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Entrevista | Rodrigo Aragão e Gilda Nomacce falam sobre o terror urbano de “Prédio Vazio”

  • Foto do escritor: Caio Augusto
    Caio Augusto
  • 11 de jun.
  • 9 min de leitura

Em entrevista ao Oxente Pipoca, diretor e atriz do filme falam como a estética artesanal, o conceito de filme-escola e as camadas emocionais da personagem se conectam à crítica social sobre solidão, maternidade e abandono nos centros urbanos.

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O terror capixaba Prédio Vazio, novo longa de Rodrigo Aragão, estreia nos cinemas de todo o Brasil no dia 12 de junho, com distribuição da Retrato Filmes. Pela primeira vez ambientado em um cenário urbano, o cineasta convida o público a mergulhar em um horror psicológico à beira-mar, nas paisagens de Guarapari. Na trama, Luna parte em busca da mãe desaparecida no último dia de Carnaval e acaba entrando em um antigo prédio aparentemente desabitado, mas onde presenças perturbadoras ainda habitam.


O Oxente Pipoca entrevistou Rodrigo Aragão e Gilda Nomacce, que compartilharam os bastidores da criação de Prédio Vazio, falando sobre a construção artesanal dos cenários, o conceito de filme-escola, a abordagem do horror psicológico e urbano, e a complexidade emocional da personagem vivida por Gilda, marcada pelo isolamento e pela busca por afeto.


Caio Augusto (Oxente Pipoca): Inicialmente eu gostaria de fazer uma pergunta pro Rodrigo, que seria sobre o prédio em si. Que é um elemento que me instigou muita curiosidade e acaba meio que caracterizando como o seu primeiro longa urbano, né? Sempre mais habitual ali nos cenários rurais,  manguezais e agora se coloca nesse cenário mais urbano, do prédio e no qual o prédio se coloca como um personagem ali, quase como uma entidade. Como foi esse processo de colocar o prédio como potência na narrativa?

 

Rodrigo Aragão: Inicialmente, a gente até cogitou filmar em um prédio real, mas nas primeiras tentativas de contato eu vi que não ia rolar, ia ser um problema grande. E aí nós optamos por uma estética mais fantástica. O que me deu uma certa liberdade de utilizar truques do cinema antigo. Então, assim, o prédio foi construído à mão. Foi quase um mês de trabalho nele. Nós fizemos uma miniatura de 2,5 metros de altura. Os cenários foram todos montados; a maior parte foi feita do zero. E eu pude fazer truques como, tem momentos do filme em que o mar é feito de plástico e o céu é feito de algodão com luz atrás.


Então, assim, são coisas que nem sempre o público vai perceber, mas eu acho que isso dá uma diferença de imagem, dá alguma coisa. O povo percebe, às vezes não sabe o que está diferente, mas sabe que tem alguma coisa diferente. Eu acho que tudo isso cria uma aura especial para o filme, que algumas pessoas vão odiar de início, mas eu acho que isso faz desse filme um filme único, um filme diferente.


Caio Augusto (Oxente Pipoca): Gilda, agora falando sobre sua personagem, né? Que tem uma complexidade emocional enorme assim, ainda mais quando a gente percebe que o filme aborda essa questão da maternidade. Então tem um peso psicológico imenso. E ainda mais uma personagem que se vê inserida nesse local fechado, nesse prédio, nesses locais mais opressores mesmo. Então, como foi a preparação do papel para essa personagem, como se deu essa ideia, e essa troca com o Rodrigo para preparar esse personagem para o "Prédio Vazio"?

 

Gilda Nomacce: Eu cheguei uns dias antes, e nós conversamos muito, assim, contando causos. Eu até aluguei o Rodrigo, contei um monte de coisas da minha vida, sempre aquela coisa de buscar os paralelos. E também tem uma coisa nessa mulher, que é a solidão. Porque é tanto que, quando eu sequestro a personagem da Rejane, eu primeiro me divirto um pouco com ela. E isso me pegou muito: esse lugar de você ter tanta gente no entorno... Porque, claro, o filme é a partir do esvaziamento. Tem o Carnaval, que é a época máxima da temporada, que, aliás, aquele filme é lindo, né? Onde começa tudo.

 

Então, eu não vivenciei no período do filme a temporada cheia, mas dentro de mim tinha esse momento, essa vivência de anos ali naquele prédio sendo zeladora, com todas aquelas pessoas... Mas ninguém tem intimidade comigo. A única pessoa com quem eu tenho um vínculo é uma filha morta, que é um vínculo estabelecido de uma maneira... Me veio a palavra "embriagante", porque, apesar de eu até ensinar como se vê um fantasma, né? Tem aquele momento em que eu falo: “É só olhar”, coisa do Rodrigo, né? Não sei se dá certo, mas ele disse que sim.

