O cineasta falou sobre suas influências, Canoa Quebrada e potência do elenco em conversa exclusiva com o OP.

Divulgação
No próximo dia 13 de março chega aos cinemas de todo o Brasil o filme O Melhor Amigo, segundo longa-metragem do premiado diretor Allan Deberton (Pacarrete). Adaptado de um curta homônimo do cineasta lançado em 2013, o musical traz Vinicius Teixeira e Gabriel Fuentes nos papéis principais.
A trama se passa na praia de Canoa Quebrada, onde o reencontro entre Lucas (Vinicius Teixeira) e Felipe (Gabriel Fuentes) faz acender antigos desejos. Enquanto Lucas se joga neste paraíso solar, em busca de uma paixão ardente e incerta, Felipe, com sua presença sempre tão misteriosa, parece escorregar por entre os dedos.
Ávila Oliveira: Allan, queria começar agradecendo o seu tempo em meio às correrias de tanto trabalho. Vamos começar falando do curta-metragem de 2013. Já existia a ideia e a vontade de transformar este curta num longa quando ele foi feito ou foi uma ideia que apareceu depois. E se apareceu depois o que motivou?
Allan Deberton: Primeiro, obrigado, Ávila, pela oportunidade da entrevista. É sempre muito bom ter uma mídia especializada e temática no âmbito do cinema nordestino inclusive. O Melhor Amigo é um filme cearense, mas ao mesmo tempo eu costumo trabalhar com a equipe bastante nacional, até para potencializar mesmo esse intercâmbio cultural, que eu acho também interessante.
E a ideia do longa-metragem é uma ideia antiga. Ela surge da repercussão do curta através do seu lançamento lá em 2013, quando na época, por algum acidente, o curta foi colocado no Youtube e houve uma ampla repercussão. Foi meio instantâneo para o filme chegar a ter mais de um milhão de visualizações e uma lista de centenas de comentários. Como realizador, eu fiquei curioso sobre como e qual estava sendo a repercussão. E eu percebi que o sentimento maior era de muita simpatia com o projeto e de intimidade com a história. O público se via naquela situação e naqueles personagens, se envolvia com a trama e se colocava no lugar do protagonista em termos de sentimentos e experiências parecidas. Então foi legal perceber que o curta jogava com as particularidades dos espectadores.
E junto com isso veio também uma certa confusão, porque muita gente achava que era um pedaço de um longa, uma parte de algo que foi cortado. Tinha gente procurando o filme completo e outros comentando “ah, queria ver mais”. Enfim, eu fui muito levado pela ideia de dar uma continuidade a essa história, sabe? E como realizador mesmo até fazer um exercício de como fazer uma versão. Nesse caso fazendo uma versão de algo meu, mas ao mesmo tempo tendo como referência outro curta que circulou bastante nacionalmente e internacionalmente que foi o Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010), do Daniel Ribeiro, que inspirou o longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014). Comecei a escrever o roteiro em 2014 e por volta de 2017 eu já tinha uma versão do roteiro. Mas aí entramos naquele período político bem conturbado, já havia sido aprovado uma parte do dinheiro para o financiamento em 2019, porém tudo ficou meio nebuloso e só a partir de 2021 que a gente de fato começou o processo, em 2023 ele foi filmado e agora está sendo lançado com a distribuição da Vitrine Filmes.
Ávila: Ano passado eu tive a oportunidade de conversar com o Pedro Diogenes sobre Centro Ilusão quando ele estreou no Festival do Rio, e eu perguntei a ele sobre as referências que ele teve para o filme, porque Centro Ilusão é um musical cheio de particularidades, ele é mais intimista. E O Melhor Amigo evoca mais a ideia coletiva que se tem quando se pensa em musical, muita coreografia, muita cor, muita alegria. E eu queria saber quais foram as suas referências e influências para o filme, e qual sua relação com o gênero musical.
