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O que o Oscar 2025 representa para o cinema brasileiro?

Foto do escritor: Rafael CarvalhoRafael Carvalho

A contribuição de 'Ainda Estou Aqui' para o nosso eterno recomeço

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Em 1999, Carlos Augusto Calil refletia sobre o “eterno recomeço” do cinema brasileiro, enfatizando que ele sempre “renasce do zero a cada ciclo e os problemas se repetem infinitamente, sem o vislumbre de uma solução estrutural que permita, enfim, a superação dos mesmos entraves. O caso atual — o dito 'renascimento do cinema brasileiro', inventado pela mídia — não é diferente. A retomada da produção mais uma vez se coloca como o marco zero.” O autor escrevia isso no que podemos chamar de “auge do Brasil no Oscar”: em cinco anos, o país foi indicado três vezes na categoria de Melhor Filme Internacional, um feito impressionante para um país fora do eixo europeu, que domina a categoria há décadas.


Na época, muitos acreditavam que era questão de tempo até que nossos filmes quebrassem a barreira da língua que imperava na premiação estadunidense e conquistassem espaço nas grandes categorias. De certa forma, eles não estavam errados. Cidade de Deus, embora não tenha concorrido na categoria voltada a filmes falados em língua não inglesa, foi indicado a quatro prêmios, incluindo Melhor Direção. Sendo um pouco especulativo, talvez tenha ficado por pouco fora da disputa de Melhor Filme – algo que, acredito, teria acontecido se, na época, o Oscar já adotasse a regra dos 10 indicados fixos para a categoria principal. Mas, 25 anos depois da nossa última indicação em Melhor Filme Internacional, um outro fez exatamente o que muitos diziam estar “faltando pouco”.


Dirigido por Walter Salles, Ainda Estou Aqui foi indicado à categoria mais importante do Oscar, a de Melhor Filme – um feito impressionante para uma produção falada em português e, principalmente, por ter ficado de fora das categorias de Melhor Roteiro Adaptado e Direção. Algo que, quem sabe, poderia ter acontecido se houvesse mais uma semana de campanha, já que o timing estava todo conosco. Mas, como mencionei antes, isso é pura especulação – algo que estará presente ao longo deste texto. Antes, porém, vale refletir sobre essa crescente presença de filmes estrangeiros na premiação.


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Nos últimos quatro anos, 6 filmes da categoria internacional foram indicados ao Oscar de Melhor Filme. Para efeito de comparação, entre 1990 e 2020, um espaço de 30 anos, apenas 5 alcançaram essa indicação. Não, você não leu errado. E isso não chega a ser surpreendente, já que, nos últimos anos, a Academia tem ampliado consideravelmente seus convites para artistas e profissionais da indústria internacional, prezando pela diversidade, inovação e pelo slogan de "festa do cinema mundial". No entanto, apesar de avanços visíveis, ainda há um longo caminho a percorrer.


O indiano Tudo que Imaginamos Como Luz, que arrisco dizer ser o filme internacional mais aclamado do ano, ficou de fora dessa grande festa estadunidense. O alemão-iraniano A Semente do Fruto Sagrado? Restrito à categoria de Melhor Filme Internacional. O irlandês Kneecap, que dominou o BAFTA, sequer conseguiu uma indicação. E nem preciso comentar sobre o domínio europeu na premiação: Ainda Estou Aqui é o único filme não europeu indicado na categoria internacional.


Voltando para a citação de Calil, a presença do filme de Walter Salles nos coloca novamente nessa encruzilhada. O cinema brasileiro esteve longe de passar despercebido nos grandes festivais do cinema mundial. Em Cannes, Kleber Mendonça Filho e Karim Aïnouz vêm fazendo bonito com seus trabalhos mais recentes. Em Berlim, o país sempre passa por diversas mostras, incluindo este ano na competição principal com O Último Azul, onde venceu o prestigiado Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri. No Festival de Locarno, não faz nem cinco anos que levamos o prêmio principal com Regra 34, de Júlia Murat. Além da fantástica rodada de festivais que filmes como Pedágio, de Carolina Markowicz, fizeram. Enfim, relatos e exemplos não faltam. Mas por qual motivo o público não consegue se enxergar e/ou acompanhar essa linda jornada que nosso audiovisual vem fazendo?