 

A minha intimidade é com um fantasma que eu nem, de fato, tenho essa percepção total. Tanto que outra pessoa vê a minha filha, e eu não. E tem aquele momento, até com aquela foto muito bonita, em que minha filha tá aqui junto de mim, que até me arrepia falar disso. Essa cena foi muito forte, porque tinha essa presença do afeto, que já é esvaziado. Então, o prédio é vazio, mas a minha existência também é esvaziada, de afeto. Absolutamente esvaziada de afeto.

 

Então, essa "brincadeira", com essas pessoas que eu sequestro. Eu tenho, de fato, um carinho. Eu estava falando com a Lorena sobre a sopinha, a Lorena morre de rir, porque elas estão lá juntas, e aí de repente eu falo: “Toma uma sopinha.” Eu realmente faço uma sopa gostosa. Eu quero oferecer aquele alimento. Eu quero uma amizade. Só que as pessoas não sabem me receber. E aí eu fico nervosa. Porque eu não sei me relacionar. Então, por não saber me relacionar, eu resolvo de outra forma. Eu tento uma amizade. Eu acho aquela cena da alimentação muito metafórica e muito bonita. Acho que naquela cena acontecem muitas coisas. Porque é isso: é uma tentativa de, de fato, alimentar, mas não consegue, porque é torto, porque não teve isso, não conhece isso em si.

 

Tanto que o que dá um novo andamento para o filme, que é quando começa aquela violência.... né? Aquele andamento que vai até o fim, é quando a personagem da Rejane diz que nem a minha filha gosta de mim. Aquilo não deu pra suportar. Eu tinha até servido um vinho pra ela. Eu queria... eu queria a amizade. Então, também, as pessoas provocam, né? Não morrem à toa. É só uma forma. Então, eu acho que é muito a respeito de afeto essa temporada que está no que é o todo. Esse esvaziamento de sentido, de humor, esse monte de gente que não tem casa pra morar, e ficam aqueles apartamentos todos vazios de frente para o mar. Então, essas relações que se dão de formas muito tortas, né? Acho que tem muitas críticas nesse filme. A gente ri, a gente morre de medo, a gente sente muitas coisas, mas a gente está falando de coisas importantes.


A gente está falando desse mercado imobiliário, dessa coisa, né? De tudo isso que é a nossa sociedade. E também dessa falta de condição de se relacionar, dessa tentativa,  essa tentativa que, não se conseguindo, é resolvida de uma forma brutal. Que eu também acho que acontece muito na nossa sociedade. Acho que muito mais gente gostaria de ser legal e oferecer uma sopinha. Mas, ao se sentir rejeitado, estando em lugares de isolamento, acontece a agressividade. Então, eu fui muito para esse lugar de tentar me relacionar... e não consegui.


Rodrigo Aragão: E uma coisa que eu lembro, assim, que me marcou muito: quando a gente sentou para conversar sobre a personagem mesmo, já perto de filmar, quando a Gilda chegou lá em Guarapari, a gente falou sobre ela. No final da conversa, a Júlia falou assim: “Então, ela não é malvada. Ela não é malvada. Ela é complicada. Não é malvada.” Eu achei muito legal isso. E é verdade, ela tem problemas, mas ela não é uma má pessoa.


Caio Augusto (Oxente Pipoca): É, me lembrou muito o "A Morte do Demônio: A Ascensão". Que é esse último e último filme do "Evil Dead", né? Porque tem realmente essa coisa da mãe que é possuída. E essa essa fisicalidade  corporal me lembrou bastante.


Rodrigo Aragão: Eu acho que as coisas estão no campo das ideias, assim. Esse projeto levou muitos anos para ficar pronto. Eu sou muito fã do Evil Dead. Assim, quando descobri que o Evil Dead ia fazer um filme sobre um prédio, foi marcante pra gente. E eu gostei muito do filme. E teve outra coincidência também que eu achei muito interessante, que é a cena da mão segurando uma chave, tem um filme, acho que Maxxxine, que tem um plano igualzinho, cara. Eu falei: “Olha lá, todo mundo vai falar que eu imitei, mas eu já tinha filmado.” Parece que é o campo das ideias, ele acontece em vários lugares ao mesmo tempo.


Caio Augusto (Oxente Pipoca): Na sua filmografia como um todo assim, tem bastante uma questão do artesanal, né? E nesse filme me chamou a atenção o tanto o artesanal como o coletivo quando nos créditos iniciais a gente observa o conceito de filme-escola. E eu queria que você falasse um pouco sobre esse conceito e como isso influenciou no filme.


