; Anders Danielsen Lie surge novamente, agora como um dos atores da peça; e Inga Ibsdotter Lilleaas estreia em sua filmografia no papel da irmã de Nora, que atuou ainda criança em um dos filmes do pai, mas nunca seguiu carreira. O patriarca é vivido por Stellan Skarsgård, em uma atuação que ganha cada vez mais peso ao longo da narrativa. Há também a presença marcante de Elle Fanning como a estrela hollywoodiana em busca de um papel “sério”, o que acrescenta ao filme uma quantidade significativa de diálogos em inglês, incomum nas obras do diretor.


O roteiro, no entanto, fragmenta-se em núcleos que limitam seus personagens e interações. Em alguns momentos, o espectador se vê perdido quanto à perspectiva que está sendo acompanhada no longa como um todo. Sem dúvida, as passagens mais cômicas e carismáticas vêm da relação entre Skarsgård e Fanning, embora essa não seja a trama central. O filme se divide tanto que, às vezes, esquecemos determinados personagens, enquanto em outros pontos ansiamos para que certo núcleo volte a dominar a tela. Ainda assim, mesmo tratando diretamente do cinema, contrapondo o olhar europeu e o norte-americano, além de ironizar influenciadores, streamers e atores-produtores, o roteiro foge de clichês previsíveis, nunca deixando-nos adivinhar onde vamos a seguir.


Sentimental Value honra a filmografia de Joachim Trier, sustentando a enorme expectativa criada por fãs e curiosos em torno do conceito de “Joachim Trier Summer”. O diretor mantém sua câmera fluida e elegante, e conduz um elenco que interpreta com brilhantismo personagens que, dentro da diegese, nem sempre são bons atores. O único deslize está na falta de uma narrativa principal claramente definida: a sensação é de que Trier só percebeu, já na montagem, que Skarsgård era o verdadeiro protagonista, deixando as costuras do filme um pouco mais visíveis ao olhar atento.


Nota: 4,5/5


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