Allan: Eu sou um diretor que mesmo nos curtas, e especialmente em Pacarrete, que tenho como ponto de partida dos meus trabalhos uma base sonora, uma discografia. Então quando eu começo um projeto eu monto uma playlist das músicas que eu gostaria de escutar nesse projeto, e isso vai me trazendo um pouco do espírito e do tom, criando a energia da obra. E para O Melhor Amigo, entendendo que o cenário do curta gera um cenário praiano, um cenário de muitas cores, ao mesmo tempo com um público jovem, tropical e tudo mais, entendi que o longa-metragem também deveria beber das mesmas fontes, né? Eu logo vi que a música do longa-metragem era um assunto importante. Então, da mesma forma, eu comecei o projeto já preparando a seleção musical. Num segundo momento eu fui percebendo que algumas das músicas se encaixavam na narrativa e que funcionavam no contexto do filme, dentro da linguagem.
A questão da dança é algo que sempre esteve presente na minha vida. Não como bailarino, gostaria muito de ter sido, tenho até uma tatuagem na perna, mas como espectador, como apaixonado mesmo, sabe? Eu nasci em 1982 então muito do meu cinema como referência é o cinema americano mesmo que eu tinha acesso através das locadoras no interior onde eu nasci. Então Footloose, Flashdance, Dirty Dancing, e as comédias românticas e romances mais densos como Uma Linda Mulher, Proposta Indecente, enfim, eles foram uma grande escola para mim no sentido de cinema e cinema com um apelo mais popular, para um público mais comercial.
Como cineasta formado em universidade pública e entendendo o cinema brasileiro e toda a sua riqueza, especificidades e diversidade, por mais que eu tente trazer um espírito comercial para as minhas produções – por conta dessas referências antigas e latentes – eu quero também agregar no lugar estético e artístico da realidade brasileira. Então O Melhor Amigo surge dentro dessa cartilha nostálgica dos nos 80 e 90. Eu também quis trazer nomes da televisão brasileira que acho que mereciam estar de volta à tela, foi um resgate afetivo, mas também de reconhecimento pelos artistas incríveis que eles são. Eu queria tanto homenagear essas pessoas envolvidas, mas queria pegar emprestado todo o talento delas para o filme. E isso cria um espírito nostálgico de Sessão da Tarde, sabe? Eu quis criar um filme sem pretensões políticas diretas dentro de uma questão social, mas que o objetivo primário fosse a diversão.
Ávila: Como foi “cearencizar” o Vinícius e o Gabriel para o filme? Porque no trailer em que a gente vê o Gabriel cantando “Amante Profissional” dá pra perceber o bom trabalho que foi feito no sotaque dele.
Allan: Eu não queria que essa preocupação especificamente com sotaque trouxesse algum estresse ou ansiedade no processo. Eu falei para o elenco não cearense que buscasse se aprofundar no nosso jeito e na nossa forma, mas que não pirasse nisso. Até porque como falei eu gosto de expandir as abordagens e influências do filme. E por se passar em Canoa Quebrada que é um lugar bastante receptivo às diversas culturas e turistas nacionais e internacionais, é muito sincero que essa interlocução seja muito fluida. Em Canoa Quebrada você percebe que desde muito tempo os negócios de lá são negócios de turistas que se fixaram lá. Tem restaurantes de portugueses, italianos, cubanos... e quis trazer essa mistura ao filme.

Divulgação
Ávila: O cinema cearense vem ganhando mais reconhecimento e espaço Brasil e mundo afora e vem aumentando também em volume. E eu fico feliz que isso permite que artistas locais consigam mais trabalhos sem obrigatoriamente terem que sair daqui. E em O Melhor Amigo temos nomes como Solange Teixeira; a incrível Adna Oliveira que também está em Centro Ilusão e que é de uma firmeza e de um talento refinado, ela canta bem, atua bem. Tem a Mulher Barbada que por si só é um espetáculo. Eu queria saber como foi trabalhar com tantos talentos representativos e nossos neste filme que é também uma celebração cultural.
