Entrevista | “Sabemos que não vai acabar com a violência, mas pode deixar de ser um tabu”: Caco Souza fala sobre “Atena”
- Vinicius Oliveira
- 1 de ago.
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Em entrevista ao Oxente Pipoca, o diretor discutiu sobre a temática da violência de gênero abordada no filme.

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Estreou nos cinemas nesta última quinta (31) o longa-metragem Atena, dirigido por Caco Souza e estrelado por Mel Lisboa e Thiago Fragoso. Ambientado em Gramado-RS, o filme segue a personagem-título (Lisboa), a qual, marcada pelos abusos do pai na infância, decide fazer justiça criando um grupo que atrai e julga agressores. Com a ajuda do jornalista Carlos (Fragoso), ela encontra seu pai em Montevidéu e inicia uma busca por vingança, confrontando os limites entre justiça e retaliação.
O Oxente Pipoca teve a oportunidade de entrevistar Caco Souza, que falou a respeito das discussões que o filme promove a respeito da violência de gênero e do feminicídio, do seu processo de trabalho e também dos seus projetos futuros. Você pode conferir a entrevista na íntegra abaixo:
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Quais foram as motivações para ambientar a história no Rio Grande do Sul? Existe algum fator local relacionado à violência de gênero no estado que te motivou a situar a trama em Gramado?
Caco Souza: Bom, a gente sabe que violência de gênero é uma coisa mundial, não tem um lugar que não tenha isso. Mas o Enrico Peccin, roteirista do filme, é de Gramado. E Gramado tem toda aquela cara de cenário, é uma cidade toda certinha, toda bonitinha. Mas nesses lugares esse tipo de violência também acontece. Então quisemos provocar um pouco, mostrar que não acontece apenas nas periferias ou nos grandes centros, então essa foi a intenção dele ao escrever o roteiro.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): O seu filme parece beber de várias fontes cinematográficas, como “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”. Quais filmes mais te inspiraram?
Caco Souza: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres foi uma das referências que mandei para a Mel [Lisboa], para ajudá-la a construir a personagem. Porque eu acho que a Mel faz um trabalho muito bacana de construção de personagem. Mas especificamente eu acho que tento buscar essas referências como pessoa, como ser humano. Tento colocar na tela aquilo que entendo como esteticamente bacana ou socialmente pertinente.
Não tenho esse hábito de assistir muita coisa só no sentido de buscar referências para fazer algo parecido ao que alguém já fez. Isso é uma coisa que é inerente, que tá no nosso dia-a-dia, porque se você assiste tanta coisa, lê tanta coisa, vai em exposições, etc., acaba tendo uma carga muito grande de referências. Mas assistir especificamente a um filme porque eu gostaria que o meu filme tivesse essa cara não é algo que eu já fiz. Eu procuro ler o roteiro e transformá-lo em ação, em sequências, e até deixo que as referências falem porque elas estão impregnadas, mas não de forma explícita.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Como você espera que o filme sirva para discutir o problema da violência de gênero e do feminicídio no Brasil? Por mais que tenhamos ali a falência do sistema em proteger as mulheres – e por consequência a figura vigilante da protagonista –, como ele pode contribuir para o debate e a opinião pública?
Caco Souza: Essa construção audiovisual que a gente fez, por mais que seja para uma personagem fictícia, tem uma série de verdades. A gente se depara com isso no dia-a-dia, vê notícias, fica sabendo sobre, então o Enrico, de uma forma muito bacana, conseguiu juntar ali uma série de histórias ligadas a esse tipo de violência contra as mulheres.
A gente espera que, de alguma maneira, isso toque as pessoas, que levante alguma discussão. Sabemos que não vai acabar com a violência, mas pode discutir, deixar de ser um tabu, para que as pessoas não se escondam, que denunciem e vão atrás dos direitos. Porque a grande história ali do filme é como Atena não conseguiu essa justiça e acaba indo fazer justiça por ela mesma.
Se o filme conseguir trazer essa discussão já vai ser uma grande vitória, porque é de se imaginar que para as mulheres isso é um grande trauma, essa invasão, demonstração de poder. É um exercício de poder muito ruim, tem muito aquela coisa do patriarcado que ainda perdura em nossos dias.

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Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Agora eu queria que você falasse um pouco de seus projetos futuros. Sei que seu próximo filme é intitulado “Mato ou Morro”, então o que pode nos dizer dele e de outros filmes que está preparando para dirigir?
Caco Souza: O Mato ou Morro é outro projeto que a gente desenvolveu junto com a A2, com a distribuidora, uma parceria muito bacana. E ele tem outra pegada, já é uma comédia mais ácida, uma comédia de erros, com uma pegada um pouco mais de ação. Deve ser lançado em breve pela A2, a gente tá vendo uma data que seja possível. Porque enfim, você sabe como é, a gente acaba lançando filme junto com um blockbuster americano e a possibilidade de se dar mal é muito grande. Então a gente tá esperando uma data melhor para lançar.
Agora no segundo semestre eu vou para uma outra vertente, que é um filme histórico sobre os torpedeamentos de navios brasileiros na costa aqui do Atlântico Sul durante a II Guerra, ali na divisa entre Bahia e Sergipe. Vamos começar a filmar essa história que não é muito conhecida, de que a guerra bateu aqui na nossa porta antes do Brasil se juntar a ela. Vai ser um drama, um romance que começa no Rio de Janeiro, entre a filha de um almirante e um marinheiro preto, e eles vão estar nesse navio que vai ser torpedeado. Então no segundo semestre a gente começa a rodar o Corações Naufragados, que vai se passar em 1942 na divisa da Bahia com Sergipe.
Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Por fim, nós do Oxente Pipoca sempre pedimos aos nossos entrevistados que indiquem filmes nacionais que achem que o público deva assistir. Quais seriam suas indicações?
Caco Souza: Eu sei que esse é bem óbvio, mas Ainda Estou Aqui é um baita filme no sentido de resgatar essa memória recente do nosso país, essa brutalidade com a qual a ditadura militar tratou o povo brasileiro e a oposição. Nós estamos em um momento político muito estranho, e o cinema pode mostrar que não é bem por aí, porque já vivemos essa experiência.
Então acho que o Ainda Estou Aqui tem essa característica muito boa, assim como 400 Contra Um, que é um filme que eu fiz e que também mostra um pouco desse período turbulento do país. Período que a gente quase viveu de novo, porque quando se fala em ditadura militar sabemos que muita gente ainda apoia, que gosta, que acha que o país devia voltar a viver uma. Mas acho que o cinema pode nos dizer: “dá uma olhadinha no que aconteceu lá atrás”, então eu ficaria com essa indicação do nosso vencedor do Oscar.