Crítica | Tijolo por Tijolo
- Vinicius Oliveira
- 7 de ago.
- 3 min de leitura
Documentário sensível registra os sonhos, lutas e laços de uma família periférica.

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O sonho de Cris Martins e sua família é o mesmo de tantos milhões de brasileiros: construir sua casa própria. Nos primeiros minutos de Tijolo por Tijolo, a vemos em lágrimas diante da perspectiva de perder sua casa devido às rachaduras, além do fato dela e o marido estarem sem empregos formais. Junte-se a isso a descoberta de uma quarta gravidez – tudo isso em meio à pandemia da COVID-19 –, e tem-se um palco pronto para uma narrativa de muitas adversidades e que periga ser bastante exploratória e dessensibilizante. Mas ao comporem os créditos com uma sequência de fotografias que contam a história desta família, os diretores Victória Alves e Quentin Delaroche mostram que estão interessados em um outro tipo de abordagem.
Sim, Tijolo por Tijolo não se furta a mostrar os muitos obstáculos no caminho de Cris, marido, filhos e as pessoas que os cercam. Mas o documentário está muito mais interessado em acompanhar o cotidiano desta família, pontuar as alegrias, a intimidade, os laços que os estreitam. A câmera de Alves e Delaroche filma, mas não tece comentários a partir de si própria: não há narração em voice over, ou registros das interações dos diretores com o elenco. Na medida do possível, estes personagens narram sua própria história, se apresentam para a câmera e nos tomam pela mão para que sejamos guiados pelo seu dia a dia.
Essa escolha se revela o grande acerto da obra, já que traz uma naturalidade a esse cotidiano que nos torna íntimos de Cris e sua família. Há um calor palpável que permeia a obra, explorando também um outro lado do Recife, a sua parte periférica que nem sempre vemos em outras produções ambientadas na cidade.

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No entanto, há também alguns ônus, em particular a ausência de um eixo narrativo mais central. Embora a construção da casa seja o mote principal até certo ponto, ele gradualmente passa a dividir espaço com outros tópicos (como a busca de Cris por uma laqueadura, suas relações familiares e de amizade, seu trabalho como uma influenciadora digital periférica, etc), e nisto é perceptível que algumas abordagens são menos desenvolvidas do que outras, ainda que a ideia é que elas partam da observação orgânica das vivências dos personagens.
Além disso, há um certo contentamento com um nível mais superficial daquilo que é exposto em tela: em especial, o filme tem a possibilidade de discutir as ações de Cris como influenciadora como uma forma de se sobressair em meio à recessão econômica, bem como os efeitos de um pensamento neoliberal e meritocrático em populações periféricas, mas nunca vai além nesse ponto. Talvez isso se dê por uma escolha de não tecer comentários próprios e dar ao espectador a possibilidade de tirar suas próprias conclusões, mas fica evidente uma falta de profundidade nesse e em alguns outros pontos da obra.
Apesar disso, mesmo nesses instantes mais irregulares, Tijolo por Tijolo se sobressai por sua sensibilidade, pela humanidade que encontra em seus personagens ao transformá-los em agentes ativos de suas próprias histórias. É impossível não torcer e vibrar junto com Cris a cada uma de suas vitórias, se angustiar diante de quaisquer dos seus reveses e não se emocionar com os instantes mais íntimos, na força da coletividade expressa no filme. Como canta a imortal Alcione nos minutos finais, na música que dá nome ao filme:
Mesmo que o mundo desabe na minha cabeça
Deixando em destroços minha construção
Enxugo meus olhos, recolho meus cacos
Me entrego de fato à minha oração
Pois de tudo posso em quem me fortalece
Há sempre um alguém pra lhe estender a mão, oi
Nota: 3.5/5