Entrevista | Calebe Lopes fala sobre seu novo curta-metragem, “Ataques Psicotrônicos”
- Vinicius Oliveira
- 15 de abr.
- 14 min de leitura
Em entrevista ao Oxente Pipoca, o diretor baiano falou sobre seu trabalho no cinema de gênero, as inspirações, a relação do filme com a religião evangélica e a sua trajetória em festivais.

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Medo e loucura, convicção e descoberta, fé e razão são poéticas que reúnem dois personagens em comum propósito. Ataques Psicotrônicos acompanha, em uma única locação, a noite de Erick (Ednei Alessandro), um ex-pastor, e de Virgínia, uma cientista (Jane Santa Cruz) em busca de solucionar um zumbido que atormenta a mente de Erick. Incrustado na estranheza, Calebe Lopes trabalha com texturas imagéticas e sons metálicos para traduzir sensorialmente a psique de seus personagens.
O curta-metragem, oitavo da carreira de Calebe, tem se destacado com uma trajetória sólida em diversos festivais Brasil afora, incluindo-se aí o Panorama, em Salvador, o Janela de Cinema, em Recife, o FestCurtasBH, em Belo Horizonte, e o Fantaspoa, em Porto Alegre, além de estar selecionado para a 34ª edição do CurtaCinema, no Rio de Janeiro. O Oxente Pipoca, que divulgou com exclusividade o trailer de Ataques nas redes sociais, pôde entrevistar Calebe para falar acerca do filme e você pode conferir abaixo:
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Primeiramente eu queria agradecer, em nome do Oxente Pipoca, pela disponibilidade para a entrevista, e também te parabenizar por Ataques Psicotrônicos. É muito interessante fazer um exercício de voltar à época da nossa primeira entrevista, lá em 2023, quando eu tinha assistido seus demais curtas, e definitivamente Ataques se tornou o meu favorito dos seus filmes, e acredito que essa opinião vai ser compartilhada por muita gente. Queria que você falasse um pouco de onde surgiu a inspiração para o curta e como foi o processo de produção, escalação dos atores principais, gravação, quais os principais desafios?
Calebe Lopes: Primeiro queria agradecer à janela que o Oxente Pipoca dá, não apenas enquanto cineasta nordestino, baiano, que está fazendo cinema de gênero, mas também por estar na seara do curta-metragem.
Sobre Ataques Psicotrônicos, eu escrevi o roteiro em 2021, enquanto a gente ainda estava na pandemia. E eu estava num processo de não saber exatamente qual seria o próximo projeto, quais seriam os próximos passos, porque os filmes que tinha colocado em editais não tinham sido selecionados. E aí Klaus [Hastenreiter, colega de Calebe na Olho de Vidro Produções] me deu essa ideia de trabalhar em algo sem grana, com uma equipe pequena, com uma única locação. Não só por uma questão de orçamento, mas pelo contexto pandêmico - e eu estive muito inserido em toda aquela paranoia da pandemia.
Um dia eu estava num grupo de Facebook da UFBA, um grupo grande com mais de 40 mil pessoas. E aí vi um post de um cara falando em caps lock: “ELES QUEREM ME MATAR, NÃO DEIXA QUE ELES ME MATEM, EU PRECISO DE AJUDA”. E aí vi uma galera meio preocupada, respondendo nos comentários desse post, e outras pessoas falando: "Ah, esse cara faz isso sempre". Eu joguei o nome dele na busca do grupo e vi que tinham vários e vários posts dele, todos muito parecidos, pedindo ajuda em caps lock, sem explicar muito o que estava precisando, mas dizendo que queriam matá-lo. E aí eu comecei a ler os comentários do post e em um deles alguém falava que ele estava sofrendo de “ataques psicotrônicos”, usava essa expressão que até então eu desconhecia.
E aí eu fui jogar no Google pra entender o que era isso, e descobri que existe essa característica da esquizofrenia paranoide, da pessoa achar que está sendo perseguida, que está sofrendo uma espécie de tortura psíquica através de aparelhos eletrônicos. Comecei a mergulhar mais nisso e descobri que existe uma comunidade na internet de pessoas que falam sobre isso: canais do Youtube, blogs, etc. E aí num dos blogs a autora falou em um dos posts que tinha um chip implantado na cabeça dela, e que ela sabia quem tinha feito isso: o pastor da igreja que frequentava. E aí fui mergulhando cada vez mais nessa ideia toda.
