Filme representante do Brasil no Oscar 2025 estreia nesta quinta-feira, dia 7
Foto: Divulgação
Raramente um filme nacional fura a bolha dos cinéfilos e consegue despertar o interesse genuíno da população mainstream. Mais esporadicamente ainda esse mesmo filme é bem recebido pela crítica especializada internacional, que tanto insiste em ignorar o cinema do sul global. Não tão raro é que, quando isso aconteça, o filme tenha o dedo de Walter Salles.
O aclamado cineasta brasileiro, que nos deu Central do Brasil (1998) e Diários de Motocicleta (2004), tem, em seus últimos projetos, se dedicado principalmente à produção estrangeira, com filmes internacionais ou em coprodução com outros países. Mas esse ano o carioca retorna aos créditos de um filme 100% brasileiro, e talvez seu mais pessoal até aqui. E não sou eu quem estou dizendo isso, é ninguém menos que Fernanda Torres. Nas palavras da própria: “eu conheço ele há muitos anos, a gente fez o nosso filme de formação juntos – o Terra Estrangeira –, de jovens, sabe? (...) e eu tô muito feliz, porque é um filme muito pessoal dele.”
O Oxente, Pipoca? teve a honra, a felicidade e o privilégio de conversar com a protagonista de Ainda Estou Aqui, o mais aguardado filme do ano, que nos contou sobre sua experiência com a produção.
Inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que traz a história de sua mãe, vítima da ditadura brasileira, a história tem como um dos ambientes centrais a casa em que Marcelo cresceu e a qual Salles – ou Waltinho, como chama o autor – frequentava em festas oferecidas pelos Paivas, muitos anos antes da produção do filme. “O Walter teve quase, assim, uma coisa arqueológica com essa casa”, conta Fernanda Torres. “Ele achou uma casa igual, perguntou à família quais eram os móveis e é uma casa que lembrava muito a casa da minha infância no Rio de Janeiro, então era um pouco uma viagem no tempo”. A simbologia vai além, representando também a própria casa do cineasta “no filme dele, e feliz que ele está voltando para o Brasil”.
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A essa altura, com certeza você já ouviu falar de Ainda Estou Aqui, filme que tem reacendido a esperança do primeiro Oscar nacional. O longa, cuja estreia oficial será nesta quinta-feira, 07/11, vem ganhando notoriedade desde sua estreia na 81º edição do Festival de Veneza, no qual foi agraciado não apenas com uma sessão de 10 minutos e 20 segundos de aplausos ininterruptos, mas também com o prêmio de Melhor Roteiro, anunciado por Isabelle Huppert, presidente do júri. De lá para cá, já passou pelos festivais de Toronto, Londres, Nova Iorque, Vancouver e Rio, só para mencionar os principais, sendo aclamado em todos. Não por acaso, em 23 de setembro, o filme foi anunciado como escolhido da Academia Brasileira de Cinema para representar o país no Prêmio da Academia Americana de 2025, na categoria de Melhor Filme Internacional. De carona nessas expectativas, Fernanda Torres, sua protagonista, tem sido cotada para uma concorridíssima vaga na categoria de Melhor Atriz.
Não me levem a mal, eu amo o Oscar. Meus amigos já sabem: não me chamem para nada nesse dia. Assisto todo ano com uma comida gostosa, pedida especialmente para aquela ocasião. Acompanho do tapete vermelho até o prêmio de melhor filme, tirando os olhos da televisão apenas para acompanhar os memes nas mídias sociais. Maratono o máximo de filmes indicados possíveis para reclamar com propriedade dos resultados. É minha copa do mundo.
Dito isso, preciso confessar que tem me frustrado que a promoção de Ainda Estou Aqui seja apenas por causa das possibilidades de um filme brasileiro levar para casa uma estatueta gringa. Longe de mim ter um discurso chauvinista – é claro que esse reconhecimento importa, inclusive para (com dedos fortemente cruzados) mais investimento público no setor audiovisual. Mas Ainda Estou Aqui é tão mais que um potencial Oscar. É nossa memória em tela cheia; é um símbolo da resistência, do poder e da maestria do cinema brasileiro, sempre tão assertivo – ainda que nem sempre reconhecido como tal. Nas palavras de Torres, “É uma recuperação da memória do Brasil, dessa grande brasileira cuja história se confunde tanto com a própria história do Brasil cujo filho escreveu um livro porque ele viu que a mãe estava perdendo a memória na hora que ele achou que o Brasil estava perdendo a memória.”
Evito falar de Oscar com Fernanda Torres. Entrando em seu terceiro mês de divulgação, ela já deve estar de saco cheio de perguntas sobre isso. Pergunto, então, sobre onde ela acha que está o elemento universalizante do filme, que faz com que audiência do mundo inteiro se identifique com uma história em um contexto que é tão particular aos países latinos. Ela responde de pronto: “acho que a família, a mulher, a mãe”. E continua: “[Ainda Estou Aqui] não age na pessoa pela indignação partidária, ele age porque aquilo é uma injustiça (...) porque aquelas pessoas que você se apaixona no início, elas são roubadas de uma alegria que você não quer ser.” A atriz conta que já mostrou o filme em diversos lugares, e, em sua percepção, “ele age nesse lugar de identificação, empatia, coisas que atualmente está difícil de encontrar, né?.”
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Para o elenco, a identificação veio também através de uma muito acertada escolha da produção e da direção: a de filmar a obra cronologicamente. “A primeira coisa que a gente fez foi fazer as fotos da família, que foi um trabalho de tentar chegar nele de uma forma realista, minuciosa. Aquilo foi a porta de entrada para gente para o filme”, diz. Nas filmagens, perceber os elementos alegres sendo “levados”, impactou os atores para além da interpretação: “no dia que o Selton foi embora, ele foi embora. E eu senti falta dele. (...) Teve um dia que eu fui levada para outro lugar horrível para fazer aquela prisão, e o dia que eu voltei para aquela casa que eu tinha saudade, era outra casa.” Em reconhecimento ao diretor, ela afirma que, com esse modo de produzir, ele deu uma “aula de honestidade de atuação”.
Mas suas boas memórias sobre Ainda Estou Aqui não se limitarão à produção. Fernanda fala que lembrará com carinho “da primeira vez que eu vi o filme sozinha numa sala de edição e o que aquele filme me causou como espectadora, eu fui tendo uma comoção estranhíssima. Depois, a estreia em Veneza, quando eu vi que aquilo que eu tinha sentido aquela plateia também tinha sentido”. Menciona ainda a “parceria com o Selton e o Walter pelo mundo, dividindo o palco, apresentando e melhorando nossos Q&A’s e o sentimento de irmandade.”
Por fim, ao ser perguntada quais as expectativas com a popularidade do filme, Fernanda Torres não menciona premiação ou títulos, apenas que ele leve as pessoas ao cinema: “eu espero que esse filme crie a urgência primeiro de ver para não ficar fora das conversas, e depois o prazer da experiência coletiva com o cinema”, afinal, “você vai ver um filme de gente incrível sobre pessoas incríveis.”
Para escutar a entrevista na íntegra, acesse nosso podcast Cuscuz com Pipoca.
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