Allan: E para além desses nomes que você lembrou tem também o Denis Lacerda, que ganhou o Prêmio Multishow de Humor, Souma, Muriel da Cruz, o Walmick (de Holanda) que é um cearense radicado em São Paulo. Eu quis realmente potencializar o projeto trazendo o que há de melhor no nosso elenco local. E isso não significa que não foram testados cearenses para os protagonistas também, eu tinha um desejo de que a gente conseguisse encontrar nomes locais para os dois personagens, mas eu me vi muito bem resolvido com esse grande corpo de elenco expressivo do Ceará.
E o Gabriel Fuentes é um achado. Ele é um ator excelente e foi muito bom trabalhar com ele, assim como o Vinícius Teixeira. Os dois foram incríveis e trouxeram subjetividades precisas que os personagens pediam. Eles entregaram muito bem inclusive a presença musical. Eu lembro de ter visto o Vinícius numa montagem do musical O Livro de Mórmon e ficou na minha cabeça o quanto ele foi bem em cena.
E teve também as participações especiais que fazem parte da nostalgia que falei, Cláudia Ohana que é uma atriz maravilhosa presente no nosso imaginário da televisão, super talentosa; o Mateus Carrieri que é um galã global e faz uma participação espetacular; e a própria Gretchen que soma muito à musicalidade, à graça e à humanidade do filme.
Ávila: Ano passado o Karim mostrou Beberibe ao mundo em Motel Destino, e agora você leva Aracati aos cinemas com a famosa praia de Canoa Quebrada. Qual a importância deste lugar para você?
Allan: Eu nasci em Russas, então na época da escola as viagens e passeios de final de ano a gente ia para Majorlândia, que era uma praia mais próxima de Russas, era o destino comum. E depois de adolescente e adulto eu comecei a frequentar Canoa Quebrada e ali sempre foi um lugar mágico para mim. Lá era o lugar onde eu me via exercendo a minha juventude, o lugar de sentimentos, da paquera, das brincadeiras, da sexualidade, da bebida. Eu já me via ali ocupando aquele espaço como um homem adulto e não mais como adolescente ou criança dos passeios. É um lugar muito colorido, com uma diversidade muito presente. Então foram com essas lembranças que eu escrevi o roteiro, sabe? Canoa é um personagem e sempre esteve no roteiro. Foi um lugar que acolheu muito bem o projeto, a gente foi muito feliz lá durante todo o processo de produção.
Ávila: Allan, eu agradeço mais uma vez o seu tempo e a sua atenção com a gente. A gente do Oxente, Pipoca torce muito pelo sucesso do filme e acredita que ele vai ser muito bem recebido pelo público porque é um projeto que preenche o anseio de quem gosta de musicais, de quem gosta de comédia, de quem gosta de romance e de quem gosta de filmes queer. Sempre que a gente compartilha algo relacionado ao filme é um furor nas redes sociais.
Allan: Muito obrigado mesmo. Gratidão a todos do Oxente, Pipoca pela divulgação, pela torcida e pelo carinho que vocês têm com nossos projetos. Eu percebo que em Pacarrete a relação do público é sempre afetuosa e carinhosa. E espero que com O Melhor Amigo as pessoas também sintam isso num lugar de mais diversão. Estou na véspera de filmar meu quarto longa-metragem e em todos eu gosto de tentar me desafiar. Então quem gostou de Pacarrete não espere que O Melhor Amigo seja a mesma coisa, é talvez uma experiência que seja completamente diferente, mas uma experiência que também é boa. Porque ele tem outra forma, outro tamanho, é outra proposta. Da mesma forma com o terceiro longa e com o quarto. O cinema dialoga com pessoas diferentes de formas diferentes e é legal saber que vai encontrar mais públicos e chegar a mais lugares. Mais uma vez agradeço a parceria e a acolhida.
Comments