A princípio, eu quis fazer um documentário, só que aí depois de um tempo comecei a considerar que a ficção me permitiria ir para um lugar que me interessava mais e que o documentário não permitiria, por exigir um certo distanciamento. E o filme passou por várias etapas: de início pensei em fazer uma coisa totalmente [David] Cronenberg, aí depois quis ir para outro extremo, de fazer um giallo, depois abandonei isso e pensei que poderia ser um filme meio Boca do Lixo, meio Walter Hugo Khouri, meio Jean Garrett, e por último veio a ideia de misturar tudo isso, mas tendo um norte com o cyberpunk japonês, algo meio [Shinya] Tsukamoto. A partir daí, eu fui pegando elementos dessas coisas e misturando com outras - e aí veio, claro, David Lynch.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Você falou dessas referências, e realmente uma coisa que ficou muito nítida foi a inspiração em Cronenberg (principalmente Scanners), com um toquezinho do Lynch de Eraserhead, e teve gente que comparou também a Tetsuo, do Tsukamoto. Eu lembro que você compartilhou em seu Instagram uma lista de filmes que te serviram de referência e inspiração para esse filme em específico, e queria te perguntar: como você articula essas referências no decorrer de suas obras, tanto na questão estética quanto narrativa? Porque ao mesmo tempo em que acho algumas referências mais explícitas, também vejo muito um trabalho de “antropofagia”, de você moldá-las a uma realidade soteropolitana e brasileira.
Calebe Lopes: Eu gosto muito da ideia de trabalhar com referências. Vez ou outra a gente vê cineasta que nega suas referências; já estive em debate com diretor que alguém perguntou sobre quais filmes o inspiraram e ele falou que nenhum, ou que não sabia dizer. Mas eu acho que os meus filmes são muito resultado de minha cinefilia, em primeiro lugar. Faço filmes para aprofundar minha cinefilia, porque acho que cada filme que eu faço é uma obsessão, e quero cada vez mais mergulhar mais fundo naquelas ideias, na estética, em todos os elementos que compõem o filme. Então eu passo um longo processo usando o filme que eu estou fazendo para descobrir novos filmes, livros, quadrinhos.
Só que ao mesmo tempo o meu processo criativo, essa coisa das referências, elas nunca são diretas. O que é muito engraçado, porque quando o filme está pronto e eu vou revendo-o, exibindo em festivais e mostrando às pessoas e ouvindo elas falando sobre, é aí que vou percebendo que tem muita coisa que remete diretamente a vários outros filmes. Mas quando a gente tá nesse processo criativo de escrever roteiro ou de fazer a decupagem, muito dificilmente a gente vai ter uma referência direta, de pensar em filmar de tal maneira porque foi feito assim num outro filme, ou fazer uma homenagem. Tanto que nem uso a palavra “referência”, eu gosto de usar a palavra “inspiração”.
De início minha inspiração principal era Cronenberg, então o estudei muito durante esse processo todo, revi a filmografia dele, comprei vários livros sobre ele. Só que depois de um tempo eu comecei a notar que eu estava estudando Cronenberg para me afastar dele, porque o estilo de filme que eu buscava era quase um anti-Cronenberg, justamente apostando nessa estilização, nesse maneirismo, nesse antinaturalismo, até no tom que os personagens falam e na escrita dos diálogos, na movimentação de câmera, na mise-en-scène.
Então, fui me afastando dele e me aproximando dessas outras inspirações, mas também nunca racionalmente copiando nada. Acho que dentro desse meu processo de cinefilia, que vai expandindo enquanto faço filmes, fui entendendo cada vez mais o valor do inconsciente, e é uma bandeira que eu tenho levantado. Por exemplo, o Claudio, que é o curta anterior que fiz, tem muito de Dario Argento, de Mario Bava, de Brian De Palma, mas eu não vi nenhum filme deles enquanto me preparava para fazê-lo. Mas esses sempre foram cineastas que gostei, que cresci assistindo, então eu quis deixar meu inconsciente trabalhar. Aí hoje, quando eu vejo algum filme de Argento ou De Palma, às vezes noto um plano ou uma ideia que eu falo: "Caramba, isso tá em Claudio". Mas não foi proposital, sabe? E aí eu tenho cada vez mais valorizado esse processo. Eu gosto sempre de citar uma fala de Rita Azevedo Gomes, de que ela só entende os filmes que faz depois de ter feito, quando eles já estão prontos.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): A gente tem visto uma onda de produções que usam e abusam de recursos técnicos como a fotografia P&B ou os planos-sequência, mas te acompanhando nas redes sociais vejo que você é bastante crítico desses recursos que, no fim das contas, não comunicam muita coisa e soam apenas vazios. Num filme como Ataques, que certamente vai chamar a atenção pela fotografia P&B ou a razão de aspecto em 4:3, quais foram as razões para tais escolhas estéticas e técnicas? Como você espera que elas comuniquem a narrativa ali apresentada?
