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Crítica | A Natureza das Coisas Invisíveis (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 30 de out.
  • 3 min de leitura

A ótica infantil como ferramenta de discussão do tabu da morte com sensibilidade

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Foto: Reprodução


Desde pequeno, sempre tive uma relação muito complicada com a ideia da morte. Tendo nascido e sido criado num lar evangélico, tive contato cedo com o livro de Apocalipse, o juízo final e a eternidade onde os remidos por Deus viverão. Mas o conceito dessa eternidade me assustava; afinal de contas, parecia “muito tempo”. A perda de pessoas próximas ao longo dos anos, bem como o temor de perder outras por diversas questões, me acompanharam conforme cresci e precisei aceitar a morte como um fato inerente da vida.


Em A Natureza das Coisas Invisíveis, a diretora e roteirista Rafaela Camelo volta-se justamente à infância para discutir com muita naturalidade e sensibilidade a morte e os impactos das perdas sobre nós. Ela faz de um hospital em Brasília esse local improvável para o florescimento da amizade de duas meninas, Glória (Laura Brandão) e Sofia (Serena). A primeira, cuja mãe (Larissa Mauro) é enfermeira no hospital, já está acostumada àqueles corredores, salas e quartos, mas é protegida pela mãe dos tópicos mais difíceis que circundam o lugar, enquanto a segunda chega ao hospital devido a um acidente doméstico com a bisavó (Aline Marta Maia), sendo marcada pela relação difícil com a mãe (Camila Márdia). 


Estruturado nessas duas metades – a primeira no hospital e a segunda no sítio da bisavó de Sofia, no interior de Goiás – A Natureza das Coisas Invisíveis tanto as distingue quanto as complementa, à medida em que a câmera de Camelo, muito livre, aposta fortemente na subjetividade do olhar infantil das duas meninas, cada uma delas dominando uma das duas partes do filme. Os planos médios, o posicionamento da câmera sempre a partir da altura das meninas, os closes que conduzem o nosso olhar a partir do que elas veem, são alguns dos recursos pelos quais a diretora faz do universo e da compreensão delas o meio para tornar mais fácil a compreensão da morte como este ato natural da própria vida. 

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Foto: Reprodução


O texto de Camelo também abraça as vivências das personagens e de suas mães para construir um olhar mais plural acerca da própria natureza da morte. Sem oferecer respostas conclusivas, ele evidencia o lado mais clínico e científico na primeira metade antes de incorporar os elementos do sincretismo religioso brasileiro na segunda, visto que a bisavó de Sofia era uma benzedeira. O filme brinca com o onírico e o fantasmagórico, ao passo que usa a noção da morte para muito além do físico, especialmente no que concerne a revelação feita em determinado momento sobre Sofia.


Se há algo em que o filme acaba pecando, é justamente em determinados momentos se afastar da perspectiva infantil que o distingue. Ainda que uma das cenas mais emocionantes (envolvendo a mãe e bisavó de Sofia) não esteja diretamente relacionada às meninas, é nítido como ele é mais forte quando traz para o centro as duas protagonistas. Isso é nítido sobretudo na segunda parte, onde se vê uma tentativa do longa de trabalhar mais elementos que a impedem de possuir a mesma coesão que a primeira, no hospital, tinha.


Ainda assim, A Natureza das Coisas Invisíveis acerta e muito por poder apresentar uma discussão de um tema tão espinhoso e ainda tão tabu como a morte, valendo-se para isso da ótica infantil – construída com muito esmero e sensibilidade a partir do campo estético do filme, e também das atuações calorosas de Laura Brandão e Serena, as quais nos convencem como crianças agindo como crianças (ainda que seja perceptível como Sofia é alguém forçada a amadurecer muito cedo). Talvez nós, enquanto adultos, tenhamos muito a aprender com elas a abraçar a inevitabilidade da morte e a beleza de se estar vivo.


Nota: 3.5/5 

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