top of page
Background.png

Entrevista | “Fazer documentário é retratar um momento histórico”: Diretores e elenco falam sobre “Tijolo por Tijolo”

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 15 de ago.
  • 10 min de leitura

Em entrevista ao Oxente Pipoca, Victória Álvares, Quentin Delaroche e Albert Ventura discutem sobre o trabalho de escuta exercido durante a produção do documentário.


ree

Divulgação


Está em cartaz nos cinemas brasileiros Tijolo por Tijolo, vencedor dos prêmios de Melhor Direção e Melhor Montagem no festival Olhar de Cinema em 2024. Dirigido pela dupla Victória Álvares e Quentin Delaroche, o documentário conta a história da família de Cris Martins e Albert Ventura, moradores do bairro do Ibura, na periferia de Recife, e o processo de construção de sua nova casa. Enquanto lidam com a vinda de sua quarta filha e o desemprego, Cris e Albert passam a trabalhar como influenciadores numa plataforma de vídeos de forma a obter uma renda para a família, ao passo em que contam com o apoio coletivo de parentes e amigos para darem prosseguimento ao sonho da nova casa.


O Oxente Pipoca teve a oportunidade de entrevistar Victória, Quentin e Albert, que na ocasião falaram a respeito da produção do filme e como esta foi centrada em um trabalho de escuta ativo, realizado através da construção de uma intimidade e proximidade com os personagens. Além disso, eles discutiram como os sonhos individuais da família protagonista refletem as lutas e vivências de milhões de brasileiros.

Você pode conferir a entrevista na íntegra abaixo:

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Victória e Quentin, uma das coisas que mais se sobressaem no filme é como vocês conseguem acompanhar o cotidiano da família de Cris e Albert buscando o mínimo de interferência possível, dando espaço para que eles sempre tenham voz. Como foi organizar o processo de acompanhamento destes personagens e a produção do filme para construir esse ambiente onde eles se sentissem confortáveis com a presença de vocês no dia a dia?


Quentin Delaroche: Eu acho que o cinema da gente parte muito de um lugar de escuta, de um interesse pelo outro, pela experiência do outro. A gente conheceu Cris e Albert, na verdade, foi durante a pandemia. A Cris fazia parte de um projeto de solidariedade chamado Mãos Solidárias e ela era a agente popular no bairro do Ibura, era meio que a representante no bairro dela. A gente começou a desenvolver uma relação uma amizade e tal. Estávamos trabalhando um projeto sobre disputa política, e achamos que a Cris era uma personagem interessante para esse projeto. Enfim, no meio do processo, Cris descobre a quarta gravidez, e a casa deles iria desabar, então, tinha que destruir para reconstruir tudo do zero. E aí a gente entendeu que o filme é sobre a família de Cris e Albert, e foi aí que a gente começou a filmar com eles.


A gente acabou filmando durante 2 anos e eu acho que sempre de um lugar de cinema de observação. A gente estava acompanhando todos os altos e baixos da vida deles, mas para a gente foi muito importante esse tempo que passamos com eles. Às vezes a gente ia para casa deles sem filmar, passamos muito tempo também trocando ideia, ia para os aniversários, ia para ajudar. E eu acho que essa relação de tempo fez com que a gente criasse uma confiança mútua, e que fizesse com que a gente tenha essa naturalidade, essa intimidade que também está presente na tela.


Victória Álvares: Eu tenho outra questão que eu acho que acrescenta à resposta de Quentin, uma questão muito prática, que é a forma como a gente filma. Somos só nós dois no set de filmagem; em geral, as equipes são maiores. E a gente filma com tudo que cabe em uma mochila. Então, é uma câmera muito pequena, é com microfone pequeno, lapela, a gente só filma com luz natural. E eu sempre digo que essa é uma escolha estética, mas é uma escolha de relação também, sobre a forma como a gente se relaciona no dia a dia com as pessoas, e acaba sendo também uma escolha política.


Quando o Quentin diz que nossa direção parte de uma escuta, é de uma escuta ativa. Não significa que a gente não dirige, mas que a gente para dirigir não precisa pedir para pessoa subir três vezes uma escada. A gente não ia nunca pedir a Cris ou a Albert para refazer uma coisa que eles já tinham feito: “vocês podem fazer assim, vocês podem fazer assado?”. A gente está ali com eles para acompanhar a vida deles. Então, eles vão fazer da forma que eles acharem melhor, e não cabe à gente necessariamente estar julgando. A gente está ali observando com escuta atenta e respeitosa daquele momento.