Minha resposta sempre será a mesma: a falta de divulgação dos nossos feitos. Existem, sim, mídias jornalísticas que dão visibilidade a esses momentos, mas o público não tem o hábito de, por conta própria, buscar as histórias do nosso cinema. Embora isso não seja uma falha diretamente atribuída aos veículos tradicionais de comunicação, é, em parte, responsabilidade deles, pois o público tende a consumir o que está mais facilmente acessível e acaba tratando isso como algo “normal”. Se nós, dentro do nosso próprio país, não valorizamos isso como algo natural, quem o fará?


Essa falta de reconhecimento também se reflete na distribuição dos filmes brasileiros nos cinemas. Enquanto não pudermos nos reconhecer na tela, com filmes como Kasa Branca e Baby tendo um lançamento amplo e uma presença realmente expressiva nas salas – para citar apenas alguns exemplos recentes –, essa sensação de anormalidade em relação ao nosso cinema não desaparecerá, mas se tornará ainda mais enraizada. E isso apesar de ambos terem sido premiados em diversos festivais. Mas, para o grande público, esses prêmios não possuem o mesmo prestígio do Oscar.


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As políticas públicas precisam desempenhar um papel primordial nessa mudança, seja na urgente regulamentação dos streamings ou na contínua criação de editais culturais que descubram novos realizadores. Com isso, aumenta-se o número de projetos, oportunidades de trabalho, capital cultural, gerando, consequentemente, mais renda – algo que, no fim das contas, é o que acaba sendo cobrado por parte da população que não compreende esses investimentos. O que precisa ficar claro, de forma bem resumida, é: a valorização do audiovisual vai muito além do que é pontualmente destacado nos jornais. Trata-se de um processo que exige investimento contínuo para que, no futuro, os resultados sejam colhidos – ainda que isso não aconteça a curto prazo.

Temos a recente cota de tela, mas quais filmes realmente chegam ao público? Apenas aqueles com grandes nomes ou com apelo internacional (diga-se, Oscar)? Ou conseguimos, de fato, abrir espaço para produções que representem nossa diversidade cultural?


Por isso, é fundamental valorizar as distribuidoras independentes, que tentam furar a bolha e precisam do apoio da mídia para isso. Mas será que essas mídias estão realmente interessadas?


Muitos dizem que Ainda Estou Aqui vai ser apenas um fato isolado… Concordo em parte. O cinema brasileiro não vai se transformar sem políticas de produção, distribuição e consumo mais robustas e bem direcionadas, especialmente para além do eixo sudestino. Mas é inegável que o sucesso de bilheteria de Ainda Estou Aqui não se deve apenas à imensa qualidade do filme. Ele ocorreu, sobretudo, por três fatores:


  1. A boa distribuição da Sony Pictures Brasil;

  2. O apelo dos nomes envolvidos;

  3. O hype e a expectativa gerados desde o Festival de Veneza, que se transformaria no ápice: hype do Oscar.


Segundo a Comscore e o Filme B, Ainda Estou Aqui registrou um aumento de 231% na bilheteria após a vitória no Globo de Ouro e, após as indicações ao Oscar, retomou a liderança no ranking dos longas mais vistos no cinema, com R$5,3 milhões arrecadados. “Mas Rafael, o filme já havia batido dois milhões de espectadores antes disso.” Sim, mas o boca a boca semanal que manteve Ainda Estou Aqui vivo nos cinemas tem muito a ver com a vitória do filme em Melhor Roteiro no festival italiano. As redes sociais foram dominadas pela expectativa de um “retorno do cinema brasileiro” à temporada de premiações. Desde o início, a Sony soube aproveitar esse hype e levar as pessoas ao cinema.


