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Entrevista | “Esse filme era muito mais sobre a xepa”: Felipe Joffily e Pedro Wagner falam sobre o filme “O Rei da Feira”

  • Foto do escritor: Caio Augusto
    Caio Augusto
  • há 2 dias
  • 7 min de leitura

Em entrevista ao Oxente Pipoca, diretor e ator falam como o filme mescla comédia, drama e mistério, e se constrói a partir de um processo colaborativo intenso entre elenco e equipe.

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Divulgação


O Rei da Feira, novo longa de Felipe Joffily, estreia nos cinemas de todo o Brasil no dia 04 de setembro. A trama acompanha o assassinato de Bode (Pedro Wagner), um feirante que é morto logo depois de ganhar uma grande bolada no jogo do bicho. Para solucionar o crime, ele volta como espírito, porém está com amnésia alcoólica e não se lembra de quem o matou. A investigação fica a cargo de Monarca (Leandro Hassum), seu amigo com dons mediúnicos que atua como segurança da feira e que, a contragosto, acaba formando uma dupla com o espírito, a fim de descobrir quem o matou.


O Oxente Pipoca entrevistou Felipe Joffily e Pedro Wagner, onde discutiram o processo criativo por trás de O Rei da Feira. Joffily destacou a importância de olhar a feira a partir da perspectiva dos feirantes, explorando a dureza, a cultura e a poesia que existem por trás da xepa, evitando a tentação de reduzir a narrativa a uma comédia leve sobre fregueses e cores vibrantes. Já Pedro Wagner comentou sobre sua parceria com Leandro Hassum, marcada por química e improviso, ressaltando que o filme nasceu de um processo coletivo intenso, com ele, Hassum e o preparador Felipe construindo juntos a dinâmica em cena.


Caio Augusto (Oxente Pipoca): Primeiramente, Felipe, queria fazer inicialmente uma pergunta para você, que é sobre o personagem que é a feira, né? Você tem ali como um universo particular, que existe no filme. Na feira, a gente vê quase como uma orquestra popular. Cada feirante tem sua voz, tem as disputas, cada freguês tem seu papel. Eu pergunto: como foi criar esse espetáculo do cotidiano e trazer para o cinema de forma tão particular?


Felipe Joffily: Não foi cedo que eu percebi isso, confesso. Foi a partir das leituras e dos estudos para a pesquisa do filme que entendi que não podia cair na tentação inicial de acreditar que a obra era sobre a feira do ponto de vista do cliente ou freguês. Esse filme era muito mais sobre a xepa do que sobre aquele momento colorido e bonito que a gente, como consumidor, costuma enxergar. Era sobre o que está por trás disso: as três, quatro da manhã, quando tudo começa. Não havia muitas cenas com fregueses, quase só com feirantes. Por isso precisei de cuidado e, sobretudo, humildade para me colocar do lado de lá do balcão, algo difícil para alguém com tantos privilégios.


Reconheço que tive ao menos a sensibilidade de perceber que não era sobre mim, nem sobre meu olhar, mas sobre fazer essa subversão de papéis. Precisava dividir isso com os colegas, especialmente os atores, porque eram eles que dariam vida às pessoas desse outro lado. Houve resistência, já que existe uma pressão natural de fazer uma comédia colorida. É comum olhar para o filme e pensar: “Ah, é sobre uma feira com Leandro Hassum”. Mas não era isso. O filme falava de muita gente, de uma vida dura, de um lugar culturalmente rico. Por isso eu via Jorge Amado ali, via ecos de Fellini, e não era por acaso. Claro, alguns achavam estranho: “Como assim, você tá me trazendo Jorge Amado e Fellini?”. Mas não se tratava de comparação. Pelo contrário, eu olhava para a obra deles como aprendizado, para entender o processo de observação da natureza humana que eles alcançaram.


Isso deu ao filme sua cor, ou melhor, sua tinta, porque ela é a matéria bruta que depois se transforma em cor. E eu tinha essa sensação: o vermelho do sangue, a lona amarela, a ferrugem das paredes, a cor das pessoas. Aos poucos, elas foram dando vida a tudo isso. Me sinto feliz de ter contribuído nesse sentido, embora, por estar em um lugar privilegiado, eu não consiga enxergar tudo. É o público que me ajuda a continuar aprendendo. A primeira audiência foi muito positiva, ainda que uma pré-estreia seja sempre mais amigável, já que todos são convidados. Mas o processo é minucioso: enquanto montamos, estamos sempre olhando e refletindo. Agora é esperar, torcer para que as salas encham e que a gente receba esse feedback. Só assim vai valer."


Caio Augusto (Oxente Pipoca): Me chama muito a atenção no filme a relação e a dinâmica com o personagem do Hassum. Existe um carisma particular e uma troca muito interessante entre vocês, ainda mais quando entra o arco em que um está vivo e o outro morto. Essa dinâmica é divertida e funciona muito bem. Queria saber como foi, para você, interpretar esse personagem dentro do gênero da comédia. Foi uma novidade ou você já tinha experiência em outros trabalhos de comédia? 


