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Entrevista | Vera Egito fala sobre “A Batalha da Rua Maria Antônia”

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 7 de abr.
  • 8 min de leitura

A diretora conversou com o Oxente Pipoca a respeito da produção do filme e como ele dialoga com o atual clima político do Brasil.

Divulgação


Lançado no dia 27 de março nos cinemas brasileiros, o longa A Batalha da Rua Maria Antônia narra, através de 21 planos-sequência, o episódio homônimo, em outubro de 1968, nos colocando ao lado dos estudantes e professores do movimento estudantil de esquerda, na Faculdade de Filosofia da USP. Eles enfrentam os ataques do Comando de Caça aos Comunistas vindos do outro lado da rua, onde fica a Universidade Mackenzie. Quando o confronto explode, gritos, molotovs, pedras, paus e bombas caseiras são atiradas. Vinte e quatro horas vividas com a paixão da juventude dos anos 1960, em defesa de um ideal, na iminência da invasão dos militares ao prédio da USP.


O Oxente Pipoca teve a oportunidade de entrevistar a diretora do filme, Vera Egito. Ela falou a respeito da escolha pelos planos-sequência para a narrativa, a ênfase nos dramas pessoais dos personagens, a maneira como ele ressoa no atual momento de polarização política do país e muito mais. Confira a entrevista abaixo:

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Pois bem, Vera. Eu queria começar agradecendo em nome do Oxente Pipoca pela disponibilidade para a entrevista. A primeira pergunta que eu queria fazer é: como a história da Batalha da Rua Maria Antônia chegou até você? Confesso que não a conhecia antes de ouvir falar sobre o filme e fiquei chocado com a maneira como a Mackenzie estava diretamente envolvida com os aspectos mais depressivos da ditadura. O que você pretendia ao trazer luz à essa história, retratá-la no filme?


Vera Egito: Bom, obrigada pelo convite, pela conversa. Eu não me lembro de ter ouvido essa história antes de ter estudado na USP, fiz cinema lá na ECA (Escola de Comunicações e Artes), entrei em 2003. E lá essa é uma história viva, os professores comentam. Apesar da minha família ser politizada e falar sobre ditadura, eu não me lembro de ter ouvido falar desse evento especificamente antes de ter sido uma estudante da USP. Acho que, por ter envolvido estudantes da universidade, é um evento que é meio emblemático dentro dela.


E aí eu comecei a ler sobre a história, ler livros que existem sobre o evento, alguns editados pela própria USP, e aí fui me interessando em escrever uma ficção que se inspirasse nesse dia da batalha, porque vi ali um retrato muito interessante da política brasileira, esses dois polos opostos, um de frente para o outro, existia uma oposição ali geográfica, uma oposição política, uma oposição ideológica. A história já trazia tudo isso que é o que a gente precisa, e para construir dramaturgia, a gente precisa de conflito, porque o conflito é que traz a transformação, a superação dos personagens. Então, foi uma história que me chamou a atenção tanto do ponto de vista político quanto como uma fonte de dramaturgia. Isso foi lá em 2009, e o tratamento do filme é de 2010.


Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): A gente tá vivenciando um momento em que o plano-sequência está em alta no audiovisual, principalmente por conta da série "Adolescência", da Netflix, e tem também a série "O Estúdio", da AppleTV. No seu caso, quais foram as motivações para adotar esse recurso para a construção do filme? E quais foram os principais desafios de se filmar nesse formato?


Vera Egito: A ideia dos planos-sequência veio da vontade de levar o espectador para dentro da escola, para você ter essa sensação de estar lá, de ser um dos alunos e viver aquela experiência em tempo real junto com os personagens. Lá pelo meio do processo, assim que eu que eu tive essa ideia [do plano-sequência], comecei a reescrever o filme pensando nisso, em cenas que tivessem continuidade Então veio dessa vontade de construir uma narrativa visual onde você se sentisse presente. E a câmera na mão também veio disso, de você ter a sensação de ser o seu olhar ali.


