Entrevista | Gabriel Mascaro fala sobre protagonismo idoso e mudanças no roteiro de O Último Azul
- Ávila Oliveira
- há 6 dias
- 4 min de leitura
Terceiro longa-metragem do diretor, que estreia no Brasil neste dia 28, foi vencedor do Urso de Prata no último Festival de Berlim e foi foco da entrevista dele com o Oxente Pipoca.

Divulgação
O cineasta Gabriel Mascaro falou com exclusividade ao Oxente Pipoca sobre seu novo filme O Último Azul que entra em cartaz dia 28 de agosto. Durante entrevista concedida antes da pré-estreia do filme em Fortaleza na última quarta-feira (27), Mascaro falou sobre as mudanças no roteiro ao longo dos 10 anos em que o filme foi escrito, sobre poder assistir o longa em Manacapuru e explicou a escolha da cor azul.
O diretor também comentou sobre a escolha de Denise Weinberg para viver a protagonista Tereza e sobre a falta de protagonismo para idosos no cinema: “Acho que ela não estava acostumada a protagonizar um filme. E a verdade é que não existem muitos filmes escritos para que pessoas idosas sejam protagonistas.” Rodrigo Santoro, Adanilo e Miriam Socarrás também compõem o elenco. Na história, Tereza (Denise Weinberg), de 77 anos, viveu toda a sua vida em uma pequena cidade industrializada na Amazônia, até o dia em que o governo, buscando maximizar a produtividade econômica, ordena que os idosos se mudem para colônias habitacionais distantes. Ela, porém, se recusa a obedecer e decide embarcar em uma jornada pela floresta que mudará seu destino para sempre.
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Queria começar perguntando sobre a escolha da Denise. Tenho acompanhado entrevistas com ela desde A Metade de Nós, que saiu recentemente, e percebi que ela tem um espírito livre, rebelde, que parece combinar muito com a personagem. Além disso, apesar de ter uma carreira sólida, ela não fez muitos protagonistas. Como foi trabalhar com ela? Como ela recebeu essa proposta de interpretar uma idosa protagonista e ser o centro desta narrativa?
Gabriel Mascaro: A Denise foi muito especial nesse processo. Ela é uma atriz incrível, com muita experiência no teatro, e também com participações no cinema e na televisão. Mas, quando eu apresentei o projeto, ela reagiu com surpresa. Acho que ela não estava acostumada a protagonizar um filme. E a verdade é que não existem muitos filmes escritos para que pessoas idosas sejam protagonistas.
No desenvolvimento do filme, percebi duas linhas predominantes nesse tipo de narrativa: uma geralmente trata idosos em conflito com a morte, a despedida; a outra foca em idosos desconectados do presente, vivendo o luto de um passado que não volta mais. Esses filmes estão muito presos à morte ou ao tempo que passou, nunca ao presente. Eu queria, ao contrário, fazer um filme sobre o presente — sobre o agora. O Último Azul é sobre uma mulher que deseja, que se lança em uma aventura, que sonha. E acho que isso é universal: todos nós nos conectamos com esse impulso de sonhar e desejar, independentemente da idade.

Divulgação
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): E sobre o processo de criação: você mencionou em entrevistas que o texto estava sendo desenvolvido há cerca de 10 anos. Teve algo planejado no começo que acabou ficando de fora, seja alguma personagem, cena ou detalhe?
Gabriel Mascaro: Sim, teve mudanças significativas. Por exemplo, o filme tinha um final em que a protagonista voava, resolvendo o arco de forma mais clara. No entanto, optamos por um final mais aberto, que me pareceu mais sincero e honesto com a personagem. Isso manteve a protagonista viva e pulsante — o espectador sai do filme com a sensação de que ela ainda tem muito a viver e muitos desafios à frente, ao invés de encerrar o conflito e entrar em uma letargia pós-filme.
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Sou designer gráfico e preciso fazer esta pergunta cromática, por que a cor azul? Existe algum motivo específico que é contado no filme, algum simbolismo para além do que é mostrado no trailer e no material promocional?
Gabriel Mascaro: O título está ligado à ideia de desejo e liberdade. O filme fala sobre uma mulher que deseja voar, então o azul remete diretamente ao céu, ao voo. Então ligar isso ao “caracol da baba azul”, que deixa um rastro e, simbolicamente, muda o caminho da personagem, é um elemento quase mágico, uma “kryptonita azul” que marca o percurso da protagonista.
Ávila Oliveira (Oxente Pipoca): Para finalizar, você está na turnê de pré-estreias, e antes de vir a Fortaleza você esteve nas sessões antecipadas em Manacapuru e Manaus, dois lugares fundamentais para que o filme acontecesse. Como foi assistir ao filme nessas cidades que ajudaram a inspirar a narrativa?
Gabriel Mascaro: Foi muito emocionante nos dois lugares. Tínhamos uma cena com cerca de 100 figurantes idosos que eram da Associação de Idosos de Manacapuru, e eles puderam assistir a essa cena em praça pública. Em Manacapuru eu estava com medo de que o público fosse pequeno, de que não aparecesse ninguém, mas a praça lotou, e foi uma festa. Teve gente que parou de moto, teve gente dançando quando tocava as músicas. Poder devolver o filme para as pessoas que participaram dele foi muito especial, teve uma energia própria. Foi um momento de celebração, e deu para sentir a conexão real entre a narrativa e o público que inspirou o filme.