Análise | Ruptura e o Refinamento do Macro Sentimento
- Filipe Chaves
- 21 de mar.
- 7 min de leitura
Uma análise do último episódio da temporada e as coisas que fazemos por amor... ou deixamos de fazer.

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Começando o episódio exatamente de onde o anterior nos deixou, agora Cobel e Devon desenham para o Mark Interior o plano para salvar Gemma da Lumon, mas para que ajude, ele precisa ser convencido, obviamente. E quem tem esse papel é o Mark Exterior. Os dois conversam se gravando, o Mark Interior fica dentro da cabana, enquanto o Mark Exterior vai para a varanda assistir a resposta e gravar a sua. É uma bela jogada da série e reflete seu dilema principal: por mais que dividam o mesmo corpo, o Interior e o Exterior têm personalidades diferentes e os argumentos são válidos de ambos os lados. O Interior tem o senso de responsabilidade com a esposa do seu Exterior, mas seu verdadeiro amor é Helly, então eles deixariam de existir se o plano feito por Cobel fosse totalmente executado. O Mark Interior precisa completar o Cold Harbor, último estágio de Gemma, ir ao andar onde ela está, lá o Mark Exterior retomaria, resgataria sua amada, depois o Mark Interior assumiria quando voltassem ao andar da ruptura e levaria Gemma à escada, onde ambos voltariam a ser seus Exteriores fugindo juntos. Perceberam o impasse? Pois é.
São dilemas complexos que chegam ao seu clímax neste episódio e funcionam porque houve uma construção muito bem pensada sobre Mark S./Helly e Mark/Gemma. A temporada tem falhas, algumas que poderiam até ser sanadas aqui, mas não foram. No entanto, o desenvolvimento destes personagens e suas relações não é uma delas. O mesmo eu não posso dizer de Cobel. A série gastou um episódio inteiro sobre ela para tentar nos convencer de que era possível ela mudar de lado depois de tantos anos sendo devota a empresa e falhou. Esconder o jogo em uma hora que deveria aprofundar a personagem foi um desperdício e ela continuou como uma folha de papel branca, só que ganhou alguns rabiscos. Cobel era conivente com absolutamente toda destruição que a Lumon causou na sua cidade natal até então, e por isso não dá para comprar que este seja um fator na mudança dela. O intuito era nos trazer a este momento, onde ela “explicava” o que era Cold Harbor e ajudar no resgate de Gemma. Falarei mais sobre Cold Harbor e o pouco que descobrimos sobre isso depois.
Quando o Mark Exterior chega à Lumon para finalizar o tal Cold Harbor, ele ainda tem dúvidas se executa o plano, mas é convencido por Helly, em uma belíssima e emocionante conversa entre os dois sobre o ser ou não ser da questão. Adam Scott e Britt Lower se destacaram na temporada pelo talento e pela dualidade daquelas pessoas, sem perder a humanidade, e esta cena é prova disso. Os olhos marejados refletiam o sentimento genuíno que um nutre pelo outro a importância das decisões tomadas aqui, ganha muito mais substância. O “te vejo no Equador” mostrava que ainda não era a despedida. Cold Harbor finalizado, Mr. Milchick aparece com uma fanfarra para fazer um show em comemoração em uma genial sequência tão estranha quanto engraçada e mais um atestado de que o Emmy de Ator Coadjuvante em Drama deste ano não pode ser de ninguém além do incrível Trammel Tillman. O personagem foi um dos destaques da temporada e um antagonista muito mais bem trabalhado do que Cobel, por exemplo. Há muita nuance envolvida na relação dele com a Lumon e espero que explorem mais isso no futuro.

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Em meio a fuga de Mark do evento, Helly consegue prender Milchik no banheiro, mas não vai conseguir segurá-lo por muito tempo, até que Dylan G. aparece para ajudar a amiga. Depois que o seu Exterior não concordou com sua demissão, ele volta à Lumon e decide ficar, devido a contra argumentação de que ele precisava existir ali. O triângulo amoroso do Interior/Exterior com sua própria esposa foi mais uma trama que terminou de forma apressada. Começou muito interessante, levantando várias possibilidades, mas pouco foi desenvolvido pelo roteiro e jogado para escanteio. Assim como os arcos de Burt e Irving, que continuamos a saber pouquíssimo. Senhorita Huang, entrou e saiu e não disse muito a que veio, além de saber que Lumon investe em mão de obra infantil. São tramas começadas e que pareciam pensadas a longo prazo para uma temporada que aparentemente teria episódios suficientes para contá-las de uma maneira satisfatória. Mas a impressão que fica é que os roteiristas foram avisados de última hora que precisavam ser encerradas e fizeram de qualquer jeito. E estes não foram os únicos problemas, mas também falarei mais depois.
Enquanto Mark corre para chegar a tempo de salvar Gemma, ela está dentro da sala de Cold Harbor, na qual o último teste consiste em desmontar um berço, remetendo a uma das maiores dores da sua Exterior. Ela é assistida pelo Dr. Mauer e pelo próprio Jame Eagan, que anseiam pelo resultado. Ao chegar perto do elevador, Mark é impedido por Drummond, em uma sangrenta luta física onde nosso herói estava em clara desvantagem. A violência não é muito usada na série, então foi uma surpresa positiva, e ela continua com a chegada de Lorne, personagem de Gwendoline Christie para salvar Mark. Cansada e frustrada de ter que matar cabritos, ela desconta toda sua raiva acumulada em Drummond e incorpora Brianne de Tarth em um visceral corpo a corpo, mas é impedida de finalizar por Mark, que precisa que Drummond viva pelo menos para levá-lo ao andar de Gemma e por um acidente tragicômico, o executivo grandalhão morre após cumprir seu papel, felizmente. Para desespero de Eagan e Mauer, Mark consegue entrar em Cold Harbor tirar Gemma de lá. No corredor, ambos são seus Exteriores e a cena de reencontro é muito comovente, atingindo as expectativas de tanto tempo de espera. No entanto, a frustação de Eagan não causa o impacto necessário porque nos falta mais informações sobre Cold Harbor. Qual a finalidade? É algo com a juventude dele? O porquê de ser especificamente Gemma? Estas são algumas entre as muitas questões e saber que Mark refinava as personalidades das 24 Interiores dela simplesmente não é o suficiente.