Eu acho que a todo momento a sensação era de “como é que eu vou fazer isso?”. Uma proposta ousada para um filme de baixo orçamento, que não tinha condição de ensaiar muito, de fazer muitos testes. Mas o que a gente fez foi se planejar muito, ler muitas vezes o roteiro, ir muitas vezes na locação. Depois a gente teve dois dias com um elenco de ensaio para percorrer todos aqueles espaços, mas é muita coisa para concatenar: lente, fotografia, foco, som, a luz que vai mudando.


Tudo isso é um grande desafio, você fazer uma sequência que é dentro e fora, que sobe e desce a escada com a câmera na mão, era tudo muito complexo. A todo momento a gente se perguntava se daria certo, e quando a gente assistia no vídeo que o negócio dava certo parecia que era gol no Brasil na Copa. Porque estava todo mundo muito tenso, a qualquer momento alguém podia errar, alguma coisa poderia cair, enfim. Mas a gente ensaiava tanto também que quando ia rodar já estava tudo muito consolidado. Ensaiamos quatro, cinco, seis horas seguidas, então os imprevistos iam acontecendo no ensaio. Na hora de rodar tudo dava certo.


Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): O filme me parece apostar mais num sentimento de coletividade, a gente vê alguns personagens com mais protagonismo, mas a narrativa não se prende a um só. Em que medida foi importante trabalhar os dramas pessoais desses personagens em meio à escalada da tensão do conflito abordado?


Vera Egito: Para mim era muito importante que essa dimensão humana fosse presente, que não fossem personagens que estão ali só como heróis ou como totens. Porque para mim era muito importante que o elenco fosse jovem, fosse realmente de estudantes. Então, todo o elenco estava na faculdade naquele momento, estudava teatro. Era muito importante para mim essa veracidade, que todo mundo tivesse essa vivência. E a vivência no movimento estudantil é um momento de descobertas, de transformação, de grandes paixões, de grandes decepções. E eu acho que não mostrar isso seria não mostrar uma parte bonita do movimento e da juventude.


Então, a minha ideia é que fosse um retrato da juventude de uma forma mais ampla, que não fosse só do âmbito político. E por isso também eu escolhi personagens fictícios, porque se eu fosse me ater a biografia, eu teria obviamente que ser fiel às biografias e o que as pessoas viveram ou aceitam que se fale que viveram. E não era minha intenção, eu queria poder construir os dramas pessoais ali com liberdade, por isso os personagens fictícios.

 Divulgação


Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Uma das cenas mais distintas e interessantes do filme é a de sexo das personagens da Pamela Germano e da Juliana Gerais, que na minha concepção até foge estilisticamente à maneira como o filme vinha se apresentando. Diria até que há algo de surrealista ou onírico nessa cena, e queria saber: foi intencional? Porque achei uma das cenas de sexo mais bem-filmadas que vi nos últimos tempos.


Vera Egito: Ah, obrigada! Que legal. Sim, essa cena ela é uma pausa mesmo ali na tensão, apesar dela ser a explosão de uma outra tensão, que é a tensão da trajetória da personagem Lilian (Pamela Germano), que tem um conflito interno ali, que ainda não sabe lidar muito bem com os desejos dela, que são desejos não normativos. Não era uma coisa simples de lidar, então quando consegue viver isso ela realmente se liberta daquela realidade.


E então para mim era importante que a cena fosse mais subjetiva, mais sobre a sensação do que sobre o olhar externo sobre aquela situação, porque essa inspiração no cinema direto, no cinema verdade, vem desse olhar objetivo sobre a situação. Eu acho que ali era o contrário, precisava ser um olhar subjetivo. Ela [a cena] sai do conceito não na técnica, ela sai nessa intenção de produzir uma imagem que represente o sentimento das personagens.


E eu tenho tido retornos muito, muito bonitos de mulheres que se relacionam com mulheres, dizendo que se sentiram muito representadas por isso, por ver essa fusão. As duas se fundem naquela imagem, ela se torna uma coisa só, uma coisa misturada e que isso é a sensação desse encontro sexual e amoroso, naquela urgência do momento. E acho que dá para prever que aquelas pessoas não vão conseguir se formar, não vão conseguir namorar, não vão conseguir fazer nada do que um jovem faria porque vai ser tudo interrompido pela opressão.

