Entrevista | Carol AÓ fala sobre o curta "O Céu Não Sabe Meu Nome"
- Ávila Oliveira
- 4 de abr.
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Atualizado: 6 de abr.
A diretora conversou com o Oxente, Pipoca e falou sobre o título do filme, suas referências e sobre o atual momento do cinema baiano.

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Com produção da Arruda Filmes e produção associada da Prodigo Films e Sinny Comunicação, O Céu Não Sabe Meu Nome mergulha nos laços entre gerações, acompanhando uma neta que ressignifica a morte de sua avó através das memórias antes não ditas. A obra explora de forma delicada a fusão entre passado e presente, permitindo uma reflexão sobre legado, memória e sonhos.
Após ganhar a Menção Honrosa na mostra competitiva da Première Brasil - Novos Rumos no Festival do Rio e o Prêmio de Melhor Fotografia na VI Mostra Competitiva de Cinema Negro Adelia Sampaio, o curta vem cursando uma carreira relevante em diversos festivais, entre os quais: Seattle Black Film Festival, 37th Virginia Film Festival, 2nd NYBRFF - NEW YORK BRAZILIAN FILM FESTIVAL, 13th Africa International Film Festival (AFRIFF), 4ª Festival Internacional de Cinema de Realizadoras - FINCAR, Semente - 2º Mostra Itinerante de Cinema Negro, no sertão do Pajeú, 13th Toronto Black Film Festival 2025, 29th Washington, DC Internatcional Film Festival, o filme foi selecionado para abrir o Festival Panorama Coisa de Cinema, que acontece até o próximo dia 9 de abril, na Bahia.
Confira a entrevista na íntegra:
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Olá, Carol, queria começar parabenizando pelo lindo trabalho. O filme é muito sensível e quando falo lindo é lindo na narrativa e na plástica também. Eu me emocionei bastante e me fez pensar em várias pessoas da minha família e do meu convívio. Vou começar perguntando a você sobre o título do filme. Ele surgiu antes, durante ou depois do filme e o que ele significa? Porque eu tive minha interpretação, mas eu queria saber a versão oficial.
Carol AÓ: Primeiro quero agradecer a vocês pelo espaço, por estarem aqui. Eu acompanho vocês, principalmente no Twitter e eu gosto bastante do conteúdo. Então é um prazer imenso estar falando com você hoje aqui também, para além de qualquer registro. E sobre o título, eu tenho uma fissura por títulos. Eu geralmente construo as minhas histórias primeiro pensando no título que eles podem ganhar. O caso curioso do “Céu” é porque realmente eu tinha escrito um conto sobre essa história. Era sobre esses processos com minha avó, sabe? Ela faleceu tem um bom tempo, considerável, em 2012, e eu tinha muitas questões com esse assunto de morte, da passagem, o que isso significava. Eu tinha uma sensação muito esquisita de que ela descobriu que morreu, quando eu descobri que ela morreu. Então isso para mim foi muito marcante.
Depois disso, eu fiquei pensando se minha avó tinha um sonho, porque ela nunca verbalizou isso. E isso ficou matutando muito na minha mente sobre esse processo de sonhar. Sobre as mulheres, principalmente negras, que têm esse atravessamento racial, sobre quais seriam esses sonhos delas. E quando eu comecei a pensar na história como um todo me veio essa imagem de mulher legado. Uma mulher legião, uma mulher que representasse o todo em pluralidade e que chegasse nesse céu, nesse lugar de topo, inalcançável. Ao mesmo tempo, esse topo é também para onde elas direcionam sua fé, suas orações e suas crenças, para onde direcionam suas esperanças. Esse lugar que não deu um nome para ela, mas ao mesmo tempo era importante, era uma descoberta. Apesar do céu não saber seu nome, naquele momento final, e com a realização do filme – eu terminei o filme com o nome de minha avó – veio desse lugar de reivindicar o espaço no céu.
Quase também como pedindo esse espaço para a sociedade enxergar essas histórias mínimas, de pessoas que tiveram que priorizar sobrevivência em vez da realização de um sonho. De pessoas que não tiveram tempo nem de elaborar sobre o quê havia sonhado ou sobre quê queriam realizar. E é curioso porque mesmo o filme não revela explicitamente, diretamente, qual era o sonho. Na minha cabeça o sonho de minha avó era cantar, ela cantava muito. E no filme tem aquela cena do samba que a avó, agora jovem, acaba cantando pro marido. Eu quis falar desse sonho que uma pessoa próxima reconhece, mas o todo não reconhece. Então, o título tratou de buscar o espaço dessas mulheres, como um todo. Acho que o filme consegue abarcar a pluralidade de mulher no Brasil, óbvio que aí acaba sendo marcado mais por um traço racial, mas eu compreendo que essa é a história de muitas.
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Eu li que esse foi o primeiro trabalho da Inês Mendes como atriz e ela entregou um desempenho honesto e delicado no papel. Deu para sentir que aquela personagem conversava com ela de muitas formas. Como o filme chegou até ela e como foi o processo de trabalhar com ela?