Pedro Wagner: Olha, Caio, eu já tinha trabalhado com o Leandro antes. Ele, inclusive, foi um dos responsáveis por eu ter ido parar em O Rei da Feira, porque fizemos uma série juntos. Quando chegamos no filme, eu sempre dizia para ele e para o Felipe que não me sentia com todas as ferramentas, mas que era alguém atento e que gostava do jogo entre atores. Eu sou um ator para jogar, para brincar e transformar o brincar em profissão. Claro, o brincar mais sério do mundo, porque um set é como um front: uma luta contra o tempo e contra mil intempéries.


Acho que no filme isso aparece mesmo, existe uma química, uma energia entre mim e o Leandro que vem também da coxia. Nós dois somos uma matraca, não paramos de falar, e levávamos essa energia para cena. Eu acredito muito em processo, e esse foi um dos processos mais lindos que já vivi. É algo que não se esquece, porque o resultado é sempre consequência do processo, desde as leituras, os ensaios, até a filmagem.


Esse reencontro com o Leandro, dividindo mais tempo de tela e o co-protagonismo, foi muito especial. Mas eu sempre digo que não éramos só uma dupla, e sim um trio, porque o Felipe fez parte de tudo fundamentalmente. Ele estava em todos os ensaios conosco. Muitas vezes, em outras produções, o diretor nem participa dos ensaios, mas nesse caso era sempre eu, o Leandro e o Felipe. Isso criou uma dinâmica de trinca, um bate-bola a três, que trouxe muita força ao filme O Felipe também ama o set, gosta de estar ali. Eu até brincava dizendo que, se pudesse, o Leandro morava no set, de tanto que ele se sente à vontade naquele ambiente. E acho que toda a equipe tinha essa energia, desde a produção até todo mundo que estava junto.


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Caio Augusto (Oxente Pipoca): Me chamou atenção já na primeira parte do filme que, mesmo sendo uma comédia, ele mescla gêneros de forma surpreendente. Logo no início há a inserção do fantástico e, na virada para a segunda parte, entra o mistério. Isso já estava construído no roteiro ou foi um trabalho em conjunto? Como foi trazer esses subgêneros de maneira clássica, tendo o Hassum como personagem central transitando entre o fantástico e o mistério?


Felipe Joffily: Talvez esse seja o maior barato do filme, e isso não tem a ver diretamente comigo, mas com o trabalho do Gustavo, o roteirista. Ele é muito criativo, cheio de repertório, e nossas conversas sobre referências, sobre o que já se viu ou leu, foram muito ricas. Eu entro como intérprete do que ele escreve e, talvez, traga para ele o entusiasmo da leitura, o que também tem grande valor para um roteirista. Nesse sentido, funcionamos muito bem. E claro, tudo isso com o olhar da Patrícia, produtora, que soma ao grupo de trabalho.


O texto já traz muita criatividade, e o desafio é não resistir a isso, nem tentar podar ou traduzir demais. Para parte da equipe, a leitura parecia difícil, gerava muitas dúvidas: “Você tem certeza disso? Não estou entendendo nada”. Afinal, logo de cara já temos uma criança com dom paranormal, a falência da mãe, um roubo de pastel na feira e até a aparição de um soldado japonês. Imagina ler isso! Se assistir já é complexo, ler é mais ainda. Mas eu acredito que o público está mais habituado, e por isso é o menor dos problemas.


Meu esforço foi preservar essa criatividade e entender a estrutura do filme, que é relativamente complexa. O Hassum também ajudou muito, porque é um ator vivo, presente, capaz de transitar por gêneros sem julgamentos. Isso favoreceu o resultado. No fim, o filme é justamente um somatório de coisas. Se o momento é de drama, entramos no drama; se é de fantástico, estamos no fantástico; se é de mistério policial, seguimos por aí. O importante é manter o bom humor e colocar comicidade nisso tudo, aproveitando o talento do elenco. Esse cruzamento entre gêneros, essa “surfada” pela história, exigiu que elenco e equipe também estivessem livres e à vontade. Espero ter conseguido. Pelo menos na realização, sinto que tive essa oportunidade.


Caio Augusto (Oxente Pipoca): Por fim, temos uma tradição no Oxente Pipoca de pedir que vocês indiquem algum filme do cinema brasileiro que gostem, além de Paterno, é claro, para que nossa audiência possa assistir e conhecer outras obras.


Felipe Joffily: Eu sempre digo Rio, Zona Norte. Sempre que me pedem um filme brasileiro, falo desse. Foi o que me marcou, porque até então eu era muito voltado para o cinema americano. Só na faculdade descobri a cinematografia brasileira e fui entendendo, aos poucos, que o mundo era muito maior do que eu imaginava. Rio, Zona Norte me tocou profundamente.


É um grande drama, com flashbacks, cultura popular, música, personagens fortes. Inclusive, o protagonista me lembra de certa forma o personagem do Bode. Para mim, é uma referência para a vida inteira: Nelson Pereira dos Santos, Rio, Zona Norte.


Pedro Wagner: Para mim, seria qualquer filme do Sganzerla. Mas, se for para citar um, digo o óbvio: O Bandido da Luz Vermelha.


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