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Eu estou estudando na Unicamp e recentemente presenciei todo um embate entre estudantes que estavam protestando em favor da inclusão de cotas trans e membros do MBL que foram lá no campus pra causar a típica balbúrdia deles. Isso aconteceu inclusive no dia em que eu vi o filme e isso ficou muito na minha cabeça. Como você acha que eventos como esses (que não são isolados) dialogam com o que o filme propõe retratar a respeito desse episódio?


Vera Egito: Eu acho que nos últimos anos a gente compreendeu muito mais o que que aconteceu durante os anos de ditadura. Especialmente nesse momento pré-ditadura, porque de 1964 a 1968, ainda existia talvez uma ideia de institucionalidade, de que talvez eleições fossem convocadas, de que era um período de exceção, tinha muita coisa rolando ali nesses primeiros 4 anos. Aí vem o AI-5, que acontece 2 meses depois da batalha, o golpe dentro do golpe, e aí realmente a gente entra num período de exceção total. E eu acho que a gente que nasceu nos anos 1980 e 1990 não entendia direito o que que era essa sensação de ameaça de direitos, porque a gente tinha uma ideia de que se estamos em uma democracia, não tem como mudar mais isso.


E eu acho que nos últimos anos a gente entendeu, inclusive com esses movimentos – bolsonaristas, MBL –, que esses CCC [Comando de Caça aos Comunistas] continuaram vivos. Talvez tenham ficado um pouco mais discretos durante umas décadas, mas eles continuaram a agir. E agora eles botam a cara na rua para ameaçar os direitos, a democracia, o debate social.


Eu acho que o que a gente vê no evento da Maria Antônia, e o que a gente vê hoje nesse evento real que você me descreveu, é uma negativa e uma intransigência que não se presta ao diálogo. De um lado você tinha pautas conectadas ao ensino e do outro pautas de morte, de perseguição e de ódio. Isso não mudou no Brasil, eu acho que esse cabo de guerra segue muito vivo. Eu acho que isso faz com que o filme seja até mais importante para a gente olhar para o presente e não tanto para o passado. Quem assistiu ao filme, pense: “Quem é o CCC de hoje? Quem é a resistência de hoje?”.

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Por fim, quais obras nacionais você gostaria de indicar aos seguidores do Oxente Pipoca? Sejam seus filmes brasileiros favoritos ou longas e séries que você acha que devem ser assistidos.


Vera Egito: Esse ano eu assisti Baby, do Marcelo Caetano, eu achei um filme muito bonito, que retrata uma São Paulo de uma maneira que não é comum. Ele consegue ser muito realista, mas também muito poético, sabe? Eu acho que é um universo muito duro o que ele retrata, mas. ao mesmo tempo. quando você assiste ao filme você se envolve, porque existe delicadeza ali, existe humanidade na maneira como ele vê os personagens.


E acho que voltando para os anos 1960, tem um filme que para mim é uma grande referência sempre na linguagem cinematográfica, que é o Bang Bang, do [Andrea] Tonacci. O protagonista é o [Paulo César] Pereio, e esse filme tem uma proposta de linguagem muito única, muito apaixonante, ele tem humor, tem transgressão visual.


Ele tem uma lenda inclusive: quando as exibições eram em película, os filmes eram levados para o cinema em latas, cada uma contendo cerca de 15 minutos, e elas eram numeradas, então o projecionista tinha de ir trocando as latas durante a exibição de acordo com a ordem. Só que as de Bang Bang não eram numeradas, então se você assistisse ele diferentes vezes no cinema ia ver uma ordem diferente das sequências, porque as latas não eram numeradas. E eu sempre achei isso fascinante, essa possibilidade do filme te envolver com diferentes sentidos a depender da ordem na qual suas sequências eram exibidas.




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