No elevador, durante um beijo apaixonado, Mark volta a ser Mark S. e Gemma volta a ser Mrs. Casey. A cena é engraçada por natureza, porque afinal ali eles são apenas colegas de trabalho. Ainda assim, eles continuam sua fuga e o Mark Interior cumpre sua parte de levar Gemma até a escadaria, só que com um porém: Helly aparece de última hora, o “encontrando no Equador”, para o que poderia ser uma despedida. Tudo nos levou aquele momento. Mark S. escolhe ficar com sua amada, em meio ao caos, alarmes soando e luzes vermelhas, ele prefere este mergulho no escuro com alguém que ama do que uma vida sem ela. “Eles nos dão metade de uma vida e esperam que não lutemos por ela?” diz Helly em um discurso tentando convencer a banda de fanfarra a ajudá-la anteriormente. Isto sumariza o episódio e a clara divisão que há entre seres Interiores e Exteriores. Há uma teoria que neste episódio seria Helena no lugar de Helly, novamente. Considero totalmente infundada e não faria o menor sentido com tudo que vimos até então, que Helena vivesse estes grandes momentos ao invés de Helly. A temporada termina com os dois correndo pelos corredores da Lumon rumo ao desconhecido. Não fazemos ideia do que vem depois e nem eles, imagino. Estando juntos, é o que vale. Não é um plano muito pensado, mas o amor é o sentimento mais forte e é por ele que eles são guiados.
Acho que o principal é que não existe certo ou errado nesta situação e parte daquela máxima de “todos somos vilões na história de alguém”. Foi egoísmo do Mark Interior não ir com Gemma? Foi. Mas quando ele olha para aquela mulher gritando do outro lado da porta e não sente nada por ela, olha para o outro lado e vê o amor da sua vida, o que você faria? Eu sei o que eu faria. Enquanto isso, uma Gemma desesperada vê a chance de recomeçar com o homem que ama, depois de tanto sofrimento, se esvair entre seus dedos. Fisicamente, é o Mark dela. Emocionalmente, é o Mark de outra. De Helly, que também não está disposta a voltar a ser Helena. Os Interiores querem viver, ao mesmo tempo que não dão voz ou vez ao que os Exteriores sentem. Você é livre para torcer por qualquer um dos casais, mas ciente de que não há certezas e verdades absolutas. É por dilemas carregados de complexidade assim, onde nada é tão preto no branco, que Ruptura se destaca entre a quantidade absurda de produções que temos graças aos streamings hoje em dia. Tem falhas, mas se peca no desenrolamento mitológico, se sobressai no lado humano da coisa. E o ser humano é o núcleo.
Foi um ótimo episódio – visualmente irretocável, como de costume – que funcionou muito bem como final de temporada. Adrenalina, ação, humor, drama, romance, uma combustão de sensações que me deixaram na ponta da cadeira. Mas é inegável que faltam respostas mais claras aqui. Obviamente nem tudo pode ser respondido, pois a série acabaria, mas o conceito da chamada mystery box, em tradução livre “caixa de mistérios”, é que uma resposta leve a outras perguntas. Aqui faltam respostas, o que nos dão é muito pouco para que a mitologia evolua. Alguns personagens são bem desenvolvidos, outros são deixados de lado, bem como tramas que pareciam importantes e deram em pouca coisa. A reintegração supostamente seria o cerne da temporada e o que vimos episódio a episódio foi praticamente uma repetição, e pareceu que o único ponto era Devon se desesperar e ligar para Cobel, reincluir a personagem na trama, alguém que ela não teria qualquer razão para confiar. Do mesmo jeito, o Mark Exterior oferece ao Mark Interior a reintegração como uma alternativa e nos soa a coisa menos plausível até então, já que pouco se mostrou funcional e em prática pouco funcionaria para o dilema de um ser apaixonado por Gemma e outro por Helly, que também deixaria de existir, já que é muito improvável que Helena toparia passar pelo processo. Algo que começou no episódio 3 e praticamente não saiu do lugar até o episódio 10. Tivemos excelentes episódios até pouco mais da metade da temporada e até então, havia pouco para se falar mal. No entanto, nos episódios 8 e 9 ficou claro que havia um problema na estrutura dela e por melhor que tenha sido o final, não conseguiu superar “The We We Are” justamente por conta destas questões.
No vindouro 3º ano, espero que continuem desenvolvendo bem os personagens – a maioria deles, pelo menos –, afinal é deles que uma boa série de drama é feita, mas sem nos dar apenas migalhas de respostas, já que também é uma ficção científica. A série precisa devolver a confiança de tanto tempo de espera ao telespectador, e tudo bem que nem tudo precisa ser respondido, mas algumas coisas são essenciais para o progresso da narrativa. Não partilho da decepção da temporada completa e o saldo é muito positivo. Ruptura continua como uma das melhores séries da atualidade, aborda dilemas humanos complexos e profundos, tendo como pano de fundo uma história de mistério e ficção científica. Ela só precisa encontrar a harmonia entre seus dois “eus”, com o perdão do trocadilho.
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