Carol AÓ: Foi meu primeiro filme como diretora também. Jamile [Kazumbá] e ela são neta e avó na vida real. E a gente ainda estava procurando quem seria a avó do filme porque eu estava com uma necessidade específica de sentir a liberdade de criação nessa personagem. Naquele momento eu estava me desafiando também a preparar o elenco, eu queria fazer aquilo. E durante uma conversa na casa de Jamile eu comecei a observar a vó dela. Ela é toda simpática, uma energia muito bonita. E eu falei: "Jamile, será que sua avó não topa fazer um teste"?
No começo ela ficou resistente. Eu acho que para ela era uma coisa que era tão inimaginável de acontecer, né? Então, eu acho que ela me encontrou. Porque no final, eu senti que eu ter escolhido Jamile para ser uma das protagonistas foi importante por ter me levado à sua avó. Esse encontro tinha que acontecer. Fiquei encantada por Dona Inês, pela forma como ela sorria, pela forma também como ela gesticulava, falava. E para mim foi um verdadeiro deleite viver esse processo, essa descoberta com ela, porque sinceramente, eu acho dona Inês uma atriz profissional.
Acho que foi muito importante também a forma como a gente se conectou. Foi muito fácil, eu converso com ela ainda hoje. Eu brinquei com ela outro dia assim: “Dona Inês, eu acho que vou botar a senhora em todos os meus filmes. A senhora vai ser o meu Leonardo DiCaprio.” Ela disse: “Muito bom, muito bom. Quem é Leonardo DiCaprio?” [Risos] Ela é maravilhosa e abençoa todo mundo, todo mundo é filho dela.
E foi um prazer imenso levá-la para o Festival do Rio, fazê-la ter aquela experiência, de ser reconhecida como artista, que foi uma coisa linda de ver. Eu tenho investigado tanto esse processo de Dona Inês, que eu gostaria de fazer um documentário, despretensioso, para mostrar esse processo dela, mas principalmente sobre sua entrega e os ensaios, incrível. Tem umas cenas que caíram, mas que era gostoso de ver ela decorando as falas. Dona Inês ficava ensaiando enquanto fazia as coisas dentro de casa, ela dava fala, do nada. Jamile chegava e perguntava "Oxente, minha avó, o que você está fazendo aí?” E ela respondia “Ah, menina, tô aqui gravando o texto”. Então foi especial ver o compromisso dela. O set era um ambiente novo para ela, um espaço novo, então todo mundo da equipe a abraçou, ficou nesse lugar de muito cuidado, de afetividade. Então foi muito gostoso estar com ela, de ter vivenciado essa primeira experiência dela, que eu tenho certeza que quem assistir vai sentir, eu tô doida para que a Globo contrate ela. [Risos]

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Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Carol, muita coisa agora [Risos]. Queria falar do cinema baiano. Eu acho que desde Glauber Rocha o cinema da Bahia é um dos pilares do cinema brasileiro. Para mim, atualmente, ele apresenta um potencial criativo muito grande, para além de nomes consagrados como Sérgio Machado e Edgar Navarro, por exemplo. Mas nomes como Glenda Nicácio, Ary Rosa, Haroldo Borges... Carol AÓ! Inclusive queria até citar dois grandes web amigos com quem eu aprendo muito: Calebe Lopes e o Marcos Alexandre, que são dois gênios. Então assim como o cinema cearense, que completou 100 anos ano passado e já tem uma produção notável, o cinema baiano também já tem uma longa estrada, mas vem começando a ser mais visto, dentro e fora do Brasil, muito graças às políticas e incentivos públicos, aos editais e aos fomentos. E quando falei do potencial criativo do cinema baiano é porque eu sinto que o cinema baiano tem a habilidade de conversar com qualquer estilo e gênero sem perder a identidade, tenho visto filmes de drama, filmes históricos, filmes que abordam ancestralidade, ficção científica, afrofuturismo... Queria que você comentasse um pouco sobre como você vê esse atual momento do cinema baiano e o que você acha que ainda falta para os filmes brasileiros ganharem ainda mais visibilidade?
Carol AÓ: A resposta vem na mesma pegada da pergunta [Risos]. Legal você ter falado de Marcos Alexandre porque já conversei muito com ele sobre isso, que eu acho que a maior potencialidade do cinema baiano são as histórias, e a forma como a gente busca acessar o outro. Antes quero dizer que agradeço muito a sua pergunta porque para mim é muito importante reconhecer o “Céu” como um filme baiano. Eu não vou dizer que eu tive raiva da minha cidade, mas ter que partir de Salvador me doeu, na real. Porque toda hora isso estava me empurrando, eu não busquei morar em São Paulo. Aconteceu e do nada eu fiquei. E isso não mudou a minha forma como eu enxergo o mundo, a forma como eu trabalho, na verdade exatamente por eu ser baiana é que no audiovisual eu consegui ter um diferencial, porque nunca escondi minhas referências.