Isso não significa que seja fácil dirigir nessa situação, porque é justamente é sobre o contrário. É você abraçar o imprevisível e entender o que há de belo, o que há de interessante, o que lhe inspira diante daquelas situações que vai descobrindo enquanto vai vivendo. Claro, hoje tem uma consulta. Ok, estaremos lá na consulta da maternidade. Mas a gente não sabe exatamente o que é que vai ser feito naquela consulta. Não é uma coisa que a gente vai ter o total controle.


E eu acho que essa é a nossa forma de filmar, não é a única forma de se filmar documentário, mas é a que nos interessa, porque nos permite ter uma relação de mais proximidade. Eu acho que é uma proximidade física, uma leveza física, uma agilidade diante das situações que vão se apresentando e que acaba também respingando no tipo de relação que a gente vai estabelecendo com as pessoas, com quem a gente vai compartilhando esses momentos.

 

ree

Divulgação


Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Albert, como foi para você e Cris serem acompanhados pela equipe do filme? Além disso, como você se sente diante do papel ativo que teve em construir a casa, considerando-a como o símbolo da casa de união dos laços familiares?


Albert Ventura: Bom, em relação à Vic e o Quentin, a gente em nenhum momento se sentiu invadido. A gente na verdade estava com dois amigos, né, que estavam dentro de casa com a gente, e não tinha um roteiro a ser seguido. A gente já estava trabalhando com redes sociais, e estávamos acostumados com isso de estar gravando, câmera, enfim. E Quentin e Vic acompanharam o nosso primeiro contrato oficial com uma rede social, que foi o do Kwai. Quentin até chegou a participar comigo de algumas gravações para fazer para o meu canal, para vocês terem uma ideia de relação que a gente tinha na época.


Se tivesse que dormir aqui, Quentin se embolava no sofazinho aqui [risos] e dormia para acompanhar. Vic acompanhava a Cris em todas as consultas, ela foi uma mão na roda para a gente. A gente agradeceu muito ela por isso, porque ela correu atrás de muita informação com relação à laqueadura, a tudo. Então, essa parte de gravação para a gente foi a mais fácil, a gente não teve nenhuma indisposição, nenhuma dificuldade. Eram dois amigos que estavam dentro de casa com a gente.


Com relação à casa, foi uma necessidade. Ou eu tomava a frente e começava a construir, ou a minha família ia ser mais uma que ia morar numa casa, num puxadinho, o resto da vida. Eu vim de uma família em que a gente morou, quando eu era criança, em dois cômodos, sendo três irmãos, meu pai e minha mãe. E meu pai o tempo todo falava: "Eu vou fazer, eu vou fazer, vou esperar dinheiro chegar, vai acontecer", mas nunca acontecia. E só foi acontecer depois que a minha mãe tomou a frente, começou a trabalhar, tomou a frente da casa, enfim, aí que a gente foi ter um quarto. Eu já tinha 18 anos quando eu tive meu primeiro quarto com o meu irmão. E eu falei que eu não queria isso para meus filhos.


No meio do processo [de construção da casa], como a gente ficou sem dinheiro, aí eu não tinha escolha. Eu comecei com o acabamento aqui debaixo e daí, depois disso, a gente foi para a parte de cima. Eu uni o útil ao agradável, que eu sempre fui muito bom com essas coisas de manual, eu pego muito fácil. No meio do processo aqui da demolição e fim da construção, eu já comecei a me inteirar do assunto, mas não tinha metido a mão na massa ainda. E foi na segunda fase que eu realmente meti a mão na massa.

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): O filme passeia por vários tópicos que dizem respeito não só à vida de famílias das periferias do Brasil, mas talvez do Brasil como um todo. Como conseguir esse equilíbrio entre mostrar essas experiências tão pessoais da família com abordar temáticas mais gerais e que conversam com milhões de pessoas, como o sonho da casa própria?


Quentin Delaroche: Eu acho que fazer documentário é retratar um momento histórico. Inclusive que a gente espera que se o filme vai ser visto daqui a 50 anos, as pessoas entendam que nessa época o Brasil era isso que que a gente estava vivendo. A gente nunca queria fazer um filme sobre um elemento específico. “Ah, vai ser um filme sobre a laqueadura”, “ah, vai ser um filme sobre a moradia”. A gente sempre partiu da experiência de vida de Cris, Albert da família, e queria enxergar como essa vida é atravessada com coisas complexas, com temáticas complexas.


Então, durante a filmagem e principalmente e depois na montagem, a gente identificou três linhas narrativas: tinha a construção da casa, que a gente acompanhou do primeiro andar até terminar os quartos; a maternidade, que vem de um lado pela gestação de Yasmin e também na luta pela laqueadura; e o trabalho com as redes sociais. E aí tudo vai se entrecruzando ao longo do filme.