Calebe Lopes: Acho que no caso de Ataques, veio muito dessa ideia de tentar causar estranhamento, não por um “fetiche do estranhamento”, mas por buscar dar uma resposta a um certo tipo de cinema brasileiro. A gente está num momento do cinema e do streaming onde há essa ideia da nitidez e da clareza, e hoje em dia, quando alguém vai criticar a fotografia de um filme, às vezes ela fala que não conseguiu enxergar nada, ou quando ela vai elogiar, é porque conseguiu enxergar a cena ou perceber as cores. Ao mesmo tempo as câmeras, as lentes, as telas, tudo busca cada vez mais nitidez. Eu acho que a partir do momento que você começa a ter uma extrema nitidez, a partir do momento que a imagem de cinema tenta replicar o que a gente vê com os olhos humanos, isso já não me interessa de jeito nenhum.
Para mim, o visual de Ataques vem muito disso, de tentar se distanciar dessa ideia de uma imagem da vida e remeter a uma imagem de cinema. E no fim das contas, todas esses elementos técnicos que você citou vão colaborando para essa ideia de desconforto, porque o 4:3 é uma razão de aspecto muito apertada, principalmente se você investe em planos próximos, como era o nosso caso. O preto-e-branco vai trazer essa atmosfera quase que onírica, de estar distanciando da realidade, e aí somado a isso vem todo o trabalho de fotografia e de color grading que vai embaçar a imagem. A gente gravou com uma câmera que é muito barata, de certa forma, não é exatamente uma câmera de cinema, é uma Panasonic GH5, que você usa para filmar evento, casamento.
E vejo muitas pessoas perguntando se foi gravado em película ou se tentamos emular 16mm de alguma forma, e a ideia não era exatamente essa, era sujar a imagem mesmo. Para mim o que fazia mais sentido era que o filme tivesse essa imagem suja, quase que corrompida, até porque tinha a ver com toda aquela maluquice que os personagens estão vivendo, com todo tipo de cinema que a gente queria remeter. E aí claro que vai entrar o próprio Eraserhead do Lynch, o Tetsuo, o Pi do [Darren] Aronofsky, e essas escolhas apontavam para o maneirismo, que é uma das bandeiras que tenho levantado; essa consciência de que tudo que tinha pra ser filmado já foi filmado. Então resta a nós, cineastas, encontrar novas maneiras de filmar, novos ângulos, novas perspectivas, porque os temas, as histórias, os tropos já foram gastos.
E eu acho que isso tudo também dialoga com algo que norteia a minha cabeça enquanto cineasta, que é essa ideia de que o cinema de gênero no Brasil é um terreno muito fértil, mas que de certa forma ele foi sequestrado pelo cinema americano. E tudo o que fizermos sempre será comparado, sempre terá Hollywood como parâmetro de qualidade. Paralelo a isso, o cinema brasileiro ficou muito relegado a esse interesse pelo realismo social, e pelas questões políticas muito literais. E de certa forma eu acho que a gente foi perdendo a capacidade de imaginar, e me interessa enquanto cineasta imaginar, recuperar esses territórios imaginários que um dia nos foram negados ou roubados, daí fazendo a “antropofagia” de que você falou antes.

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Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Falando em “antropofagia”, Ataques traz mais uma vez a questão da religião evangélica em sua narrativa, assim como já tinha acontecido em A Triste Figura. Na nossa outra entrevista você comentou que cresceu e passou muitos anos dentro da igreja evangélica, então de que maneiras você acha que esse tópico surge dentro de suas obras? E o que você pensa da maneira como o audiovisual brasileiro contemporâneo costuma retratar os evangélicos, em especial com toda essa ascensão conservadora e aumento do percentual da população que se declara evangélica?