Eu sempre trouxe as minhas referências nos projetos em que eu trabalhei, quando tinha folclore envolvido, eu trouxe minhas histórias de infância, sabe? Em tudo que eu pude colaborar eu trouxe minhas vivências e minha história, porque o baiano tem isso, e na verdade vou expandir, o nordestino tem isso. E não por esse papo de fraqueza, força, histórias de superação... acho que se trata do cotidiano, das banalidades também, de você reconhecer que as histórias estão ali acontecendo na sua frente. Se você pegasse uma câmera e estivesse em Salvador filmando ao acaso você ia fazer um filme, a vida é cinematográfica, independente do cenário, independente de quem deu “ação” ou não.
Então, isso transforma, de alguma forma, esse olhar para a construção, a narrativa, a coletividade também, que é uma busca também da gente ser mais coletivo. E é óbvio que aqui também tem outros movimentos semelhantes. Aqui que eu falo São Paulo, que é onde estou nesse momento. Aqui também tem esse movimento de busca, mas eu sinto que no Nordeste é natural, não precisa ser estimulado ou forçado. A gente tem uma energia coletiva diferente. Reconheci que é preciso que eu cresça para outros crescerem também, nunca quis ser a única.
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Inclusive achei muito bonito no pôster você ter colocado “Um filme de Carol AÓ e Equipe”.
Carol AÓ: Sim, eu sempre acabo me esquecendo de mencionar isso, mas é porque isso foi muito natural, eu não quis pagar de “nossa como ela é diferentona”, mas eu quis apenas reconhecer que aquele esforço era coletivo.
Tem também a importância da escolha da equipe, exatamente por ser uma equipe baiana, né? Eu queria muito, eu consegui isso. A gente levou o filme para filmar em Salvador, na casa onde eu nasci no Subúrbio Ferroviário de Salvador, que era uma coisa que a gente batalhou muito para acontecer. E isso já estava no projeto que enviamos pro edital do PROAC quando a gente ganhou, então não foi uma surpresa nem nada, a gente não teve nenhuma questão sobre isso. A história ganhou sabendo que a produção ia acontecer em Salvador e a pós-produção ia acontecer em São Paulo, que, querendo ou não, eram os acessos que eu tinha, de onde vieram os apoios. Foi importante frisar que a minha prioridade era ter uma equipe baiana e que ela tivesse à vontade e que ela estivesse recebendo pelo projeto. Óbvio que se tratando de um curta, os valores são menores, mas era muito importante para mim que acontecesse desse jeito.
E continuando nas suas perguntas eu acho que o que está faltando para o cinema baiano na verdade é uma estrutura que a gente ainda está correndo atrás. A SalCine, que é o primeiro plano de desenvolvimento audiovisual da cidade, está se movimentando e isso veio de uma articulação muito grande.
Tenho acompanhado de longe também, sabendo informações com amigos cineastas e matérias que saem. A gente fala sobre o acesso a estrutura, a equipamentos, a câmeras também. O fluxo de equipamentos com locadoras ainda vem muito do Sudeste, eu consegui com uma parceria de São Paulo os equipamentos para o “Céu”, mas poucas locadoras no Nordeste podem disponibilizar seus equipamentos por um valor simbólico para uma produção independente no período completo de filmagens incluindo as etapas de teste.
E aí entra na questão do que o acesso a esses equipamentos proporcionam, na qualidade de imagem e de som. Eu cheguei a falar com Marcos Alexandre que está lançando o novo filme dele [Meu Pai e a Praia], que se ele tivesse falado comigo na época que eu estava finalizando “O Céu” talvez eu conseguisse algum tipo de apoio na pós. E não é falando do resultado do filme dele, que está lindo, mas era fazer as produtoras, que podem pegar um filme na parceria, entenderem que existe um número de pessoas em Salvador buscando essas parcerias, desejando acessos e formação.
Então nós temos boas histórias, um cenário bom e pessoas incríveis que estão fazendo audiovisual lá, cito aqui minhas contemporâneas e conterrâneas Ana do Carmo, Juh Almeida, Tais Amordivino, Vilma Martins, Camila Ribeiro, Everlane Moraes, Viviane Ferreira, Safira Moreira... existe uma galera grande que está movimentando o cenário e construindo e que precisa dos recursos e da estrutura.
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Para finalizar queria que indicasse filmes nacionais para os nossos leitores. Podem ser filmes favoritos, filmes referências ou filmes que você acha que mais pessoas deveriam conhecer.
Carol Aó: Não tem como eu não indicar e citar Central do Brasil, esse filme é quase como se fosse uma bíblia para mim, inevitavelmente é o meu o filme de cabeceira, ele me apresentou o tipo de audiovisual que gostaria de seguir. Indico também A Vida Invisível, filme em que eu fui continuísta e as trocas com Karim foram aulas para mim sobre a construção de realidade e cinema. Saudade Fez Morada aqui Dentro, todos deveriam assistir a esse filme, ele é absurdo, um alinhamento de planetas de tão forte que é sua narrativa, elenco e direção. Café com Canela, Marte Um, Ilha... que são filmes contemporâneos e muito sensíveis que me impactam muito. Tem um que acho que mostra a Bahia desnuda, que foca a narrativa nos atores e finaliza muito bem que é A Grande Feira - inclusive, homenageei o filme na cena do samba. Além desses, Jonas e o Circo Sem Lona, poesia pura, o cotidiano é extraordinário.
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