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Em sua primeira semana, o filme protagonizado por Fernanda Torres assumiu a liderança das bilheterias no Brasil – algo raríssimo no momento atual para um drama nacional. A Vida Invisível, Bacurau (que, claro, não é puramente um drama) e Motel Destino não chegaram nem perto da quantidade de espectadores em suas respectivas estreias. Sim, a distribuição desses filmes foi muito menor, mas eles ainda contavam com um mínimo de hype devido à sua presença em grandes premiações.


O filme de Karim Aïnouz foi o representante do Brasil no Oscar em seu ano, ficando à frente de Bacurau, muito por conta de sua distribuição nos EUA pelo Prime Video – que, no entanto, não fez do longa uma prioridade. Já Bacurau, distribuído pela Kino Lorber, foi amplamente prestigiado nos EUA, chegando a vencer na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no New York Film Critics Awards. No entanto, não tinha chances reais no Oscar, apesar de ter sido eleito um dos melhores filmes do ano por diversos veículos – assim como o sucessor de Kleber Mendonça Filho, Retratos Fantasmas. Este último foi selecionado pelo Brasil para o Oscar, mas a ausência de um grande distribuidor nos EUA fez com que suas chances fossem escassas. Motel Destino teve um hype inicial, mas acabou "morrendo na praia" para o público brasileiro após uma estreia morna em Cannes.


Meu ponto é: não basta apenas ser aclamado ou ter presença em festivais e premiações internacionais, é preciso criar um sentimento de “podemos, sim, chegar ao Oscar com esse filme”. Essa narrativa é facilmente vendida pela mídia, gera uma falsa ideia de patriotismo e, dependendo das circunstâncias, pode se sustentar ou morrer na praia.


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Ainda Estou Aqui tinha tudo a seu favor – aclamação, prêmios e uma narrativa forte –, mas, sem a Sony Pictures Classics por trás de sua distribuição nos EUA e sem a construção da narrativa de "possível candidato ao Oscar", provavelmente teria sido apenas mais um filme aclamado, com muito menos comoção do público brasileiro. Como citado no início do texto, tudo isso não passa de especulação, mas os exemplos anteriores apontam exatamente para essa dinâmica.


Concordo com Lucas Salgado, do O Globo, quando ele escreve que a trajetória de Ainda Estou Aqui mostra que "o Oscar precisa mais do Brasil do que o Brasil do Oscar". O engajamento e a comoção dos brasileiros ao redor do filme reforçam essa ideia. No entanto, ao mesmo tempo, acredito que o Oscar ainda carrega um peso de validação para o público brasileiro, deixando-nos presos a essa dualidade.


A própria Fernanda Torres aborda essa questão em entrevista ao canal UOL: "O Brasil tem pena do mundo, pena de o mundo não saber o que a gente sabe. Então, quando alguém fura a fronteira e leva algo que nos é pessoal para fora, temos esse sentimento de 'olha o que a gente tem de rico'. Olha o que a gente... É um sentimento de orgulho nacional bacana, bom de sentir."


O público brasileiro vê o Oscar como uma oportunidade ímpar de mostrar o país para os gringos, mas, ao mesmo tempo, precisa entender que não depende 100% do prêmio para isso. A diferença que eu espero que aconteça com o nosso indicado ao Oscar, é que as pessoas se interessem mais em descobrir sobre os filmes que estão sendo lançados, ao invés de esperar que eles cheguem até elas. Assim, seguimos nessa encruzilhada: Ainda Estou Aqui será realmente uma exceção, um ponto de virada ou o início de mais um (dos muitos) eternos recomeços para o cinema brasileiro?


Só o tempo dirá, mas podem ter certeza de que o Oxente, Pipoca? estará aqui para acompanhar cada passo e, quem sabe, responder essa pergunta no futuro.



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