Calebe Lopes: A questão do evangélico faz parte de mim. Em determinado momento da vida eu comecei a me preocupar se não estaria me repetindo, se não corria o risco de fazer filmes muito iguais, mas é realmente quem eu sou, porque isso me formou, eu nasci num lar evangélico na periferia de Salvador, passei mais de duas décadas da minha vida sendo evangélico e levando a sério tudo aquilo. Então quando abandonei a religião foi libertador mas também um grande choque, pois foi algo que formou também meus traumas, minhas cicatrizes, minhas paranoias.
E Ataques é muito sobre isso, ele nasce dessa reflexão sobre as coisas que ficam depois que você sai de um de um esquema que, no meu caso específico, não era nem uma igreja evangélica normal, era uma seita mesmo, uma seita evangélica. Eu acho que muito de como encaro a vida é também resultado de tudo que eu vivi lá. Então para mim, o meio evangélico, por exemplo, está muito lotado de encenação. Um culto é uma mise-en-scène, é uma apresentação teatral, por vezes cinematográfica. E essa ideia [da teatralidade] me guiou muito durante A Triste Figura, pois foi uma das coisas que mais me fez me afastar, o fato de que existia uma corrida para performar espiritualidade, para ver quem era mais amigo de Jesus.
Para mim foi aterrador ver, durante a pandemia, qual era o posicionamento dos evangélicos diante de como o país estava. Teve um dia que minha mãe chegou para mim e falou: “olha, eu vim te dizer que eu não vou tomar vacina, porque os médicos da igreja falaram para não fazer isso, e se eu conseguir a cloroquina eu vou tomar”. E eu lembro que nesse dia fui dormir muito mal, e na época eu já estava escrevendo o roteiro de Ataques. E para mim essa sensação que senti nesse dia permeou o filme todo, essa sensação de derrota diante de um projeto de poder, porque eles se alastraram de tal forma pelas camadas da sociedade que você tinha médico evangélico receitando cloroquina. E isso está presente de diferentes formas no curta, em especial a imagem da lua, do olho, aquela sensação de estar sendo vigiado o tempo todo, de que não há escapatória.
Eu acho que é importante que diretores evangélicos ou ex-evangélicos façam filmes sobre o meio, mas sobre a maneira como o cinema brasileiro geralmente lida com isso tenho certa aversão, porque cai no lugar do estereótipo. Eu acho que existe no cinema brasileiro um distanciamento que é muito causado por essa sensação quase aristocrática, que boa parte da esquerda de classe média e classe média alta brasileira tem, essa coisa do “somos melhores que eles”. Existe uma espécie de julgamento moral, ao apontar para eles e chamá-los de moralistas e de talvez criar um cenário maniqueísta, de bem contra o mal, nós contra eles, que eu penso que não é por aí. Tem boas exceções, eu acho, mas geralmente o cinema brasileiro não contempla a complexidade e ambiguidade do evangélico, porque ele ignora que a experiência do evangélico no Brasil é, antes de tudo, uma experiência de fé mesmo, de espiritualidade, de realmente se conectar com Deus.
Para mim, o catolicismo no cinema sempre rendeu esteticamente coisas muito mais interessantes do que a igreja evangélica, mas eu acho que isso também tem a ver porque o cineasta brasileiro não sabe filmar nada daquilo de um jeito interessante também. É tudo meio desinteressado, é tudo meio etnográfico demais ou “National Geographic”. Sei lá, vai num culto de verdade, ouve essas pessoas, tenta entrar na cabeça delas assim, quase como esse exercício mesmo do Ataques Psicotrônicos de tentar realmente entender o que está acontecendo lá dentro e se imaginar lá dentro. Pensa que aquilo tudo que aquela pessoa está acreditando é real, acredita que é real junto com ela. E aí a partir disso você constroi seu filme.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Antes mesmo de assistir Ataques eu já estava bem feliz em acompanhar a trajetória do curta em festivais, seja em Salvador, Recife ou outras capitais. Como tem sido esse processo para você? De trocas com o público e outros realizadores, da possibilidade de assistir ao seu filme ser exibido e depois falar dele junto ao público? De quais maneiras você avalia a importância desse tipo de percurso para um realizador independente?
Calebe Lopes: A ideia de Ataques era a de ser um filme estranho, que dificilmente agradasse às pessoas. Eu escrevi em 2021, filmamos em 2022, montamos imagem, som e efeitos visuais em 2023, e lançamos em 2024, e durante esse tempo eu fui entendendo que talvez ele não circulasse muito, talvez ele não fosse para grandes festivais, talvez as pessoas desgostassem dele porque era meu filme mais arriscado. E está sendo o contrário; sendo muito sincero, eu não esperava que as pessoas fossem gostar tanto.