Acho que o que foi desafiador no trabalho de montagem é que as imagens têm vários dispositivos no filme. Têm as imagens que a gente filma de forma observacional, mas também têm as imagens que Cris e Albert postam nas redes sociais, porque como eles são influenciadores digitais, para a gente era essencial que isso estivesse presente no filme. Não só eles com celular e gravando e tal, mas acho que o próprio conteúdo deles viesse surgindo no filme também, e ajudasse também a construir a narrativa do filme.


Além desses dois dispositivos, a gente emprestou o celular para Caique, que é o filho do meio, e na época tinha 7 anos. É um menino muito sensível, que tem uma curiosidade, um interesse, um olhar muito peculiar. E a gente sacou isso e a decidimos emprestar o celular para ele, e sugerimos para ele retratar a realidade dentro dessa casa a partir do seu olhar. E foram muitas pérolas, ele filmou mais de 20 horas de material e em algum momento a gente pensou putz, ele está roubando o protagonismo, o filme é sensacional sobre ele” [risos].


Mas a gente conseguiu achar um equilíbrio para ele estar presente, mas também com muitas outras temáticas, outras vivências que precisavam avançar. Tem muitos filmes possíveis, e aí tem muitas coisas que ficaram de fora. Mas além desses três dispositivos, Cris e Albert abriram para a gente o baú do registro familiar. Eles copiaram no HD para a gente todas as fotos da relação deles, há 10, 15 anos. Então, aquele trecho do início, por dos créditos iniciais, faz um pouco um condensado da vida deles, desde quando se encontraram até agora, quando a gente começa filmar. Então, foi muito material, meses e meses para montar, foi um desafio para a gente, mas acho que a gente está bem feliz com o resultado.


Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Por fim, nós do Oxente Pipoca sempre pedimos aos nossos entrevistados que indiquem seus filmes nacionais favoritos para o nosso público. Quais seriam as suas indicações?


Victória Álvares: Eu pensei mais numa música do que num filme; em duas, na verdade. Uma é Tijolo por Tijolo, que é um samba interpretado por Alcione e é o mesmo título do filme, mas também uma expressão no nosso país, eu acho que do norte ao sul do nosso país, todo mundo entende o que isso quer dizer, tijolo por tijolo. Ele surgiu na pandemia, e era um momento de muita incerteza, mas ele traz muita certeza de que em algum momento as coisas vão dar certo, que a gente tem a impressão de que está tudo caindo ao nosso dor, mas em algum momento a gente vai ter força para arregaçar as mangas, para limpar aquilo ali e para recomeçar. Então, eu acho que é uma música que me inspirou muito e que inspira o cinema que eu faço, e tem muito a ver com esse filme.


E outro samba que queria indicar é História Para Ninar Gente Grande, que foi um samba vencedor da Mangueira sobre Marielle Franco. E ele tem uma frase que se relaciona muito com o filme, com a história de Cris e Albert: "Eu quero um país que não tá no retrato". Então, eu volto com esse samba para enaltecer todo cinema brasileiro que tenta de alguma forma construir esse país que não está no retrato.


Albert Ventura: Um filme que eu gosto muito é Aldo – Mais Forte que o Mundo, sobre a história de José Aldo. Para mim é um filme perfeito. Retrata muito isso também da pessoa vir da periferia, brigar para crescer, enfrentar vários problemas e não desistir. E no filme dele, graças a Deus, no final ele consegue o reconhecimento, aquilo que ele buscava.


O outro que vou indicar é um que está em cartaz agora, lógico que é Tijolo por Tijolo. Eu tive essa experiência também de conseguir inspirar outras pessoas. Teve gente que veio falar comigo que queria ser pai, porque me viu sendo pai. Teve um pai, inclusive nessa sessão de ontem [no Cinema São Luiz], que chorou. Ele falou que o filme foi um presente de Dia dos Pais. Meninas também vieram falar assim: "Nossa, eu vi meu pai direitinho ali em você fazendo as coisas ". Foi muito legal. Então essa é minha indicação também.


E já que Vic indicou uma música, tem uma música que eu gosto muito, que é a do Pato Fu, Perdendo Dentes. Para mim é uma música perfeita que fala sobre a conexão da gente com a gente mesmo, e que a gente se perde quando a gente tenta provar alguma coisa para alguém. Que as brigas que a gente ganha, a gente não leva nada e as que a gente perde, a gente aprende muito. A música fala disso, eu gosto muito. Acho que é isso.


Quentin Delaroche: Já que o Oxente Pipoca fala de filmes nordestinos, vou indicar Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, de Marcelo Gomes e Karim Ainouz, que é um filme que eu gosto muito e me inspirou, e também Inferninho, de Pedro Diógenes e Guto Parente. São filmes bem diferentes de Tijolo por Tijolo, mas a gente vai pegando referência com coisas que vão inspirando a gente, mesmo se formos para outro caminho.

bottom of page