Rodrigo Aragão:  Então, o filme-escola é uma maneira que eu encontrei de continuar fazendo filmes no lugar em que eu nasci, onde eu pretendo continuar fazendo cinema. É uma necessidade de mapear pessoas que têm um sonho parecido com o meu, que querem trabalhar com cinema. E, ao mesmo tempo em que eu dou oportunidade para essas pessoas vivenciarem um set e terem um intercâmbio tão importante com pessoas do calibre da Gilda, pessoas experientes, também me habilita a continuar produzindo ali. Então, é um projeto muito do bem, que funcionou muito bem. E é um aconselhamento, assim, uma dica que eu dou para quem está fazendo filmes pelo Brasil afora e tem dificuldade de formar equipe: é um caminho que funciona mesmo. Porque, em todo o Brasil, tem gente sonhando em fazer cinema, precisando só de um empurrãozinho.


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Gilda Nomacce: Ah, para mim também foi muito motivador ser um filme-escola, porque eu também acredito que a gente não pode ser extrativista, sabe? Eu não vou para um filme pensando: “Ai, o que eu vou ganhar desse filme? Como é que vai ser para a minha carreira?” Eu amo trocar. E essas pessoas que estavam ali, essa coisa de formar pessoas pelo Brasil todo... Cada vez que eu filmo fora de São Paulo, amo filmar em São Paulo, mas eu acho tão importante que existam profissionais incríveis em todos os lugares, inclusive no interior, né? No caso, ali também é interior. Então, eu acho tão bonito isso. E foi muito, muito forte essa relação que eu tive com os atores, com essa formação. Porque a Rejane já é uma atriz que tem uma carreira enorme, o que foi maravilhoso, mas a Lorena, que está em seu primeiro filme, e já como protagonista, essa integração de uma pegada com a outra... Porque, ao mesmo tempo em que eu tenho experiência, é muito instigante ver quem está começando, porque está aberto.

 

Eu gosto de pessoas que não sabem, entre aspas. Porque, quando você acha que sabe muito, às vezes você está, na verdade, congelado, né? Você está repetitivo. Então, eu achei fantástico todos os profissionais que estavam lá, mas também todo mundo que estava fazendo estágio, porque tinha uma cabeça. E as pessoas estavam se formando. E eu conhecia muitas dessas pessoas, porque eu tinha dado uma oficina em Vitória, no Festival de Vitória, e esses eram quatro alunos que tinham sido meus alunos e com quem eu tive um processo muito profundo. E quando eu os reencontrei, eu pensei: “Nossa, uma coisa é você dar uma oficina e ser a pessoa que está falando como faz. Outra coisa é essas pessoas verem, de fato, como você é.”

 

Eu fiquei insegura. Pensei: “Será que eles vão pensar: ‘A Gilda falou tudo isso... e agora olha o que ela é?’” Mas foi um convívio maravilhoso, com muita troca. Eu tenho certeza de que esses profissionais que o Rodrigo formou, eu já chamo de profissionais, porque já são pessoas muito bem formadas. E ali nem se sabia mais quem era profissional, quem era da escola. Isso foi bacana, o Rodrigo fez uma oficina longa. Então, todo mundo entrou com muita vontade e com preparo.

 

Caio Augusto (Oxente Pipoca): Por fim, nós do Oxente Pipoca temos uma tradição de pedir aos nossos entrevistados que indiquem filmes brasileiros que achem que o público deveria assistir. Quais são as indicações de vocês?

 

Gilda Nomacce: Eu gosto muito de um filme do Caetano Gotardo que se chama O que se move. Acho um filme muito bom e eu acho que são três atrizes, três grandes atrizes que é a Cida Moreira que sempre que eu tenho que pensar, sempre que eu faço uma personagem que sabe muito o que faz, a referência é a Sida Moreira. Com Andrea Marques e com Fernanda Viacava, três atrizes fantásticas. É um filme muito poético e eu acho que ele foi pouco visto pela qualidade que ele tem e eu recomendo esse filme.

 

Rodrigo Aragão: Eu vou indicar, na verdade, um cineasta que eu sou muito fã, que é o Paulo Biscaia, lá de Curitiba, que ele tem filmes incríveis. Todos os filmes dele vale muito a pena ver e eu gostaria que as pessoas conhecessem. E tem um chamado Nervo Craniano Zero, que é maravilhoso, é muito diferente, é muito interessante e vale a pena ser descoberto aí  pelo grande público brasileiro.

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