Quando eu paro para olhar o Letterboxd, a grande maioria das notas é bem alta, até mais alta do que os meus filmes anteriores. Fomos para festivais que são bem relevantes tanto dentro do cinema brasileiro, do circuito de festivais convencional, quanto do circuito de festivais de cinema de gênero. Então eu acho importante isso, porque os festivais proporcionam o objetivo final que acredito que a maioria das pessoas que fazem filmes têm: exibir o seu filme numa tela de cinema. E eu acho que ele é um filme que cresce muito no cinema.
Para mim está sendo ótimo poder ver o filme circulando tanto, e está sendo ótimo também poder viajar com o filme, que é uma coisa que eu nunca consegui fazer tanto com os meus anteriores, e agora estou conseguindo estar em boa parte das sessões e conversar com as pessoas. E aconteceu uma coisa também que ainda não tinha acontecido nessa proporção, que é justamente essa coisa das pessoas virem realmente falar comigo e conversar sobre o filme, e é o tipo de coisa que você vê geralmente acontecendo com diretor de longa, não com diretor de curta. Por exemplo, o Panorama começou semana retrasada e acabou semana passada, e o filme passou no primeiro dia de competição. E daquele dia até o final do festival eu fui parado por várias pessoas que não me conheciam e que vinham querer conversar sobre o filme. E isso aconteceu também nos outros lugares, aconteceu em Recife e em Belo Horizonte.
Eu acho que o fato do filme ser estranho conta, sabe? Traz um ar de novidade. É uma das coisas que eu mais ouço, um dos adjetivos que as pessoas mais usam para definir o filme é “estranho”, ou “diferente” ou “esquisito”. E uma das coisas que as pessoas mais falam também é que gostariam de ver um longa disso. Para quem faz curta, às vezes isso soa como uma pressão, mas para mim é muito um norte, mostra que esse tipo de filme dá certo.
Eu acho que tem um interesse muito saudável por ver coisas que ainda não se viu no cinema brasileiro, e para um realizador o festival é importante, porque ele vai te colocar em contato com o público, vai te colocar em contato com outros cineastas, vai proporcionar que você faça networking. E o curta geralmente é o seu cartão de visitas dos projetos de longa que você está tentando emplacar em rodada de negócios, em reuniões, em editais.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Por fim, gostaria de ouvir de você indicações de suas produções nacionais favoritas, ou daquelas que te conquistaram nos últimos tempos e você acha que todo mundo devia assistir, especialmente dentro do campo do cinema de gênero.
Calebe Lopes: Eu consegui ver agora no Panorama um longa recifense chamado Salomé, dirigido por André Antônio, que é um filme queer que mistura vários gêneros e vai aos poucos vai virando uma loucura. Foi o filme que mais gostei de ver esse Panorama.
Pude rever esses dias um filme que eu já tinha assistido lá no FestCurtasBH, que é um curta de Yuri Costa chamado E Seu Corpo é Belo, que para mim é o melhor curta de gênero brasileiro que eu vejo em muito tempo. É muito um filme que me instiga inclusive criativamente, porque talvez seja o melhor tipo de filme possível, aquele que te dá vontade de fazer filme.
E vou recomendar um filme que foi muito importante no roteiro de Ataques Psicotrônicos, que é um longa chamado Era uma vez Brasília, dirigido por Adirley Queirós, que é uma ficção científica da Ceilândia. Ele é um filme pós-golpe, especificamente muito embebido por todo esse processo do impeachment que Dilma Rousseff sofreu, mas ao mesmo tempo eu acho que é um filme mais interessado em traduzir um estado de espírito que ser uma reportagem ou registro histórico, ele é quase que uma ressaca do golpe. Acho que é um filme que nega completamente qualquer tipo de catarse, e aí para mim foi muito importante assistir isso, porque eu entendi que o cinema brasileiro também tem espaço para os filmes de derrota. A gente está sendo derrotado quase que todos os dias; não é possível que os filmes não reflitam isso de alguma forma. E é bom que para além dos finais felizes o cinema reflita isso, até para fugir da alienação. Talvez às vezes a gente perca, e essas derrotas possam ser tão ou mais importantes e educativas que as vitórias, sabe?
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